sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

VELHOS NACOS DO MEU CHOUTO ANTIGO (4)


 A PROCISSÃO DE 1969

Volto hoje ao que venho designando de “nacos”, relativos a pequenos trechos de velhas correspondências endereçadas pelo meu falecido pai quando cumpria a guerra de Angola, período em que me escrevia com muita frequência, dando-me conta das diversas ocorrências no meu Chouto natal, sendo que muitas vezes com todos os detalhes e pormenores de que então gostava e que agora acho verdadeiramente deliciosos.

Os nascimentos e as mortes, os casamentos, baptizados, os namoricos que iam surgindo e até os “saltos de cancela” de um ou outra e seus envolvimentos, as festas, os acidentes e também a sua labuta diária não só para dela retirar proveitos (criar bandos de frangos, porcos, vitelas e até chinchilas) como também ainda fazia questão de muito construir e embelezar para que, quando o filho chegasse, encontrasse tudo mais bonito e mais alegre. Dizia então, escrevendo por vezes mais de uma vez por semana, que queria estar sempre a trabalhar porque assim lhe parecia que o tempo da minha ausência de 2 anos na guerra lhe parecia correr mais depressa…


No “naco” que hoje aqui trago e que data de 19 de Maio de 1969, José Azevedo narra a realização de uma procissão na aldeia com um detalhe bem curioso onde conta como o cortejo atravessou uma ribeira sem ponte e onde também não falta a referência aos nomes dos crentes que transportaram o andor. Muito interessante, para o meu gosto, que adoro estas coisas!…

Pensando que pode haver alguma dificuldade na leitura da escrita deixo a sua “tradução”, com a promessa que logo que veja motivo voltarei aqui com mais patuscos “nacos”.


“Fez-se ontem às 10 da noite uma procissão com a imagem de Nossa Senhora. Deu-se a volta que sempre se deu noutros tempos: rua da escola até ao alcatrão, depois voltou-se para a nossa rua, à porta do Daniel meteu-se no alcatrão direito ao ribeiro, depois rua do chafariz até à igreja novamente. Correu bem, muita gente e tudo sossegado, o pior foi o vento que nunca deixou acender as velas. Tudo às escuras. Lá no ribeiro a ponte está toda partida mas o padre Zé foi lá um bocado antes, acarretou tijolo de obras que andam lá perto, pôs dentro do ribeiro uns em cima dos outros, como era tijolo furado a água passava pelos buracos e a procissão passou por cima, depois foi ainda com os rapazes tirar o tijolo e pôr onde o tinha ido buscar. Uma vergonha para a Junta de Freguesia. Depois fez pregação que gostei de ouvir. Transportou o andor: João da Cruz, Vasco, Nelson e Manuel João Sebastião.”

domingo, 19 de janeiro de 2020

UMA VELHA FOTO E UM DETALHE...


Chegou há dias ao meu Grupo da net CHOUTO – NOSSA TERRA, NOSSA GENTE uma velha fotografia que aqui deixo e que nos mostra os rapazes da minha freguesia aquando da sua Inspecção Militar – as “sortes”, como então se dizia – em Julho de 1961.

Olho para ela, reconheço um ou outro velho amigo de juventude, sendo que uns quantos já não pertencem ao número dos vivos e reparo num detalhe, num pequeno detalhe que para muitos talvez passe despercebido mas que, todavia, a mim, parece-me curioso se não mesmo importante, dado que por ele poderemos entender melhor os tempos político/sociais que vivíamos naquela época.

Estávamos politicamente em pleno chamado Estado Novo sob o comando de Salazar que, governando o país com pulso de ferro, tudo controlava e dirigia, impondo nomeadamente uma apertada censura aos meios de comunicação social e, controlando ideologicamente tudo sob a batuta de António Ferro, seu homem de confiança, orientava a comunicação no sentido da ideologia salazarista.

Mas, subitamente - ou talvez não… -, em 1961 desencadeia-se a guerra em Angola, tudo começa a mudar e o chamado Império Português vê iniciar-se o seu desmoronamento.

Era a revolta, era a cobiça de outras nações mais poderosas, era a guerrilha e todos sabemos que não há na história dos povos uma guerrilha que tenha perdido uma guerra...

Salazar sabia isso. Salazar sentia isso mesmo e tentou mobilizar e doutrinar os portugueses para a situação na esperança de assim conseguir um apoio popular que lhe permitisse controlar e aguentar a guerra na retaguarda no maior espaço de tempo possível com as suas inevitáveis consequências sócio/económicas.

Como primeira medida decretou Luto Nacional durante vários dias e proibiu festas e bailes de Carnaval em Fevereiro de 62 e bem me recordo de na minha freguesia todos os bailes serem cancelados.

E, como o Luto era Nacional e o povo assim o entendia e cumpria a rigor, veja-se como nesta foto os mancebos, no dia da sua Inspecção Militar, vestidos a rigor, como era então usual, todos apresentavam, em sinal de respeito, “fumos” pretos nas bandas dos seus casacos em sinal de luto.

Era assim na época.

Foi assim durante décadas.

NOTA FINAL – A referência aos “fumos” e à sua razão de ser é feita por dedução pessoal, baseada no conhecimento da realidade então vivida e sentida e, por isso, susceptível de erro de interpretação..