sexta-feira, 11 de junho de 2021

VELHOS NACOS DO MEU CHOUTO ANTIGO (5)


PRODUÇÕES AGRÍCOLAS E SUAS SEMENTES

No prosseguimento do hábito de periodicamente visitar as velhas cartas e aerogramas que recebi nos recuados anos de 1967 a 1969 em que na guerra de Angola me correspondi com um considerável número de familiares e amigos, fiz  nestes dias mais uma pequena incursão nesse arquivo e encontrei uma missiva cujo conteúdo, pelos termos usados, quiçá invulgares nos dias de hoje, entendo adequado incluir no que anos atrás designei de “nacos” que aqui venho redigindo e publicando e que se prendem com narrações mais ou menos curiosas relativas aquele período na minha aldeia, no interior da charneca ribatejana.

Ao contrário dos anteriores “nacos”, que foram retirados de correspondência de meu pai, este vem de uma carta escrita por um velho amigo, Estêvão Lopes de Matos de seu nome de baptismo mas em vida conhecido por Estêvão Maia, dono de uma propriedade agrícola na freguesia que administrava e da qual vivia economicamente com sua família. Homem educado e de bom trato, havia sofrido já em adulto uma pequena perturbação mental que o caracterizava e que o acompanhou até ao fim dos seus dias mas que, com mais um menos eficiência não impedia que administrasse a sua casa agrícola, tanto mais que os filhos, à medida que iam crescendo também colaboravam nessa administração, numa administração que, como comprovamos pelo “naco” desta carta, bem dá para ver que ele controlava.

Fazia favor de ser meu amigo e com ele sempre tive excelente trato, num hábito quase diário de muitos anos porque com muita assiduidade frequentava a casa de meus pais certamente por estima e dedicação e, daí, tê-lo incluído no vasto grupo de amigos com quem trocava correspondência no período de estadia em Angola. 

Ao longo dos 26 meses de guerra foram várias (talvez perto de uma dezena) as cartas trocadas com o sr. Estêvão Maia, que sempre me respondia com pormenorizada escrita e, se na maioria, como afinal se passava com os demais correspondentes, os assuntos abordados eram sobretudo de caracter pessoal, por vezes, num ou outro caso, como o  que hoje elejo, surgiam abordagens que iam além disso e, eventualmente, bem poderiam interessar a outras pessoas.

É o caso do “naco” que aqui deixo onde o amigo Estêvão Maia dá conta do rendimento das suas sementeiras, colhidas no Verão de 1969, usando termos que então se usavam mas que caíram totalmente em desuso, até porque, na freguesia, antes tão cultivada e produtiva, hoje não temos um cultivo e uma produção digna desse nome.

Embora reconhecendo não ser pessoa habilitada na matéria, julgo todavia não estar errado quando deduzo que, quando são referidas as “sementes” e o seu rendimento quererá dizer que, por cada kg de semente, resultaram x kgs de produção.

Para a eventualidade da caligrafia acarretar dificuldades de leitura, fica a sua “tradução” com naturais correcções gramaticais:

“Agora, cá pelos nossos Anafes (designação da localização da sua propriedade) já se vão fazendo as nossas colheitas de pão pragana, deu poucas sementes; trigo deu 5 sementes e meia; centeio, 3 sementes; aveia, 6 sementes; cevada, 2 sementes. Agora temos os nossos milhos na eira, que dão qualquer coisa mas também não dão tanto como os patrões precisam para recompensar as despesas que o patrão tem. Ainda se salvam melhor os seareiros porque têm menos despesas e quase todos fazem o trabalho pelas suas mãos e seus próprios braços; o nosso arroz, vamos ver como se porta o tempo, para que haja boa colheita e boa produção.”

E que o saudoso amigo Estêvão Maia descanse em paz!