quinta-feira, 29 de março de 2018

CRISE MUNDIAL - PARA ONDE VAMOS?


Preocupado com a situação política mundial resultante desta surpreendente expulsão de embaixadores russos de dezenas de países, interrogo-me: Para onde vamos?

Como retaliação será inevitável a resposta russa com a expulsão de outras dezenas de embaixadores dos países ocidentais, ficando a expectativa de vermos, depois das mútuas expulsões o que se seguirá?...

Sabemos como tudo começou mas não sabemos como terminará. E a coisa pode ser grave. Muito grave!

Tenho opinião sobre o assunto que naturalmente não vale nada e por isso não a exponho mas confesso que ando preocupado. Muito preocupado! 

Acho que, podendo ou não ser certo que foram os russos que envenenaram o ex-espião e a filha, não há provas disso e, não havendo essas provas, independentemente de acreditarmos ou não que foi a mando de Putin que o crime aconteceu, parece desajustado e incompreensível toda esta escalada de expulsões feitas pelo Ocidente. A não ser que os países que tomaram essas decisões estejam na posse de dados que não são do conhecimento público… Mas, se os possuem, também não se entende porque não os expõem…

A velha história das suspeições sobre a existência das armas químicas no Iraque ainda nos está bem na memória...

A verdade é que esta escalada não me cheira bem. Não cheira não.

Acho mesmo que é muito perigosa. Perigosa e preocupante…

Para onde vamos?

segunda-feira, 26 de março de 2018

NOS 47 ANOS DA MORTE DE MARIA ANGELINA


Completam-se brevemente 47 anos sobre a data (27/4/1971) em que faleceu em Lisboa a velha professora primária de muitos de nós no Chouto, Maria Angelina Saraiva Junqueiro, sendo que a notícia só foi conhecida na nossa aldeia alguns dias depois, mais exactamente a 1/5 seguinte.
 
Mestre-escola na nossa terra durante 26 anos ficou conhecida e recordada por todos nós e para todo o sempre pela muita agressividade que usava na sua forma de ensinar, agressividade que não se rogava de exercer sobre muitos e muitos alunos, chegando ao ponto de lhes bater na própria via pública, quando os alunos assustados lhe fugiam das mãos na sala de aula...

Réguadas nas duas mãos em simultâneo, pancadas na cabeça com “canas da índia”, chapadas e fortes puxões de orelhas, eram o método de ensino preferido da senhora (conta-me um velho amigo hoje morador na Vala do Carregado: “A mim arrancou-me as orelhas!”). Ensino e aprendizagem exercidos pelo medo e pelo pavor, sem dúvida.

A professora Maria Angelina residia com a criada Maria numa parte da então velha Escola Primária local e, porque de semelhanças físicas muito idênticas (pequenas e volumosas)  e sendo quase sempre inseparáveis quando saiam à rua, faziam uma parelha deveras patusca que muitos de certo ainda guardarão na memória.

Na falta de melhor registo fotográfico da velha senhora, deixo uma foto em que Maria Angelina surge sem cabeça – vá lá saber-se porquê?... - mas onde se vislumbra bem o seu avantajado porte físico e ainda uma outra que há anos tirei da casa de sua família em Freixo de Espada à Cinta, onde Maria Angelina nasceu e foi criada até à idade adulta e onde não mais voltou, expulsa que foi pelo pai (um velho e austero sargento reformado da antiga Legião Portuguesa do regime de Salazar), depois da jovem e recém-formada professora primária, de férias na casa paterna, ter posto fim ao casamento de sua irmã…

E por aqui me fico…

sexta-feira, 16 de março de 2018

GUERRA COLONIAL - OS PORCOS BASTIDORES


Na regular visita que costumo fazer à papelaria/tabacaria aqui do bairro – um estabelecimento sempre muito bem abastecido e actualizado, diga-se de passagem… - comprei ontem o número de Fevereiro da revista Visão/História. O assunto anunciado na capa – As Guerras Secretas de Portugal em África – chamou-me a atenção porque, sendo parte activa, ainda que forçada, na Guerra de Angola, tudo que leio, vejo e ouço na comunicação social provoca-me curiosidade e interesse. Mas estava longe de imaginar que o interesse por este número da revista fosse tanto quanto o sentido…

Na verdade e integrado nesse âmbito das “guerras secretas” é ali abordado o caso do Catanga, do ex-Congo Belga, que lutou pela sua independência do resto do território congolês e que Portugal apoiou. Que Portugal apoiou e onde eu, então integrado nas forças armadas em campanha no leste angolano, também colaborei sem querer…

Era no Congo que os guerrilheiros que lutavam pela independência de Angola tinham a maioria das suas bases e era daquele território que faziam as suas infiltrações a norte da então colónia portuguesa. Pela zona do Catanga alargavam a sua entrada mais para leste e Salazar, certamente com a batuta do experiente Franco Nogueira, seu Ministro dos Negócios Estrangeiros, viu na altura uma boa oportunidade de negociar com Tshombé, chefe dos rebeldes catangueses, um acordo de bastidores: Portugal fornecia-lhe armamento, viaturas e até aviões e dava formação ao exército de Tshombé e, este, por sua vez, impedia a manutenção das bases do MPLA e corria com eles, evitando assim a sua entrada na fronteira com Angola. E foi assim, ainda que em muito pequeno grau, nesta “jogatana” que eu colaborei…

Na data estava com o meu pelotão sediado no Cazombo, no mapa junto, publicado pela revista, ali à direita no quadrado que sai do território angolano e em determinada altura durante o ano de 1967, recebemos a ordem de serviço para irmos à fronteira com o Catanga buscar três carradas de “sacos de carvão”. Assim mesmo: “sacos de carvão” era o que “rezava” a escrita de código, não fosse sermos capturados ou liquidados e o inimigo ficasse com provas escritas da actividade subterrânea das tropas portuguesas. Isto porque as carradas referidas eram, nem mais nem menos que algumas centenas de catangueses fiéis a Tshombé que entravam em Angola para, supostamente, receberem formação das nossas tropas.

E digo supostamente porque, em boa verdade, a sua formação acabava por ser-nos útil porque os desgraçados acabavam por ser integrados nas nossas operações e, mais grave ainda, eram colocados bem na frente das nossas forças, servindo assim como “rebenta minas”, “escudos” ou “carne para canhão”. Até me recordo que, numa dessas operações e face a um ataque violento do MPLA, um dos pobres catangueses sentiu algo nas “partes baixas”, apalpou e… ficou com os tomates nas mãos… E, certamente, era uma vez um pobre e enganado catanguês….

Mas voltemos à viagem dos “sacos de carvão”: a mesma foi feita numa noite de muita chuva, connosco nos unimog encolhidos debaixo das fracas capas supostamente impermeáveis (chegamos molhadinhos até aos ossos!) e os cataguenses na caixa de carga das camionetas, que nem gado, com um oleado por cima preso aos taipais.

Viagem horrível e arriscada, de mais de 100 kms mas que, fora a molha e o cansaço, correu bem, tendo a nossa missão terminado na Gafaria, junto ao Cazombo, numa antiga leprosaria constituída por alguns pavilhões, onde a nossa “carga” ficou depositada. 

Guardo ainda bem viva na memória a cena daqueles desgraçados de “cabos de enxada” em madeira ao ombro que nem espingardas, num marchar cadenciado por vozes em francês em paço rápido e miudinho, devidamente enquadrados. Mal sabiam eles o que os esperava…

Efectivamente eles não formariam exército algum para lutarem pelo Catanga… Como já disse, recebidos alguns ensinamentos, eram depois colocados na frente das nossas operações que nem “carne para canhão” e por lá muitos ficaram, mortos uns aqui, outros acolá. Então, quando se apercebiam disso, vendo onde tinham caído, só lhes restava um caminho: fugir.

Era o que os “nossos” catangueses faziam: fugiam! Um hoje, amanhã mais uns quantos e era nessa ocasião que a nossa famosa PIDE, a cuja guarda eles estavam confiados, actuava. Actuava e de que maneira?!... Radical! Como sempre a PIDE foi.

Uma bela tarde no quartel, no nosso grupo de furrieis, começou a circular “à boca pequena” um convite para ir assistir à liquidação de catangueses. Isso mesmo: liquidação! Era assim: os cantangueses tentavam fugir, eram apanhados pela PIDE que os levava para a sua prisão nas suas instalações e, de tempos a tempos, os pides faziam a “limpeza”. E, pelo menos naquela vez, com assistência formada por convites… Triste, horrível, mas verdadeiro.

Devo confessar que não fui à “sessão” dessa noite – entendi que não gostaria de ver… e foi de noite, claro, que a escuridão muito encobre, mas tive dois amigos furriéis que foram. Foram e depois contaram-me como se passou... (Não deixo aqui a identidade dos amigos por motivos óbvios…) Ambos viram, por exemplo, que os desgraçados dos condenados não saíram pelo seu pé da sede da PIDE para a viatura que os levaria à morte… Não saíram pelo seu pé, saíram a rebolar empurrados pelos violentos pontapés dos pides… 

Um dos meus amigos ficou na viatura porque não teve coragem para assistir à matança mas, durante o percurso conseguiu chegar à fala com um infeliz que lhe disse em francês: “sei que vou morrer mas gostava de saber porquê?...”. O meu amigo não soube responder-lhe, claro…

O outro furriel, também meu amigo, viu tudo, tudo. Viu tudo e isso custou-lhe várias noites sem dormir, com aquelas imagens sempre na sua frente… Viu-os serem vendados, levarem tiros de G3 na cabeça e caírem na cova. Assim mesmo: à “queima-roupa”. Sensível como era e é, não descansou durante noites a fio, este amigo. E o caso não era para menos…
Eu não fui e estou satisfeito por isso. Ver horrores daqueles não é para todos os estômagos…

E eis aqui como, forçadamente, entrei nesta dura geringonça dos meandros baixos e porcos da política e dos políticos mundiais.

E, agora, passados todos estes anos, perdidas que foram imensas vidas, feridos que ficaram muitos outros milhares, “corridos” que foram pobres e abandonados mais uns bons milhares ali radicados e perdida que foi a então dita “província ultramarina” de Angola que se tornou independente e onde novas guerras e novos horrores nasceram – em Angola e não só!… -, interrogamo-nos: tudo isto, para quê?

Para quê?

Fica a interrogação…

segunda-feira, 5 de março de 2018

NAS CURVAS DA VIDA, UM SURREAL RESSENTIMENTO


Como umas dezenas de outros acompanhantes aguardo no adro da igreja da pequena aldeia o término das cerimónias religiosas no interior do templo, antes de seguirmos em cortejo fúnebre rumo ao cemitério local levando à sua última morada um falecido e dedicado velho amigo quando, subitamente, sou abordado por um outro acompanhante do triste evento que, cumprimentando-me me diz:
- Boa tarde! O senhor não me conhece, eu já lhe vou dizer quem sou mas, antes, deixe-me que o felicite pelos seus escritos no Facebook que, porque sou ali amigo do Jorge “Pinhal”, tenho vindo a acompanhar e de que gosto bastante! Gosto da forma como escreve! E também me lembro bem que apreciava o que em tempos escrevia no “Jornal da Chamusca”! O meu nome é Joaquim “Pinhal” e sou filho do também Joaquim “Pinhal”, do táxi, da “Carregueira”.

Surpreendido e lisonjeado pelas amáveis palavras agradeci, dizendo ao amigo que não me é difícil escrever como o faço porque sou autêntico e franco. Exprimo o que sinto e me vai na alma e, por isso, o redigir as modestas crónicas, como o faço, não é tarefa difícil ou complicada. Assim faço e assim penso  continuar a fazer.

Aconteceu então que, terminado este inesperado episódio e a chamamento do meu interlocutor, vejo aproximar um homem, com uns quilinhos bem pesados, “redondinho” como eu antes de largar os mais de 20 quilitos que larguei nos últimos meses, a quem o amigo Joaquim “Pinhal” pergunta, apontando para mim:
- Conheces?
O recém-chegado olha para mim de cima a baixo e responde:
- Não!
Eu repito o seu gesto olhando para ele e dou também o meu parecer:
- Eu também não o conheço!
Não? – Interroga-se o nosso interlocutor. 
- Imaginei que se conheciam. Devem de ser mais ou menos da mesma idade… Que idade tens? – pergunta-lhe.
- Tenho 74 anos – informa.
- E eu tenho 73 – acrescento.
- Então não o conheces?  É o Victor Azevedo, do Chouto. – esclarece o curioso Joaquim.
Aí, o nosso novo interlocutor, que já antes mantinha o rosto sisudo e fechado, ainda mais o fechou e, logo de imediato, interrogando-me sem pestanejar e perder tempo, pergunta:
- Ah, pois… O Victor, do Chouto… Você, em tempos, não teve uma transacção ali no Casal “da Palha”? 
Aí eu achei que o sujeito estava a lavrar em grave confusão e discordei:
- No Casal “da Palha”? Não! Nunca tive qualquer negócio no Casal “da Palha”!
E logo ele rectificou, mantendo continuamente o semblante carregado :
- Bom, eu disse transacção mas devia ter dito namoro?... 
Bem, eu aí estava de pé porque, se estivesse sentado, caía do assento…
- Sim, na verdade, quando rapaz, em tempos que lá vão, tive um namorico com a filha do “João da Palha”. Coisa dos meus 18 anitos. – confessei  ao surpreendente companheiro.

E ele, de imediato, sempre com a situação bem presente na memória mas também, manifestamente, sem expressar grande prazer na conversa, acrescentou esclarecendo para grande surpresa minha e logicamente do outro nosso companheiro de conversa :
- Pois… eu também lá andava… Andava também a tentar conquistá-la e em dada altura achei que ia conseguir… Nessa data e depois da minha insistência, ela disse-me: “Vamos à Feira do Chouto e lá tratamos do assunto”. Aí eu fiquei convencido que ela me ia aceitar namoro na feira e, no dia, depois de me vestir, abalei para o Chouto. Mas não sei se ia muito depressa ou o que é que foi e resvalou-me a bicicleta… Caí numa poça de água e sujei-me todo! Tive de voltar para trás e ir a casa mudar de roupa e com isso perdi muito tempo. Quando cheguei ao Chouto procurei logo ver se a encontrava e, quando a vi ao longe, ela andava consigo e, pela forma como andavam, vi logo que se namoravam. Fiquei danado!

Perante este relato da sua frustrada aventura e vendo o seu rosto sisudo e fechado, imagem que ainda hoje guardo na cabeça alguns dias volvidos, não consegui deixar de sorrir e o outro nosso companheiro de reunião bem me imitou. Era irresistível. Uma cena de um frustrado namoro, que até meteu uma queda de bicicleta dentro de poça de água, quem resiste a um largo sorriso, ainda que integrado num… funeral? Ninguém.

Mesmo assim e ainda mais curioso perguntei-lhe:
- E como se chama?
- João. João “Pinhal” – respondeu-me secamente.

É então que, vendo os nossos rostos risonhos – meu e do Joaquim, o do João não… – e logicamente curioso, se aproximou o outro seu parente Jorge “Pinhal” meu conhecido e amigo e eu observei-lhe:
- Já viste o que agora aqui acabo de saber? Há muitos anos atrás, aqui ao teu parente, “passei-lhe a perna”…

E aí, de imediato, secamente, sempre de rosto fechado, fui rectificado pelo meu outrora rival:
- “Passou-me a perna”, não! Quem me “passou a perna” foi ela. Mas, também, quando mais tarde a apanhei, disse-lhe tudo o que me veio à cabeça!...

E, se antes sorriamos dois, passamos a sorrir três… Eu, o Joaquim e o Jorge. Hilariante situação! Impossível conter o sorriso. O meu rival de juventude é que não achou graça alguma…

Nisto, as cerimónias terminaram na igreja e, integrado no cortejo fúnebre, fui andando e rebobinando o filme – filme de 6 m/m, porque na época ainda não havia cassetes vídeo… eh! eh!- filme dos meus namoricos de juventude, das minhas namoradinhas e dos meus rivais de ocasião e algo me fui lembrando… Recordei-me por exemplo que, quando não podia comparecer num ou outro bailarico, pedia a camaradas amigos dessas andanças que observassem os comportamentos das meninas na minha ausência e depois me contassem… Assim como que espiões… eh! eh! E lembrei-me que entre muitas outras velhas cartas a narrar essas andanças, tinha algumas do amigo António Sebastião, meu velho e saudoso companheiro dessas viagens de bicicleta noite e dia e que tão cedo partiu da nossa convivência. Pensei nisso e, chegado a casa, procurei nos meus velhos arquivos…

Procurei e encontrei uma de Março de 1962 desse amigo, de que aqui deixo um pequeno extracto, na qual me narra uma ida a um desses bailaricos mas onde, todavia, o rival João “Pinhal” não estava. Confirma-se assim a referência à concorrência desse ainda agora agastado rival.

O funeral terminou já o dia atingia o seu fim e regressei a casa já com faróis ligados porque a noite caia rápida.
  
E ainda bem que fiz a viagem de noite porque, assim, quem se cruzava comigo e porque não me via, não me chamava de louco por ir a conduzir rindo sozinho. Sim, porque eu fiz toda a viagem lembrando-me da cara fechada, sisuda e aborrecida do velho rival que, agastado e pelos vistos ainda ressentido, deve ter mal dito de, naquele funeral, ter tropeçado com o atrevido “Victor do Chouto”… eh! eh!

E… como é possível um ressentimento amoroso de juventude manter-se mais de 50 anos? Toda uma vida!?... Como?...

Um parágrafo final para esclarecer que, nesta crónica, optei por utilizar nomes fictícios de pessoas e locais em detrimento dos reais, assim pretendendo evitar mal-entendidos, exactamente porque no episódio se fala de uma 3ª pessoa que não estava presente na nossa conversa, pessoa que me merece consideração, respeito, e estima.

Nas curvas da vida…