Depois de ao longo de semanas e meses
o ter visto na frente do prédio a varrer a praça continuamente tapetada de
milhares de folhas dos Plátanos, dos Castanheiros da Índia e das demais árvores
de folha caduca, observo-o agora aqui de cima limpando a zona traseira do
prédio de iguais folhas e idêntico lixo no arruamento que dá acesso às garagens
de diversos prédios.
Sempre com o mesmo ritmo, sem grandes
pressas, executa o seu trabalhinho em ritmo cadenciado e sempre com igual
eficiência: não fica uma folha, um papel, um fragmento de lixo para trás. Tudo,
tudo limpinho, com cuidado e zelo!
Deixo-o vir avançando e, quando já se
aproxima do portão da garagem do edifício, resolvo presenteá-lo: vou à cozinha,
pego dois copos e desço.
Já está perto do portão e, esperando
que me olhe, levanto os copos e convido-o, perguntando se bebe um copo. Como
que surpreendido pela oferta, pergunta:
Nem responde. De vassoura na mão
avança na minha direcção e aceita, francamente:
Não está comigo mais de 5 minutos,
tempo suficiente para bebermos dois copinhos., “É bom!” diz-me e conta-me
também um pouquinho da sua vida:
Tem 63 anos, veio de S. Vicente em
1983 e há muito não visita a terra por dificuldades económicas e, à minha
observação sobre a sua idade de que em breve poderá reformar-se, pergunta-me: “Acha?
Com o que o nosso governo está para aí a fazer, sabe quando vou reformar-me? Eu
não sei, não!”
- Este Passos Coelho está cortando, fazendo
tudo muito mal. Não sei… Veja como estou na minha vida: 3 “mininas” em casa sem
trabalho, sem emprego. A mais velha estava no 2º ano de Direito e teve de sair
por causa das propinas. A mais nova está no 12º e também quer ir para a
Faculdade mas eu já disse que não pode… Não posso, senhor! O meu vencimento de
500 euros e mais um bocadito, pouquinho, do trabalho da mãe, é o único dinheiro
que entra por mês em casa, como posso? Como posso? Não posso! Elas choram mas
eu não consigo… A mais velha diz que quer ir para fora. É uma tristeza.
Saímos e ele recomeça o seu trabalho
mas, mesmo assim, enquanto vai vassourando, ainda pressagia:
- Vejo tudo muito calado e muito calmo
mas acho que um dia destes alguma coisa pode acontecer… Eu não, mas, alguém é
capaz de fazer qualquer coisa… É. É.
- Ouviu o Mário Soares na Aula Magna?
Ouviu? Pois…Não sei…
Prosseguiu o seu trabalho e eu nem lhe
disse que, meses atrás, telefonei para a Junta de Freguesia a elogiar o seu
serviço de varredor das nossas ruas…
A funcionária que me atendeu a chamada
passou a outra colega que se mostrou surpreendida com o meu telefonema…
- Só nos telefonam a fazer criticas e
o senhor resolve fazê-lo para elogiar o trabalho de um cantoneiro. Estou
admirada e vou registar. Foi bom ouvir! Obrigada!