domingo, 21 de abril de 2019

TIO ZÉ "PISCO" - AMIGO BEIRÃO DE RIJA TÊMPERA!


Embora já aqui tenha sido mencionado diversas vezes em anteriores crónicas, volto hoje com gosto a escrever sobre o Tio Zé “Pisco”, homem bom, honesto e de carácter que me orgulho ter como amigo, num franco sentimento que sei ser reciproco e que muito me gratifica.

Tio Zé, num gesto que desde há muitos anos já tornou hábito quase obrigatório, sempre que me sabe na aldeia procura-me, passa comigo uns longos pedaços de tempo e aqui conversamos, trocamos ideias e, sobretudo, ele faz questão de me recordar e contar longos e interessantes episódios que já vêm desde a sua infância. E quão deliciosas são as suas “istórias” e quão gratificante é vê-lo entusiasmado a narrar desde cenas vividas no seu tempo de escola primária a aventuras de jovem nos anos 30 do século passado e até situações de supostos “affaires” na mente da sua desconfiada e ciumenta Tina…

Homem de muito trabalho de toda uma vida, beirão assumido de rija têmpera, ainda hoje, à beirinha de festejar os seus 93 anos de vida, faz questão de não parar e de manter-se activo, numa vivência do dia-a-dia a todos os títulos espantosa.

Cumprindo o seu “ritual” de sempre que me faz por cá, esteve ontem aqui e, depois de talvez uma hora de desfilar de “istórias” e recordações de tempos idos, diz-me:

- Vou às “Almas” regar as couves porque amanhã não vou lá e vou para a “Vinha” regar as oliveiras.

- Eu vou consigo! Pode ser?- pergunto-lhe.

- Embora! Vamos desenferrujar as pernas!

Avançamos então e, nuns curtos 5/10 minutos, ele com a ajuda da sua agora inseparável bengalita - “É um amparo”, diz-me – eu com a chatas artroses nos joelhos, chegamos às “Almas”, sua pequena “quelha” que o meu amigo cultiva com um inexcedível zelo e carinho e um confesso e compreensível prazer.

Mas, digo, mesmo sabendo da sua invejável vitalidade não obstante a passagem dos seus 93, abri a boca de espanto quando ele, depois de usar o seu fino humor perguntando-me “Trouxe a chave? Não trouxe, pois não?”, empurrou o portão e abismei, francamente, com o que vi…

Tudo cavado, semeado, plantado, corado e tratado pelo Tio Zé, tinha à minha frente um viçosa horta ricamente composta e cultivada única e exclusivamente por este amigo de 93 anos de idade! Um espanto! Um espanto!

Ali tem desde favas a abóboras, passando por cebolas, alfaces, tomates, couves, salsa, coentros, etc. Trata tudo com o maior cuidado e desvelado carinho e tem mesmo um pequeno e tosco “barraco” “para me abrigar da chuva e do Sol e descansar quando estou cansado”, informou-me e eu aí o registei num momento de pausa depois de também o ter gravado na rega das suas couves... (Por vezes na ida de volta a casa já me tem dito: "Fui regar os meus tomates"...).

Um encanto! Um maravilhoso encanto!

Vi, admirei, fotografei e aqui estou a registar para a posteridade o bonito que é ver este homem, depois de uma longa vida de árduo e laborioso trabalho, em que verticalmente passou pela vida de chefe de família e pai de filhos, chegar agora ao outono, se não inverno dessa vida, com tão bonita e invejável vitalidade e alegria de viver!

Gratificante, muito gratificante ter o prazer de contar com o Tio Zé “Pisco” como dedicado e estimado amigo!

Que assim continue por muitos mais anos, com a mesma vitalidade e o mesmo gosto de viver!

quarta-feira, 10 de abril de 2019

O "ESCORREGA" DA MINHA INFÂNCIA



Dizem os livros e eu confirmo: Quando a idade avança para números já consideráveis, encontramos um livro, um caderno ou um jornal, tropessamos numa caixa, numa árvore ou numa planta, sentimos um determinado paladar, etc.. etc. e, inevitavelmente, chegam-nos à memória cenas e situações vividas e passadas na nossa infância e juventude que não sabemos bem onde andavam, por antes não serem sentidas.

Ultimamente tenho experimentado essas gratificantes situações e, a piteira de que aí deixo foto, é o mais recente exemplo. 

Vi-a num terreno adjacente à Casa de Saúde onde minha irmã recupera de grave maleita e ela fez-me recuar às brincadeiras de infância na minha aldeia natal e aqui estou a rememorar aquele que era, nem mais nem menos, o meu “escorrega” de criança no “barreiro” então existente num terreno de ervas e sobreiros e que é hoje local de boas e bonitas vivendas dos meus conterrâneos e que assinalo na outra foto aérea da aldeia com um rectângulo amarelo


Os coloridos, bonitos e seguros “escorregas” de crianças que, felizmente, tanto divertem e entusiasmam os nossos miúdos de hoje, estavam ainda a léguas de chegar e, nos finais de 40 e princípios de 50 do século passado, as folhas da piteira e o local de onde se retirava saibro para a construção, que chamavamos de “barreiro” era um preferido local de divertimento. O nosso “escorrega” teria um desnível de talvez 3/4 metros e um decline de 5 ou 6 de extensão, sendo o “estrado” de saibro com uma ou outra “assassina” pedra misturada.

Havia por ali meia dúzia de piteiras da espécie da fotografada, mas de maiores dimensões (talvez muito perto do dobro dessa) e cortavamos as folhas bem junto ao solo porque assim o “escorrega” ficava mais comprido e o “assento”, por as folhas mais abaixo serem mais grossas e “carnudas”, ficava assim mais confortável e mais sólido.Tínhamos naturalmente o cuidado de lhe cortar os agressivos picos das pontas e laterais das folhas e, posto isto, estava preparada a brincadeira.

Colocada a folha da piteira entre as pernas, com a parte mais grossa como assento do rabo, e passada que estava entre as pernas, segurava-mo-la firme pela ponta da folha junto ao peito com as duas mãos e… aí íamos nós, declive abaixo.

Segura que não estivesse bem a piteira, desarmava-se o “engenho” e, aí ia o rapaz desgovernado rampa abaixo às cambalhotas…

Quando isso ocorria - e acontecia vezes de mais! -, era garantida a esfoladela de joelhos, pernas ou cotovelos e a corrida para casa, ali bem perto, em choro convulsivo, para o pai, depois de inevitável e irado “ralhanço”, usar o então milagroso “mercurocromo” que deixava tudo mais vermelho e ainda mais assustador para o aflito petiz acidentado.

Chorávamos hoje mas, amanhã, lá estávamos de novo!… Ora, pois!..

Eram meus colegas nestas aventuras, que me lembre, os irmãos Fernando e Manuel Carvalho, o António Rainha, o João “da Calistra”, os irmãos Manuel e Tomé Dinis, entre outros a que a minha memória agora não chega…

E deve ter sido por aí, mais metro, menos metro, que o Fernando Carvalho – muito reguila era o gajo quando criança!…- me partiu a cabeça com o fundo podre de uma panela…

O gajo pegou no fundo ferrugento da panela que por ali estava abandonado, atirou-o ao ar e o danado, como os modernos “boomerangues” voltou para nós e não encontrou melhor local para aterrar que não fosse a minha pequena cabecita garantindo assim forte “lenho” na minha tola. E, sorte, sorte do Victor, que o fundo a descer deverá ter planado porque, se tivesse caído na vertical, talvez o rapaz não estivesse aqui para contar…

E, como resultado final, aí estão os pais das duas partes a discutir em tremenda convulsão e, quando António Carvalho e Zé Azevedo mutuamente discordavam, a faísca era garantida…

E o choroso Victor a sangrar, de cabeça partida...

terça-feira, 2 de abril de 2019

O MEU AMIGO ALENTEJANO PARTIU...


(...)
E, para último guardei o meu amigo José Jacinto Gonçalves, alentejano puro, de uma aldeia junto a Aljustrel, que veio para a cama onde estava o alfacinha.  Fala bem, bem, com o sotaque dos alentejanos, tanto ele como a esposa que diariamente, com estadia em casa de irmã na Bobadela o visita e, com ambos,  tanto eu quanto a Tense temos conversado bastante e constituímos já uma boa amizade. Ele, por ainda não ter sido operado (pâncreas) ajudou-me quando cheguei abalado dos “Cuidados” e, nestes últimos dias, sou eu, já bem melhor que o procuro auxiliar em qualquer dificuldade da sua grande cirurgia. O amigo Zé levou um considerável golpe de vários centímetros em feitio de “L” invertido no peito e abdómen. Nos primeiros dias do pós-operatório esteve algo malzinho mas, agora já vai estando muito melhor, embora ainda não esteja a ingerir comida sólida.

E foi assim que eu e a Tense ganhamos mais dois amigos! Modestos, cativantes, bons conversadores, muito educados e super-simpáticos! Gostamos muito de os conhecer!

E é uma amizade e uma simpatia que já nos fez aprazar na Aldeia Nova, onde moram, confeccionada pela esposa Madalena - que ele já me confidenciou que cozinha muito bem! -, uma bem alentejana e certamente deliciosa “Caldeirada de Achigãs”!

- Com “hortelã da ribeira"? – perguntei.

Ao que a senhora me retorquiu:

- Claro! E que temos lá no nosso quintal.

E eu que adoro “caldeirada de achigãs”, prato tipicamente alentejano!...

E, já que falo em comida,  deixo como “ornamento” uma imagem da “lareira” montada na sala de refeitório e, uma outra do jantar de hoje, que estava bom mas que, em nada por nada, poderia rivalizar com uma bem alentejana “caldeirada de achigãs”…

Uuuunh!!!

Já estou a sentir-lhe o cheirinho



                                                      ******************

Face à dificuldade de contacto com ele ou com a esposa, de quem tinha igualmente o número de telefone e não conseguindo estabelecer ligação, confesso, confesso francamente que andava com receio que algo de mal tivesse acontecido ao amigo Zé Gonçalves, alentejano com quem criei laços de amizade aquando do meu internamento hospitalar em Novembro de 2017 e de que deixo aí, como introdução trecho do texto alusivo publicado aqui no meu blogue naquela ocasião…

Os dois números de telefone não aceitavam as chamadas e, hoje, depois de várias insistências sem resultado,  procurei chegar à fala com alguém da Junta de Freguesia da sua residência, numa aldeia junta a Aljustrel, na tentativa de conseguir alguma notícia sobre o meu amigo alentejano …

Atendeu-me uma senhora funcionária, presumo, que, muito simpática e depois de ouvir o que pretendia saber, respondeu-me:

- Pois, mas tenho pena e não tenho boas notícias para lhe dar: o sr. Zé Gonçalves infelizmente já não está entre nós!…

Ficando chocado com a triste notícia mas, ainda assim não surpreendido quanto isso porque, deste sempre achei que o meu recém-amigo talvez não tivesse muito tempo de vida, quis ficar mais certo de que estavamos a falar da mesma pessoa e perguntei-lhe:

- Mas será que falamos da mesma pessoa? A senhora conhecia-o?

- Sim, muito bem! A ele e à esposa dª Madalena e até fui colega de escola do seu filho.

Confirmavam-se assim os meus receios e estou muito triste com a partida de um bom amigo, amigo feito em horas particularmente difíceis para ambos mas onde também fomos mutuamente solidários em ajudas para minorarmos o mal estar que sentíamos naquelas horas bem desagradáveis das nossas vidas.

Homem muito atencioso, educado e amigo, partiu muito cedo porque, na verdade, tinha o pâncreas muito mal e a cirurgia nada lhe fez de melhor. E, por só agora ter sabido da sua morte, não o acompanhei à sua última morada, de certo no seu amado Alentejo…

Falavamos com regularidade pelo telefone e, na última vez que conversamos, coisa de há seis meses talvez, dizia-me na sua voz arrastada e cansada:

- Estou muito magrinho! Como muito “poucachinho”. Peso 45 quilos!

Atencioso, educado, de sotaque bem alentejano arrastado e bonacheiro, já não voltará a ouvir mais, como naquele dia ao meu lado na cama do hospital as chatas “madames” de uma qualquer seita, daquelas “patas chocas” que a toda a hora nos batem à porta impingindo-nos as virtudes milagrosas das suas “religiões” e não lhes responderá mais, despachando-as com a minha ajuda, quando lhes perguntei se nem cama dum hospital nos largavam a cabeça:

- As senhoras sabem? - perguntou e respondeu-lhes o amigo Zé - “A gente, lá no mê Alentejo,  né costume os homens irem à missa ou terem essas religiões”...

Que descanse em paz, amigo Zé!


EM TEMPO – Deixo uma foto da enfermaria do Hospital Curry Cabral onde nos tornamos amigos, tendo a cama do amigo Zé à esquerda e a minha ao seu lado, junto à janela.