quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

TIO JOÃO - MORREU UM HOMEM BOM!

O e-mail chegado ontem, já noite, da Celeste, sobrinha dilecta e muito dedicada do Tio João, não nos surpreendeu aqui em casa porque, com as suas últimas notícias de dias atrás e, sobretudo, depois de recebermos o anterior e-mail do Flávio, seu marido, que nos dizia que só um milagre reverteria o difícil estado do nosso amigo e familiar, outro desfecho não seria espectável… Na realidade, o nosso bom amigo e tio, tinha visto chegar o fim da sua existência… E,assim, depois de 86 anos de vida, o Tio João, como muito bem dizia a sobrinha Celeste, “já não está mais entre nós!...”. Na hora em que escrevo o seu corpo entra na sepultura...

É então mais um estimado e dedicado amigo que parte, levado pela inexorável “lei da vida” e que assim nos deixa mais sós, mais pobres e mais tristes!

Tio João era daquelas a que posso chamar últimas pessoas boas na superfície da terra de tal forma que, posso garantir, nunca - nunca! – lhe ouvi uma única palavra em desabono fosse de quem fosse! Nunca, por nunca ser! Nem mesmo quando me narrava a forma como ele e Tia Nair foram assaltados num transporte público na cidade do Rio de Janeiro, anos atrás, em que o sujeitinho lhes levou alianças de casamento, fios , relógios, etc… “Um cara educado! Um cara simpático!…”, nas suas palavras que nunca mais esqueci... Parece mentira, mas é verdadeiro! Tio João, na presença da Tia Nair, referia-se assim ao meliante que os roubou…
Emigrado no Brasil (Rio de Janeiro) há seis dezenas de anos, Tio João criou ali um pequeno bar donde tirava o sustento para ele e Tia Nair, com quem casou passado uns tempos de ali viver e, amealhando e conservando as suas economias, foi visitando a aldeia natal e Portugal dando-nos sempre o muito agradável prazer do seu único e inesquecível convívio!

Por afinidade entrei na sua família no início da década de 70 e logo me habituei a ver e sentir ali um prezado amigo, sempre pronto a uma conversa, um “chopp”, um “papo”, um convívio ameno e absolutamente desinteressado e saudável! E, se esse convívio e essa amizade já era bonita e importante aquando das suas visitas à família na Beira Alta, muito mais foi assinalável e justificativo de muito realce quando teve a bondade de me receber – ele e Tia Nair (aquém não posso deixar de associar Celeste, seu marido Flávio e restante família Almerinda, Adélia, etc.) – aquando da minha visita de 10 dias ao Rio de Janeiro anos atrás!

Foi absolutamente impecável a forma como ali me receberam e nunca esquecerei esse magnífico ambiente que me criaram e que incluiu refeições, “chopps”, viagens e onde até nem faltou um excelente passeio de barco na belíssima Baía de Guanabara!

Tio João foi nesta ocasião e sempre, como bem sabemos, no convívio e na correcção, com outros amigos e familiares, um exemplo único e ocorre-me aqui lembrar o dia em que me levou por metro e outros transportes públicos – Tio João não tinha automóvel - a visitar o Centro do Rio de Janeiro… Lembro-me de visitar a Catedral, o Real Gabinete Português de Leitura – coisa bonita! -, jardins, ruas e praças e de almoçarmos num bom restaurante português, mesmo no centro da cidade!
Recordo-me que depois paramos num pequeno bar, já perto do final da tarde, para tomar um “chopp”. O “chopp” não é mais que uma cervejinha, cervejinha que, porque é mais suave que em Portugal e com o calor ambiente do Brasil, ali se bebe muito, muito bem! Muito agradável, mesmo! (Tio João era um grande apreciador dos "chopps", como igualmente o era do tabaco e, seguramente, fumou milhões de cigarros!)

Naquele passeio pelo Rio, estávamos então bem e despreocupados sentados ao balcão do bar e, eu, vendo um rapaz ali mais ao lado, também no balcão, igualmente “mamando” uma fresquínha, resolvi pegar na máquina fotográfica e, entregando-lha, pedi-lhe que nos tirasse um retrato…
O que eu fui fazer!?... O bom do Tio João, vendo-me despreocupadamente entregar a máquina ao brasuca, ia caindo para o lado… (Dir-me-ia depois “Victor, que descuido! Nunca se faz isso aqui! Ele podia ter fugido com a máquina! Pensa que está em Portugal? Foi uma sorte!”)

Traumatizado pelos assaltos e pela violência urbana no Rio e, como emigrante, era o único trauma que eu via no Tio João… A violência é grande ali – e, infelizmente, agora não só já ali… - ele certamente lá teria as suas razões… Mas, naquela vez, não teve razão… O rapaz tirou a foto que, com outras do e com o nosso já saudoso Tio João acompanha este apontamento e que mostra como bom, feliz e agradável foi sempre único e inesquecível o convívio com ele!

Ficará sempre na minha memória e será sempre uma eterna saudade o bom e sentimentalão Tio João!

Coisa única!

Homem bom, puro e simples que o mundo perdeu!

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

TIO "CHICO" DEIXOU-NOS...


Dia triste o de hoje com a ida ao Chouto para acompanhar à sua última morada o Tio Chico falecido ontem no Hospital de Almada onde havia sido internado dias atrás aparentemente vitima de mais um AVC, doença que há muito o apoquentava.

Francisco Nunes de Oliveira, de seu nome próprio, foi para mim sempre o "Tio Chico", com quem tive sempre, sempre um excelente relacionamento e de quem recebi continuas provas de muita amizade e carinho que eu sempre procurei retribuir e agradecer! E foram tantas e tão gratificantes as manifestações de amizade que sempre recebi deste meu familiar com que convivi desde tenra idade!

Casado com a minha Tia Beatriz, irmã mais velha de minha falecida mãe, “viu-me nascer" e acompanhou toda a minha vida desde criança, tendo naturalmente também contribuído para a minha construção não só física como também mental.

Recordo-me bem dos meus tempos de meninice quando ele trabalhava no Anafe, nas terras que meu Avô Gregório arroteava e cultivava e ali o Tio Chico produzia boas e extensas searas de milho, arroz, pimento, etc, etc. Lembro-me também de o meu avô o ter como boieiro, quando no Anafe existiam 3 ou 4 juntas de bois em permanente labuta agrícola. À hora da refeição reuníamo-nos todos sentados em pequenos bancos de madeira com assento de palha, em redor de uma grande e redonda travessa (acho que não se chamava bem assim...) colocada encima de uma pequena mesinha e de onde todos comíamos. Com colheres retirávamos a comida da grande malga e assim nos alimentávamos. No Verão, como sobremesa, tínhamos melancia, do sempre excelente cultivo do meu avô. O Avô Gregório ia buscar uma melancia ao quarto, de piso de cimento, melancias que guardava sempre debaixo da cama para estarem mais fresquinhas porque o quarto era de telha-vã, sentava-se à mesa com a melancia entre as pernas e era assim que procedia ao seu corte em fatias, deixando sempre o “castelo” para comermos no final, por ser o mais doce do fruto. Era sempre um cerimonial bem interessante que não esqueci. Como não esqueci a forma, digamos que quase “artística”, como o Tio Chico comia e rapava os ossos de assuã e outros do porco, quando a minha avó fazia o que então chamávamos de “couves com carne”, digamos que um “cozido à portuguesa” mais pobrezinho. Munido de um canivete que, como bom ribatejano sempre o acompanhava, Tio Chico rapava o ossinho todinho, todinho, até nos mais difíceis recantos do mesmo e ficava limpinho, limpinho só o puro osso! Achava aquilo tão “artístico” que nunca mais esqueci...

Tio Chico era um homem profundamente calmo e muito educado, não me recordando de alguma vez lhe ter ouvido uma exclamação mais exaltada ou irada! Até mesmo sofrendo as exigências da minha Tia Beatriz, algo arisca e agitada, que dele sempre muito exigia - ”Chico, vai buscar aquilo!”, “Chico, põe ali!”, “Chico, vai lá!” - Tio Chico sempre obedecia, sem um queixume, sem uma zanga, numa gentileza e educação que a todos impressionava!

Propriamente com os meus pais o relacionamento também foi sempre bom e, sobretudo após a morte de meu pai, a assistência que meu Tio Chico prestou a minha dorida e solitária mãe foi muito importante e sempre lhe manifestei a minha gratidão por isso! Para além das suas visitas frequentes – viajava com minha tia na motorizada desde o Gaviãozinho de Cima ao Chouto – ele tratava do quintal, cavando e plantando ao gosto da cunhada – “mana”, como ele chamava a minha mãe –, podava as árvores e tratava da latada de uma videira ali existente ao tempo. Depois tínhamos também como convívio os aniversários da minha mãe que sempre os convidava. Comíamos uns bolos, umas farófias, que minha mãe fazia magistralmente e bebíamos uns copinhos de tinto antes dele ter sofrido o 1º AVC. Depois disso ele só bebia uns sumos que a minha mãe sempre tinha o cuidado de comprar.

Guardo para o fim o narrar de um episódio que atesta o caracter e hombridade do já saudoso Tio Chico: Há já mais de uma dezena de anos atrás levei-o em viajem à Beira Alta, viajem que ele muito apreciou. No decorrer dessa jornada ele manifestou-me o quanto o confundia uma determinada ocorrência havida na família tempos atrás e questionou-me da razão da mesma. Achei inteligente da sua parte o levantar dessa questão e, por entender a sua preocupação, bem justa e oportuna, tive então o gosto de o esclarecer dos bastidores dessa ocorrência que vi que não o surpreendeu muito, devo dizer, mas pedi-lhe que aquela confidência não saísse de nós dois porque não havia necessidade de levantar mais poeira no assunto e dor na família. Pedi-lhe sobretudo que nem à sua mulher contasse porque, pelos mesmos motivos, o assunto era passado e estava encerrado.

Agora, morto que está o Tio Chico, é justo aqui escrever que tenho a absoluta certeza que ele cumpriu o meu pedido e levou o segredo para a cova! Nem à Tia Beatriz ele contou, conforme lhe tinha pedido! Se isso tivesse acontecido, ela não se conteria e, mais cedo ou mais tarde abordar-me-ia sobre o caso. Não resistiria.

Homem de palavra o Tio Chico! Honra à sua pessoa!

Que descanse em paz

EM TEMPO – A foto que acompanha este apontamento foi tirada junto à porta de sua casa no Gaviãozinho de Cima, no dia 1 de Maio de 2010, ocasião em que registei também em vídeo uma pequena conversa tida com ele e cuja gravação tive agora oportunidade de oferecer ao seu filho Manuel, para copiar para os restantes irmãos, Suzete e António, se assim o entender.