terça-feira, 25 de dezembro de 2018

NATAL - SEMPRE IGUAL E SEMPRE BOM!


Bem, em boa verdade, se é certo que todos os Natais são bons e bonitos, também não será errado considerar que nem todos são exactamente assim, pelo menos no tocante ao número de participantes no convívio e, naturalmente, ao ambiente daí resultante.

Já tive em redor da sempre bonita mesa da Consoada ou do almoço do Dia de Natal numero avultado de presenças e, como hoje aconteceu, número bem reduzido de convivas. Como hoje aconteceu…

Desde as cerca de duas dezenas, como o registado por exemplo em 2003 e 2004 quando, irmãos, cunhados e sobrinhos festejamos em Crescido o frio Natal local até hoje, em que terminamos no almoço de Consoada com 8 à mesa e agora ao almoço com apenas 6, assim o número de celebrantes tem vindo a reduzir... Desde os velhos tempos de muitos à mesa até hoje as famílias foram sofrendo evoluções com novos nascimentos, namoros e casamentos com a natural formação de novos lares e novos contactos com sogros, afilhados, companheiras e até alguns tristes falecimentos etc e assim chegamos à meia dúzia de hoje, afinal apenas os meus familiares mais chegados.

Convenhamos que tudo isto é natural mas, francamente, a mim não deixa de me provocar algumas recordações e até uma certa e sentida nostalgia. Coisa de velho, certamente…

Foi, pois, mais um Natal que se passou. Este, como os outros anteriores, sempre com a recordação da triste data vivida em 1978 quando perdi o meu saudoso pai. Faz hoje 40 anos que o sepultamos e, desde então, como é inevitável, nunca mais os Natais foram iguais…

E agora que o ano civil está a chegar ao seu término importa salientar que, no que à saúde diz respeito, este foi um ano sem preocupações de maior para a minha família e para mim próprio. Não foi mau de todo, não. Um ou outro achaque de fácil remédio e tudo foi passando… No meu caso a cirurgia resultou em pleno e neste ano vivido nada de anormal me surgiu. Felizmente!

Que no Natal de 2019 possa repetir igual afirmação e a coisa já não será má de todo…

Como registo final deixo uma imagem em que de forma humorada surjo com o compadre Lenine e outra da nossa mesa de ontem na Consoada deste Natal de 2018, com filhos, nora, neto e compadres.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

ALÍVIO!... A "RECAUCHUTAGEM" CONTINUA VÁLIDA!


Uff! Hoje mais um dia de grande alívio para este rapazinho por via de ter ouvido da médica que há já mais de um ano o vem vigiando, a preciosa informação resultante da análise ao resultado da TAC feita oito dias atrás que, para meu grande alívio, assim se expressou:

- Muito bem! Esteja descansado! Está tudo bem!


Caramba, grande alívio! Grande carga que saiu de cima desta velha carcaça que, não obstante nada sentir que fizesse prever qualquer complicação, a apreensão sempre existe porque a figadeira não dói ainda que algum apêndice maligno nela nasça.

Agora, se tudo decorrer consoante o previsto, só voltarei de novo a ser examinado pela radiologia lá para Abril, o que o mesmo é dizer que tenho licença por mais 4 mesinhos.

E, assim, semana a semana, mês a mês, vão passando os dias…

Sempre debaixo de vigilância contínua e na esperança que não nasça nova merda maligna, cá me vou aguentando, comendo de tudo com alguma moderação, sendo que o maior óbice resulta principalmente em não poder ingerir álcool…

Custa sobretudo um bocadito quando me encontro em convívio com amigos e eles mamam uns copos e… eu olho…

É a vida!...

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

HOJE, DE NOVO, UM BELÍSSIMO REENCONTRO!


Hoje, logo pela manhã, um muito agradável encontro com um velho amigo, meu conterrâneo, que já não via talvez desde há 60 anos!

Fruto do Grupo que criei e administro na net relativo à minha terra natal, denominado CHOUTO – NOSSA TERRA, NOSSA GENTE, foi possível e a exemplo de muitas outras idênticas situações, saber do paradeiro do velho amigo Manuel Coelho, rapaz que não via desde os finais dos anos 50 do século passado quando ele estava empregado no então “Café do Caixa”, na Chamusca e, eu, hospedado em casa de tios, ia passeando os livros pela então Escola Industrial e Comercial de Torres Novas.

Guardo da época a imagem do Coelho no café, rapaz brincalhão, sempre bem disposto, contando anedotas mil e partidas imensas que fazia a este e àquele com quem convivia alegre e francamente, sempre mais ou menos às escondidas do patrão e encontrei hoje na sua gratificante visita, neste Coelho já com oito décadas de idade, o mesmo espírito vivo, franco e de continua boa disposição e alegria de viver!

Em duas horas que passaram demasiado rápidas, rememoramos velhos tempos, recordamos antigos e actuais amigos comuns e mil e uma ocorrências das nossas vidas para trás vividas.

Mas o Coelho, ainda que mais velho, continua o mesmo rapaz na verdade e, até, como então, mantém a sua gentileza e cortesia de sempre bem expressa na forma como me cumprimentou hoje, passadas todas estas décadas sem me ver: 

- Olha como aqui tenho, de novo, o Victor com a sua sempre carinha de menino?!… - Eh! Eh! Assim mesmo.

Simpático, o rapaz! Simpático e... mentiroso!...

Um abraço forte, Coelho!

Um abraço e também uma viva saudação à net que proporciona estes tão agradáveis reencontros!

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

GUERRA COLONIAL - UMA CHATA CRÓNICA


Esta velha fotografia que aqui anexo, em que surjo acompanhado do meu velho companheiro Joel Costa, amigo praticamente sempre presente no meu dia a dia dos tempos difíceis da Guerra de Angola nos anos 67 a 69 do século passado, provoca-me diversas recordações que aqui gostaria de registar, fazendo desde já a primeira, sendo que outras se seguirão.


A foto foi tirada no Muaco, pequeno lugarejo situado perto do Cazombo, na picada que nos conduzia a Lumbala, lá bem no interior do Leste angolano, no quadrado à direita, assim como que um apêndice, que sai do mapa na fronteira leste.

O nosso pelotão, de cerca de 30 homens, dava protecção aos civis da então Junta Autónoma de Estradas de Angola (JAEA) que procedia à construção dos necessários aterros para acessos à ponte sobre o Rio Muaco (cuja denominação certamente daria o nome ao local onde estavamos) aterros de que careciam a respectiva ponte já antes erguida pela engenharia militar, sendo portanto o nosso trabalho proteger os trabalhadores e a maquinaria de um eventual ataque inimigo.

Alojados - alojados, é favor mas… enfim… -  em toscas barracas de madeira, deixadas pelos militares da engenharia, lúgubre e estranhamente pintadas de preto, possivelmente em aproveitamento de um qualquer resto de tinha adquirida para outros fins, ali dormíamos – ou fazíamos por isso… - em cima de umas toscas armações de troncos de madeira erguidas a 40/50 cms. do solo para evitar a mordedura de alguma cobra, lacrau ou outro qualquer outro bicharoco por ali em visita nocturna. Como o "estrado" não era minimamente liso tratamos de lhe colocar como "estrado de colchão” (?) uma chapa de zinco. Isso mesmo: uma chapa de zinco das que tinham sobrado da cobertura das barracas. Mas, acontecia que, como sabemos, essas chapas são onduladas e então houve que usar a imaginação para encher as partes côncavas da ondulação… Como fazer? Terra, suja e húmida, não. Óbvio. Por isso fomos às folhas das árvores e arbustos que abundavam na mata para além da pequena clareira onde se erguia o acampamento. Lembro-me que eram pequenas e verdes folhas, assim como que de mióporos, que serviram de estrado liso e fresquinho. Por cima colocamos uma manta e assim estava o “colchão” perfeito… Pois é… Não me canso de dizer que, nos dias de hoje, nenhum – nenhum! - militar português, soldado ou graduado, estaria disponível para passar o que passamos na nossa geração por via da guerra forçada!

Mas, avanço nas recordações daqueles difíceis dias:

Para além das barracas para os civis, tínhamos as dos militares sendo que duas eram para soldados e cabos, outra para furrieis e ainda outra para o alferes. A cozinha era mais ou menos ao “ar livre”… Um pequeno telheiro e nada mais.

Eu, como furriel, dormia com mais dois companheiros com igual posto: o já falado Joel e um velho amigo que nunca mais vi e que era meio “cacimbado”, de nome Abreu. Bom rapaz mas um nadinha nada louco… E ele ria-se quando lhe chamávamos “Abreu - O louco”…

Dessa colectiva dormida recordo-me de duas situações algo complicadas na altura e que agora, vistas à distância, considero patuscas (pelo menos uma…) A primeira resultou da situação de stress, ou talvez melhor dizendo, medo, medo com que ali vivíamos naquele fim do mundo, com fraca preparação e ainda mais fraco armamento, acontecendo por mais de uma vez que, ao virarmo-nos durante a dormida, as chapas de zinco faziam um natural e característico barulho e era ver, pelo menos por duas vezes, o amigo Joel, imaginando rajadas de metralhadora, mandar um salto para o chão e abraçar a amiga G3 que, fielmente, dormia a seus e nossos pés encostada à parede da barraca. Quando se lembrava onde estava, esfregava a cara e pedia-nos desculpa pelo cagaço... 

A outra situação…Bem, a outra situação é hoje patusca mas foi na altura deveras confrangedora para este escriba, ingénua e virgem criatura a viver situação absolutamente inédita…

Surgiram-me, nos denominados “países baixos”, uns indesejáveis, comichosos e arreliadores bichos de muitas patinhas e. este pobre rapaz, na altura a dormir com os outros dois companheiros, sentiu-se deveres constrangido…

Faleis-lhe francamente:

- Ó pá, estou tramado!... (bem, não falei bem assim, porque usei o apropriado e obsceno vernáculo…)

- Então? - pergunta um.

- Estou com uma carrada de chatos, pá! - confessei-lhes de imediato e acrescentei:

- Não me sinto bem a dormir com vocês assim e vou ter que ir depressa ao Cazombo para matar esta merda! Vou catando os gajos mas não dou vazão e continuam sempre a nascer, cada vez mais.

Eles foram impecáveis, não esqueço: jamais me apresentaram qualquer obstáculo por com eles continuar a dormir enquanto não tivesse transporte para a sede do batalhão e, ainda assim passei mais umas noites. Duas? Três? Já não me recordo mas recordo-me bem que, nem única vez, tanto o Joel, quanto o Abreu, manifestaram o seu desagrado pela situação. Foram impecáveis! Foram amigos!

E fui ao Cazombo, logo que pude…. E, chegado ali, procurei de imediato o Rosa, furriel enfermeiro amigo que de pronto me pediu:

- Mostra lá essa merda!

Visto o porco panorama, abre a boca e, entre espanto e, em lamento, confessa:

-  Ó pá, como isso está!… E com lêndeas!… E eu sem remédio para atacar os gajos… Vamos aplicar o que tenho: o spray para matar os mosquitos e as lêndeas tens de as catar…

- O quê? Uma a uma, Rosa?- pergunto estupefacto.

- Que remédio, Azevedo… Não há alternativa. O spray não acaba com elas.

E assim foi!… Teve de ser! … Durante um ou dois dias, várias vezes ao dia, atacávamos os danados dos bicharocos com spray das melgas e que, assim, pouco a pouco, foram sendo dizimados e o mais chato foi mesmo os “ovos” dos gajos… Tive de os ir catando. Catei, catei e, regressado ao Muaco, o catar ainda continuou por largo tempo…

E pronto, já chega de porcaria!… 

Fico-me por aqui, tanto mais que acabei por redigir numa chata narração uma porca crónica.

E prometo não voltar ao tema...

EM TEMPO - Muito depois de redigir e publicar esta crónica encontrei no meu Baú de Velharias uma outra foto também tirada no Muaco, que agora incluo no texto e onde podemos ver algumas das barracas pretas do acampamento, sendo que a nossa, a dos furrieis, era a que está à direita.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

EIS A NET DE QUE GOSTO!...

Ontem, na página do Grupo CHOUTO - NOSSA TERRA, NOSSA GENTE, relativo à minha terra natal, que há mais de um ano criei e administro no Facebook, dia a dia com mais e boa frequência (somos já mais de meio milhar! ) e, porque passava o 44º aniversário da morte do dr. Armando Cumbre, ocorreu-me assinalar a facto e, com a foto do saudoso médico que aqui anexo, publiquei o seguinte texto alusivo:

EFEMÉRIDE:
HÁ 44 ANOS MORRIA O DR. ARMANDO CUMBRE!
Nesta sequência de tristes ocorrências que ultimamente vêm enlutando os choutenses e seus amigos e de que este nosso espaço tem feito notícia, permitam que vos recorde hoje a passagem do 44º aniversário da morte do saudoso médico Dr. Armando Henrique Cumbre, ocorrida exactamente no dia 27 de Novembro de 1974.
Embora tendo nascido em Santa Eulália (Elvas) veio para a Chamusca com 23 anos, pouco depois de se formar em Coimbra e fez da nossa terra a sua terra, tendo-se tornado, após 47 anos do exercício da medicina no nosso concelho, um grande chamusquense.
De muita competência e experiência e de uma enorme grandeza de alma, fez da sua profissão um verdadeiro sacerdócio, atendendo os seus doentes no seu consultório na Chamusca e muitas e bastas vezes por todo o concelho, sempre com a mesma disponibilidade e sabedoria, a mesma gentileza e, em quantas, quantas dessas ocasiões, a expensas do seu bolso quer na deslocação e consulta, quer até em medicamentos, numa época em que a grande maioria das pessoas passava pela vida muito pobre e até mesmo muito curta.
Lembro-me de o ver muitas vezes pelo Chouto em consultas, quando eventualmente não tínhamos médico ou até mesmo porque o doente preferia o Dr. Cumbre e em deslocações até bem mais distantes como ao Gorjão, por exemplo. Deslocações sempre feitas , a qualquer hora do dia, da noite ou até da madrugada, por péssimas estradas e muitas vezes com más condições climatéricas, no exercício do seu verdadeiro sacerdócio!
Que o Dr. Cumbre descanse para sempre em paz depois de passar pela terra como médico competente, homem bom e um verdadeiro apóstolo, numa vida dedicada ao serviço da população do nosso concelho!
(Tempo atrás e juntando as pessoas do médico e do farmacêutico, lembrei no meu blogue os muito saudosos Armando Cumbre e Joaquim Cabeça, dois autênticos "João Semana" do meu tempo. Se tiver curiosidade a pachorra leia aqui: http://victor-azevedo.blogspot.com/2018/01/fruto-do-meu-habito-de-tudo-preservar.html )

Feita a publicação de imediato começaram a entrar significativos e concordantes comentários não só sobre a justeza das minhas palavras, que isso era o que menos cuidava mas sobretudo com testemunhos autênticos do que efectivamente foi o dr. Cumbre em vida, nos seus 47 anos de médico no concelho da Chamusca e, quanto a mim, o mais significativo e espontâneo testemunho, sem menosprezo para os restantes, veio tão de pronto que me sensibilizou de uma senhora minha conterrânea que se expressou desta forma (sic):

Ercília Duarte Foi o médico que me ajudou a nascer teve no Gorjão Zinho deste as 6 da tarde até a meia noite foi quando eu nasci ele era muito amigo com o engenheiro Augusto que era lá o dono e eles e que o vieram voscar e depois de eu nasce durmio em casa do engenheiro só foi para a Chamusca de manhã era um grande médico

E eu, que no texto tinha feito alusão às longas distâncias percorridas por más estradas pelo médico para assistir aos seus doentes, tendo mesmo recordado que me lembrava de o ver ir ao Gorjão, que fica para lá da minha aldeia e já não muito distante de Ponte de Sôr, no Alentejo, não pude deixar de me surpreender por de imediato surgir ali uma pessoa a quem o dr. Cumbre ajudou a nascer para o mundo no distante Gorjão, antes povoado com  habitantes suficientes para a sua escola primária e hoje despovoado, segundo julgo saber.

Muito sensibilizante!

Sensibilizante e curioso. 

Curioso como a net, quando bem aproveitada, proporciona o convívio entre os cidadãos e aproxima saudavelmente gentes e culturas.

Pena que nem sempre – e demasiadas vezes… - assim seja!...

terça-feira, 20 de novembro de 2018

RECORDAÇÕES...


A imagem que agora retirei da net mostra-nos algo com o seu quê de patusco e, sendo perfeitamente inviável de observar nos dias de hoje no meu Chouto natal, não o é todavia em alguns locais do interior do nosso pais e não é estranha sobretudo para quem como eu ali nasceu, cresceu e viveu em tempos de outrora…

Na verdade, lembro-me de nos idos anos 50 e inícios dos de 60 do século passado os carros de bois – bem como os de mulas e machos, a par de algumas bicicletas… - serem o transporte mais usual nas deslocações e transportes de pessoas e coisas.

Recordo-me até que, neste caso concreto do carro de bois, ele era o meio de transporte preferido de João Maia, então lavrador abastado na freguesia, proprietário do Casal do Anafe do Meio – chamava-se mesmo nessa época “Anafe do João Maia” – nos terrenos que hoje são propriedade dos seus netos e meus amigos José João e António José Maia.

João Maia, que era bem corpulento e obeso, passava muito do seu tempo sentado no solo, ou em baixo assento, quase sempre de pernas cruzadas, à sombra de uma frondosa acácia que existia junto de sua residência à beira da estrada que servia os Anafes e frente aos aposentos do Casal onde residia, recordando-me bem que as pessoas passavam e saudavam-no respeitosamente: "Bom dia, patrão Maia!". 

Acontecia então que João Maia com alguma frequência deslocava-se ao Chouto para bebericar e petiscar com os amigos da aldeia, fazendo-o quase sempre de preferência, se a memória não me falha, na taberna de Manuel Polidoro, onde hoje temos o Café Costa.

Chamava o boieiro que conduzia a viatura a pé na frente da junta de bois até ao Chouto pela então pobre estrada de terra que alguns pequenos riachos atravessavam a céu aberto sendo que, no retorno, com a noite a cair e, eventualmente, já com um "grãozinho na asa", o transportava de volta a casa, no seu Anafe do Meio.

Cenas e imagens antigas do meu Chouto. Desse Chouto que me viu nascer, me criou e apaixonou e que, quando me chegam, como esta de agora, expressiva e patusca, mais me aviva a memória de saudosas vivências passadas e nunca esquecidas…

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

IA EMBORA?... "É PROVÁVEL...” - DISSE A DOUTORA.


ONDE SE RECORDA A “RECAUCHUTAGEM” FEITA HÁ UM ANO


E então, no dia em que se completa exactamente um ano sobre a data em que, com evidente êxito, fui operado à minha pecinha das iscas, naquilo a que na ocasião chamei de “recauchutagem do fígado” começo a minha crónica de recordação sobre esse complicado momento da minha vida pessoal, trazendo aqui um pequeno retalho da também pequena conversa que há três dias tive com a médica que, tendo feito parte da equipa de cirurgiões que procederam à melindrosa cirurgia, tem tido a gentileza e sabedoria de me vir acompanhando com toda a atenção durante esse tempo decorrido.

Na falta do exame (TAC) por ela requisitado há 3 meses e ainda não realizado pelos serviços radiológicos do hospital público que a senhora doutora prefere em detrimento dos privados, perguntou-me:

- Mas sente-se bem, não sente?

Ao que lhe respondi:

- Eu sinto, senhora drª, mas costumo dizer, quando isso me perguntam, que também há um ano me sentia bem e… fui operado… Mas, não obstante e permita que lhe acrescente que, passado este tempo decorrido penso que se não me tivessem feito a cirurgia, já cá não andava...

Ao que a doutora, bem sabedora da realidade, respondeu de pronto:

- É provável!…

“É provável”, opinou a senhora e, convenhamos, ela bem saberá – e bem melhor que eu!… - porque assim pensa…

E é com esta convicção que é quase certeza que parto para mais um ano de vida pós operatório... O passado, apesar de tudo não foi mau de todo. Não foi, não.

Mas não desejaria ver repetidos aqueles momentos pós operação em que o mais complicado foi o internamento nos Serviços Intermédios com uns danados 5 dias e meio que pareciam não ter fim. Depois, na enfermaria e não obstante os contratempos surgidos, já foram bem menos aborrecidos. Agora, nos Serviços Intermédios? Não desejo a ninguém de tão chatos e mais que aborrecidos.

E é mesmo desse tempo que ali passei que hoje aqui documento com duas fotos tiradas pelo Nuno, meu filho, no 5º dia pós cirurgia. A 1ª foi a permanente vista que tive deitado na cama durante esse período. Um aparelho aos pés da cama, que muitas vezes apitava chato para caramba, bem como muitos outros pela sala fora e que enchiam os ouvidos noite e dia de pi,pi, pi e também um danado de um relógio de parede, ao fundo, para cujos ponteiros olhei milhares de vezes e os desgraçados não se mexiam…


A outro foto, também do mesmo dia tirada sem que eu me apercebesse, já surge aí o rapazinho, algo recostado, ingerindo creio que uma maçã cozida e ainda meio ligado a máquinas. De aspecto muito pouco recomendável mas… vivinho

Enfim, dias difíceis, quando não mesmo complicados mas que, com a minha velha calma fui suportando sem esforço de maior mas que, todavia, como é lógico, não desejo ver repetidos.

Veremos o que vai seguir-se e, continuando a contar os dias e os meses, espero por cá  permanecer mais um tempinho já que, por aqui é que se está bem.

E, se há outra vida melhor no além, como acreditam os crentes, eu não tenho essa convicção até porque, como sabemos, ainda nenhum dos que partiram retornou para contar como é a coisa por lá...

sábado, 10 de novembro de 2018

MINHA PESQUINHA DE TRALHA ARRUMADA


Depois de um ano de pesquinha totalmente atípico ou, até melhor dizendo, absolutamente inédito, em que não ferrei eficazmente um único “peixe de nome”, como diria o saudoso Carvalho, belo companheiro destas lides em tempos que lá vão e perante o mau tempo que desde há dias e que hoje principalmente se fez sentir, decidi arrumar a tralha por este ano. 

Por este ano acabou. A não ser que ainda surja atrasado o chamado “Verão de S. Martinho” e me desafie a dar mais um saltinho ao Alentejo para sustentar o vício…

Mas foi um ano desastroso na minha pesquinha e para isso muito contribuiu a grande seca de 2017 que fez com que muitas das pequenas represas e charcas secassem totalmente e, como já lá vai o tempo em que, sem as propriedades vedadas e fechadas, andavamos Alentejo fora de umas herdades para outras em busca das barragens que melhor dessem achigãs, o insucesso deste ano era inevitável.

Mas, em boa verdade, no meu caso pessoal, que tenho um dedicado amigo que me permite a pesca, facultando-me amavelmente a chave do cadeado da cerca na zona das duas represas, a circunstância de todas as propriedades agora estarem fechadas, esse problema poderia bem ser ultrapassado não fora ter ocorrido a secagem de uma das represas em 2017 e, a outra, em que esse inconveniente não aconteceu, julgo, penso que foi vitima da fome de Corvos Marinhos e Lontras que, devido à escassez de alimento noutros locais ali resolveram matar a dita, quase devorando todos os peixes que ali existiam em abundância. Anos atrás ferrei ali bons exemplares. Verdade, verdadinha.

Penso isso e, não fosse ter visto uma meia dúzia de achigãs de kg ou mesmo mais e ficaria convencido que aqueles “amigos” não tinham deixado um peixinho que fosse. Mas, não foi o caso e não tenho dúvidas que tem bons exemplares, embora poucos ou talvez mesmo muito poucos… No próximo ano se verá…

Só um! Só um bom achigã consegui ferrar numa manhã de Setembro de alguma neblina e de aragem fresca, estando o “menino” num pequeno recanto da barragem, com talvez meio metro de altura de água. Ferrei-o, corriquei e trouxe-o ainda a 3,4 metros de mim mas vinha mal ferrado e, com um salto fora de água, soltou-se para minha grande desolação. Foi bonito ver o bicho a saltar fora de água mas foi mais que mau o danado ter-me mandado ir dar uma volta… E, bem mandado, voltarei no próximo ano, com ele então mais grandão…


Pescador viciado é assim. Tem sempre paciência e esperança que... amanhã é que é… Eh! Eh!

Então, não ferrando peixes, num ou outro momento fui aproveitando para tirar fotos dos mais bonitos recantos da barragem e deixo aí uma delas onde surgem algumas das simpáticas vacas da manada de uma centena, minhas mansas companheiras de todos os dias e, também devo confessar, nunca me esqueci de dar um saltinho ao restaurante Paraíso da Mata, junto ao Lavre, onde o já velho amigo Fernando sempre me delicia com a sua boa comida de que destaco aqui, como exemplo, o super-gostoso Ensopado de Borrego, sempre espectacular de apresentação e sabor! Uma maravilha, mas também, com outros bons petiscos, responsáveis pelas ex-peles no rosto e não só, resultantes da cirurgia e da dieta, terem-se… eclipsado...  Eh! Eh!

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

CHEGARAM OS 74 E... UMA PRENDA BEM ORIGINAL!


E… é sempre a somar, chegando hoje aos 74!…

E dizia eu, quanto era criança e tinha 60 e poucos, que eles já pesavam… Tá bem, tá!… E agora?...

Bom, mas cá vou contando um a um , chegando à conclusão que a “recauchutagem” feita à figadeira há um ano atrás - fará dia 15 -, resultou em mais um aninho mais ou menos confortável. Não fora ela e talvez já cá não estivesse…

O dia foi o tradicional nesta data com a vinda desde a Beira Alta – agora danada de fria! - e depois o jantar com a família mais chegada na adoptiva Amadora. 

Mas, sem avançar mais quero desde já confessar quanto senti o frio nas terras beirãs. Depois da operação, por isso ou pela idade que avançou mais um anito, sinto muito mais frio do que sentia antes da cirurgia. E também no Verão não sofri tanto do calor como era habitual. Na próxima consulta com a doutora da equipa que me operou quero perguntar-lhe se esta sensação  tem razão de ser.

Mas voltando então à comemoração do aniversário ela serviu para alguns de nós nos deliciarmos com uma excelente e fresquíssima cabeça de garoupa cozida e, antes disso, tive uma prenda que apreciei muitíssimo pela originalidade e carinho com que foi idealizada e construída e de que aqui deixo uma imagem.

Ideia da minha nora, trabalho do meu filho e oferta do meu neto, encheu-me as medidas! Francamente!

Eu, tempos atrás, a pedido do Nuno, sem me dizer para quê, deixei-me fotografar com uma espécie de caixilho nas mãos e estava a léguas de imaginar tamanha criatividade! 

Gostei muito! Como julgo ser lógico.

Deixo aí a foto bem como uma já tradicional com o Rafael, que vai crescendo dia a dia e agora resta-me pedir e aguardar que venha mais um aninho se possível sem problemas de maior porque, convenhamos, já chega o que chega.

E assim, agora aguardando que de um  em um ano a licença se vá renovando para minha satisfação e certamente dos muitos familiares e amigos que me cercam e estimam, no que me dão muito prazer e gratidão!

E pedir o alongar da licença por mais um ano de cada vez não é pedir muito, né?

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

O DESCONTRAÍDO MARCELO


De visita à queimada e martirizada Beira Alta fez agora um ano e levado pelo Presidente da Câmara da cidade, Marcelo foi almoçar dias atrás num excelente restaurante da zona onde, aqui para nós que ninguém nos ouve, devo confessar que este rapazinho há dezenas de anos é cliente porque ali sempre é muito bem tratado e cujo nome não divulga por razões óbvias e Marcelo foi mais uma vez e como sempre nos tem habituado, desconcertante…

Mal tendo entrado no restaurante, buscou com a vista a localização da cozinha e, descoberta ela, avançou sozinho por ali dentro onde deu com umas quantas travessas atulhadas de bons acepipes e, de imediato escolheu as… pataniscas de bacalhau onde logo botou a mão. 

Sendo pequenas miniaturas das ditas, tinha que ingerir umas quantas para melhor se aperceber da qualidade do produto, enquanto a atónita e surpreendida ajudante de cozinheira, de olhos esbugalhados com a cena que os seus olhos viam e sem reconhecer minimamente o intruso, corre para uma dependência contígua onde a cozinheira Dª Fernanda (nome fictício) temperava os cabritos para irem ao forno.

- Dª Fernanda, Dª Fernanda, entrou ali um homem pela cozinha dentro e está a comer as pataniscas!

Dª Fernanda larga de imediato o cabrito e os temperos e, apressada, avança para a cozinha preparada para desancar o intruso sujeito quando, transposto o vão da porta, dá de caras com o... Presidente da República de volta da travessa das suas pataniscas de bacalhau, acabadinhas de fritar…

Imagine-se como ficou a ver ali, em carne e osso na sua cozinha, o descontraído seu Presidente a mastigar e saborear os seus sempre bons acepipes... Imagine-se a cena e calcule-se o espanto da senhora!…

Mais uma de Marcelo!

Marcelo, sempre a surpreender-nos.

Desconcertante, este Marcelo!... 

NOTA FINAL - A situação descrita foi-me narrada pelo proprietário do restaurante, esposo da cozinheira.

(Foto retirada da net)

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

QUE O PEDRO DESCANSE EM PAZ!


Ter uma amiga vinda desde os tempos da juventude de ambos, que já não via há mais de 50 anos e que não reconheceria se não fosse referenciada por outrem e esse reencontro ocorrer por via da solidariedade e conforto de acompanhamento natural na dramática hora em que vê o seu filho, de 41 anos, vitima de um brutal acidente de viação ser cremado, é situação dramática, complicada e tristemente sentida hoje...

A Raquel, amiga de longa data, dolorosa e dramaticamente fica sem o seu adorado filho e, destroçada por tão brutal ocorrência, está profundamente abalada sendo que também o seu marido Matias não o está menos, embora me parecesse mais calmo e menos expressivo, certamente interiorizando tão dura provação.

Fui dar-lhes um sentido abraço e, embora com as palavras de circunstância, mil vezes repetidas por todos os muito amigos presentes, sendo elas as habituais, as sempre costumadas condolências e o incentivo à coragem e ao ânimo, no meu caso elas saíram franca e dolorosamente do meu coração, dos meus sentimentos, do meu ser.

Uma mãe e um pai verem partir um filho querido, robusto e saudável, deixando-os a eles, à esposa e a uma pequenina filha, sendo vitima indefesa da má conduta e excesso de velocidade de outrem, leviano, irresponsável e até mesmo criminoso, é muito, muito triste e profundamente revoltante.

Não há palavras para tamanha dor, sendo provação que ninguém deseja viver.

A vida, para quem fica continua, é verdade, mas nunca mais é a mesma...

Que a Raquel, o marido, a agora viúva e afinal também a pequena criancinha e os seus familiares, arranjem alento para se reerguerem da enorme dor que ora sentem!

Ao Pedro, que não conhecia pessoalmente mas que, sendo filho de quem era, só poderia ser uma excelente pessoa, os meus desejos e a minha esperança que descanse em paz!

terça-feira, 23 de outubro de 2018

A MINHA PESQUINHA, JOÃO BASUGA E JOSÉ SARAMAGO


ONDE SE FALA DE UMA OPORTUNIDADE PERDIDA...


Na época, nos anos das décadas 80 e 90 do século passado, eu pescava em pequenas represas de terras alentejanas com mais dois companheiros e tínhamos por hábito, depois de “animar” o estômago por volta do meio dia debaixo de uma azinheira, pinheiro ou sobreiro com a bucha que levávamos de casa, ou quando era mesmo confeccionada no local – e estou a lembrar-me de uma vez, ali para as bandas de Aviz, perto do Maranhão, de um bom bocado de alto toucinho assado nas brasas que o “velho Carvalho”, deixando a pesca um pouco mais cedo, já estava preparando debaixo de um frondosa azinheira quando ali cheguei e me deliciei com um suculento pedaço do dito toucinho assado, entalado numa boa fatia de fresco e alentejano pão que havíamos comprado à saída do forno numa padaria em Mora mal o dia nascia – tínhamos então por hábito, após a refeição, deslocarmo-nos à localidade mais perto para tomarmos café e ficar por ali mais um pouco aproveitando o fresco da casa e refrescando-nos com umas cervejinhas, protegendo-nos desta forma do imenso calor alentejano, tanto mais que os achigãs, com o Sol a pique, costumavam ficar inactivos.

Faziamos habitualmente sempre assim e isso acontecia tanto em Aviz, como em Pavia, Vimieiro ou Lavre.

E é exactamente sobre a nossa ida a esta última povoação que pretendo falar na minha crónica de hoje.

Frequentavamos habitualmente o “Café da Mariana” na rua principal da localidade, que liga a Estrada Nacional ao largo do Coreto e onde fica a Cooperativa, o posto da GNR, os correios e até a farmácia.

Era uma casa de duas salas de ambiente acolhedor e frequência simpática, encontrando ali quase sempre, invariavelmente, as mesma caras. Homens do campo, com alguma idade e por isso já reformados e livres da anterior árdua luta do trabalho rural.


Foi no “Café da Mariana” que conheci o homem de luto carregado, cuja imagem deixo aí acompanhado de uma sua filha, em foto que há dias teve a gentileza de me facultar 

De figura bem encorpada, vestindo luto da cabeça aos pés, de cara séria e voz pausada e ponderada com fisionomia e expressão algo triste que fazia adivinhar que algo de muito grave lhe havia ocorrido na vida… E, de facto, assim acontecera… Trágica e bruscamente, de acidente de viação, morrera-lhe um filho de pouco mais de 20 anos, um filho porque ansiara na idade fértil desde a 1ª à 6ª gravidez da esposa de que resultaram sempre meninas e que só surgiu ao 7º parto, podendo avaliar-se a alegria sentida na feliz ocasião. O sr. João – assim me disse que se chamava e assim era tratado – aspirava ter um filho e ele aconteceria à 7ª tentativa! Finalmente!…

Pode pois imaginar-se a dor sentida com a sua brusca partida… Pode pois sentir-se a sua imensa dor… Dor que o fez carregar o luto intenso desde essa triste hora até ao fim dos seus dias. Sentia-se na voz, na fisionomia e na postura do sr. João a dor que carregava. E é curioso como, de entre os diversos frequentadores do café, tendo praticamente sempre as mesmas caras por companhia, passados todos estes anos só me lembrar da do sr. João. Só a sua figura, a sua fisionomia, a sua voz, as sua postura, me ficou na memória.

As conversas que tivemos nas diversas vezes que nos encontramos eram ligeiras, despretensiosas e versavam situações do dia a dia das nossas vidas. O sr. João, para além da sua situação de reformado, falou-me do seu jeito e prazer em trabalhar a cortiça em artesanato e adquiri-lhe mesmo um conjunto de cochos, bem como um chapéu muito bonito e bem feito, peças que ainda hoje guardo numa parede da adega e de que aqui deixo foto e que, ao vê-los, sempre me faz recuar até aquela época, às pescarias, os bons momentos vividos e às agradáveis conversas tidas com o sr. João, no Lavre.

E, Lavre foi a localidade onde José Saramago se instalou para ali conhecer a realidade político-económico-social do Alentejo, dos latifúndios e dos trabalhadores rurais antes do 25 de Abril, com o seu sofrimento, as suas lutas e afinal as suas vidas para, a partir desses conhecimentos e dessa experiência e vivência, escrever Levantado do Chão, romance fundamental, trave principal na sua obra, no dizer dos entendidos, que lhe valeu o Nobel de Literatura.

Mas volto à minha pesquinha dizendo que, a partir de determinada data se alterou porque deixei de pescar com os anteriores companheiros, tanto mais que um, o velho amigo Carvalho, haveria de ver chegar a sua hora de partir deste mundo e passei a fazê-la sozinho numa herdade igualmente junto a Lavre, cujo proprietário fez o favor de ali me deixar praticar o meu desporto favorito.

E é de uma conversa com o Encarregado da propriedade, com quem falava amiudadas vezes, que dou início ao final desta minha crónica, dando conta do enorme espanto sentido com uma revelação vinda desse meu interlocutor.

Eu tinha acompanhado nos jornais e na net uma polémica em que entravam pessoas de Lavre, resultante da exclusão das edições seguintes de uma dedicatória a várias pessoas da localidade incluida por Saramago na 1ª edição de Levantado do Chão em que, segundo o escritor dizia expressamente “sem eles não teria sido escrito este livro”, confissão que era antecedida da referência a diversos seus amigos da povoação, onde escrevia: “À Isabel, sempre (alusão a Isabel da Nóbrega, sua 1ª esposa). A João Domingos Serra e João Basuga, e também a Mariana Basuga, Elvira Basuga, Herculano António Redondo, António Joaquim Cabecinha,” etc, etc e, terminava então: “sem eles não teria sido escrito este livro.”. Era desta polémica nascida da inclusão da dedicatória na 1ª edição do livro e na sua exclusão nas edições seguintes que conversava com Pedro Rita, o Encarregado da Herdade quando ele, subitamente e para meu enorme espanto, me diz: 

- Pois, e esse sr. João, com quem o amigo falava no “Café da Mariana” e que entretanto já faleceu, era exactamente o João Basuga, da dedicatória do livro.

Eu abri a boca de espanto, assim como de quem não está a ouvir bem e, incrédulo, perguntei:

- Hem? O quê? O sr. João, era o João Basuga?

- Sim! - responde-me o amigo Pedro e acrescenta, para ainda meu maior espanto:

- Foi ele que, com a sua família, deram hospedagem a José Saramago enquanto ele por aqui esteve.

Eu não queria acreditar. Não queria, não... Tinha estado e conversado diversas vezes com o homem que hospedou durante meses Saramago e, falando então de coisas ligeiras, tinha perdido a grande oportunidade de mais saber sobre a pessoa e a personalidade do nosso único Nobel... Logo dele que, num outro seu escrito que por aí encontrei, confessava que “João Basuga é um amigo do coração!”.

Um “amigo do coração” de José Saramago e eu nada conversei com ele sobre o escritor...

E a verdade é que não me perdoo por esta oportunidade perdida se bem que na realidade eu jamais pudesse imaginar que estava na presença de alguém que tão útil e importante fora a Saramago para que vencesse o 1º Prémio Nobel de Literatura português.

Quanta pena sinto hoje!...

Que João Basuga para sempre descanse em paz!

NOTA FINAL – Fica aqui a minha surpresa e o meu lamento por, nas recentes comemorações ocorridas em Lisboa (onde Saramago viveu) e Azinhaga (onde nasceu e brincou nos primeiros anos de criança) presididas pelo Presidente da República e pelo Primeiro-Ministro, assinalando a passagem do 20º aniversário da atribuição do Prémio Nobel a José Saramago, tenham esquecido Lavre, João Basuga e demais gente que tanto o acarinhou e lhe deu os muitos e valiosos conhecimentos que serviram de precioso e único alicerce à sua premiada obra Levantado do Chão. Lavre e suas gentes foram esquecidas e não mereciam.

sábado, 20 de outubro de 2018

SALGADEIRA - O "FRIGORÍFICO" DE ENTÃO...


A Salgadeira, o "frigorífico" dos nossos antepassados e certamente também ainda do nosso tempo de crianças no meu velhinho Chouto natal, sem luz electrica e por isso sem os modernos e eficientes frigoríficos que hoje nos são tão familiares e imprescindíveis.

Todavia, quanto saborosa era a carne saída da Salgadeira, de peças das diversas partes do porquinho que nossos pais então alimentavam e faziam crescer dia a dia, não com farinhas de duvidosa fabricação, mas com os restos da nossas refeições e com as couves, os nabos e demais hortaliças saídas da hortinha cultivada nas parcas horas vagas que o árduo trabalho braçal nos campos, nas searas e nos montes e vales da minha terra permitiam...

No saber de hoje, de quem estudou e conhece, o sal, quando em excesso prejudica a saúde mas, mas a carninha era tão saborosa!... Tão boa!... Tão apetitosa!...

E como os bons anos desse tempo se foram!... E como tudo correu tão rápido!...

E os enchidos, feitinhos no fumeiro da nossa velhinha lareira? Parece que foi ontem que saboreava e me deliciava com a inesquecível morcela de arroz... E a deliciosa farinheira?

E o chouriço? Parece que foi ontem que lanchava o pedaço de pão caseiro acompanhado do impecável e único - único! - chouriço que se fabricava no Chouto e terras vizinhas e que não mais encontro por mais que procure?...

E a Cachola, feita dos rins, do fígado e dos bofes do porquinho acabado de matar, saboreada logo, logo no almoço do dia da matança e também guardada na banha em potes de barro, sendo depois consumida pelo ano adiante?...

Danada de saudade!...

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

HÁ UM ANO, A GRANDE AFLIÇÃO...


Aqui há distância, a 300 kms daquele inferno, foi uma noite em claro de sofrimento e de ansiedade ainda maior por não vermos e sentirmos in-loco tamanho drama e a aflição foi muito, muito grande. E enquanto não nasceu o dia 16 de Outubro e a claridade não surgiu para que os presentes no local pudessem avaliar os estragos e nos transmitissem essas notícias, foi uma angustia imensa.

Felizmente, aparte a destruição pelas chamas de uma casa desabitada e abandonada, nada mais de significativo a aldeia sofreu mas isto graças aos meia dúzia de corajosos rapazes seus habitantes que enfrentaram o perigo e corajosamente conseguiram conter as chamas até à beirinha do povoado, tendo em alguns casos o fogo beijado algumas habitações localizadas nos extremos da aldeia.

Mas não deu para o imenso susto e se nos lembrarmos que ali pertinho, na Serra do Caramulo, talvez a menos de 3 ou 4 kms em linha recta, arderam povoados inteiros e morreram vários dos seus habitantes e, a pouco menos de uma dezena de kms, ardeu quase toda a grande zona industrial de Oliveira de Frades, com prejuízos incalculáveis, temos de sentir um grande alívio pelas menores consequências que sentimos nesta terrível tragédia.

Passado um ano a Natureza já renovou um pouquinho os montes e vales silvestres e os terrenos cultiváveis mas irá demorar dezenas de anos até que tudo volte à beleza natural da zona que antes da tragédia estas terras apresentavam.

Enfim, deixo a foto aqui publicada faz agora um ano tirada de uma povoação vizinha em frente de Crescido com a legenda no Facebook “Crescido a arder” e não me apetece recordar mais tamanha ansiedade, tamanha dor e tamanho sofrimento daquelas horas.

E que tão terrível inferno jamais se repita!...

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

HÁ 51 ANOS, A GUERRA!


Pois é!... Pois é!… Já lá vão 51 anitos que este rapazinho – era mesmo um rapazinho, confesso, não obstante os quase 23 de idade… - foi metido num barco (Paquete Niassa) e enviado para a distante e desconhecida Angola para combater  e tentar não morrer numa guerra sem nexo e sem proveito. Coisas dos homens e suas ganâncias…

Nos últimos anos tem sido meu hábito escrever aqui sobre as emoções sentidas na época e as interpretações conhecidas hoje e, afinal, como as mesmas são iguais às do ano passado vou fazer hoje o então chamado na imprensa de “tesoura e cola” e limito-me a copiar para aqui o já escrito em 2017. O tempo passou mas a emoções e os sentimentos são os mesmos e evito de me repetir.


Que leia quem tiver tempo e… pachorra...


"Não vou dizer, como é habitual, que “parece que foi ontem” porque, na realidade, não parece isso mas, também constatar que já passaram 50 anos sobre a minha partida para a guerra colonial, na verdade também me deixa a pensar como o tempo voa…

Foi no dia 11 de Outubro de 1967 que, embarcando no paquete Niassa, este rapaz, ingénuo e purinho, verdinho, verdinho para enfrentar uma guerra de guerrilha daquelas, avançou com mais uns milhares de outros igualmente ingénuos e impreparados rapazes na flor da idade e que, qual “carne para canhão”, tiveram de deixar pais, irmãos, namoradas e, quando não, noivas, esposas e filhos e, forçados, verem-se envolvidos em problemas tamanhos de sobrevivência radical e… mortal.

No meu caso particular, anjinho e terrivelmente impreparado, não obstante os cursos intensivos recebidos na “recruta” e depois na “especialidade” e depois transmitidos aos soldados aquando da formação do batalhão, embarquei a 11/10 e, dois meses e meio depois, lá bem no “cu de judas”, no distante e inóspito Leste de Angola, já estava a “ouvi-las” num violento ataque ao aquartelamento onde estava instalado chefiando uma curta secção de 10 homens. Valeu-nos os fuzileiros, tropa muito especializada e experiente que igualmente ali estava instalada por nos encontramos muito junto ao Rio Zambeze que eles patrulhavam muito assiduamente.

No dia 25 de Dezembro, dia de Natal, pelas 20 horas, já noite serrada, vinha a pé para as nossas instalações na companhia de um fuzileiro desde a mercearia de um branco ali estabelecido, onde tínhamos bebido umas cervejinhas quando, subitamente, o ataque foi desencadeado ali a 20, 30 metros de nós. As primeiras vinham terrivelmente ajustadas e só não nos atingiram por enorme sorte. Mas o fuzo ficou apenas com o gargalo da garrafa de bagaço que trazia na mão… Eu não fui molestado felizmente e, depois das primeiras balas bem ajustadas e como eram tracejantes, lembro-me bem de as ver passar por cima em grande quantidade que nem estrelas cadentes…

Depois, bem, depois foram mais dois anos de sacrifícios, sustos medos, fome e sede – onde não faltou outro ataque inimigo, igualmente sem consequências de maior naquelas terras, naqueles mundos que nada nos diziam e que nos eram tão adversos.

Mas felizmente regressei inteirinho e, como bem sabemos, muitos milhares de jovens, como eu forçados a lutarem e a defenderem as suas vidas, não tiveram essa sorte e perderam o melhor deles próprios, as suas jovens e promissoras vidas.

E, face ao posteriormente ocorrido, não podemos deixar de nos interrogar: e para quê? 

Para quê?..."

(Deixo as imagens do local onde sofri o “baptismo de fogo”, mapa de parte de Angola onde se vê a localização de Chilombo, pequeno lugarejo onde se deu a ocorrência e um rascunho do Relatório do ataque que fiz ao Comando.)