terça-feira, 23 de março de 2021

GUERRA COLONIAL - A PAIXÃO DO MÁXIMO

 Não que ele fosse o vulgarmente chamado “bobo da corte”, porque o Máximo (nome fictício) até era bastante sóbrio no dia a dia nos contactos com todos mas a verdade é que, na camarata dos furriéis ele, que sempre adorava entrar nas partidinhas a outros, muito se irritava quando a brincadeira lhe batia à porta, reagindo muitas vezes bastante exaltado e ofendido e, isso, para além de ser motivo de risada geral, mais ou menos frontal, mais ou menos escondida por todos nós, mais  nos aumentava o desejo de o irmos picando.

Tinha um ego muito acentuado, o rapaz. “Eu é que sei comandar os homens!”; “Eu é que sei cumprir a minha missão!”; “Eu é que sei como é!”; Eu é que sei mais isto e mais aquilo... Mas, reconheça-se, não obstante este forte autoconvencimento, o furriel Máximo era um excelente rapaz, leal, sincero, bom companheiro.

A exemplo deste modesto escriba, o rapaz também tinha deixado na então chamada Metrópole a sua apaixonada namorada mas, enquanto o Azevedo, pouco mais de meio ano decorrido na guerra, depois de situações estranhas e desentendimentos com a namorada viu a sua relação terminar, o nosso Max e a sua menina viviam intensa paixão, reforçada pelo acordo mútuo de diariamente sempre se escreverem. Tinham prometido e isso cumpriam. Todos os dias o nosso amigo redigia um aerograma à sua amada e, sempre que o correio chegava ao distante e inóspito leste angolano - quase sempre com vários dias de demora… -, era ver o furriel Max de mãos cheias de cartas e aerogramas apressado a correr para a camarata onde cumpria sempre o mesmo ritual: sentava-se na cama e, uma a uma, lia, sorvia e saboreava embevecido as doces palavrinhas da distante amada.

O Azevedo, sem namorada, recebia menos correspondência... Família, amigos, um ou outro jornal ou revista e… pronto.

Recanto da camarata de furriéis no Leste

Era então momento do amigo Max voltar a picar, como o ia fazendo desde a primeira hora do desenlace do namoro: “Tu, nada! Deixaste a gaja pôr-te os cornos e agora chuchas no dedo… Anjinho de merda! Nem sabes escolher, nem sabes nada e agora sofres as consequências.”

E o furriel Azevedo, a exemplo da primeira vez, sempre o aconselhava da mesma forma:

- Max, não cuspas para o ar!… - Conselho que muito o irritava porque via nele uma suspeita sobre a lealdade, sobre a confiança e a paixão da sua amada.

- O quê, pá? - atalhava, indignado - Pensas que a minha é como a tua? Pensas que eu não sei quem escolhi? Pensas que eu não sei quem lá deixei?

Tinha conhecido a sua querida quando militar numa cidadezinha de Portugal, localidade que, por casualidade, era também terra de residência do cabo José (nome fictício) e mais 2 ou 3 soldados igualmente da nossa companhia, por sinal rapazes educados e simpáticos e que bastas vezes connosco furriéis se juntavam em conversas, jogatanas de bola e outros divertimentos, tendo-nos divulgado numa dessas conversas a casualidade de conhecerem a moça do Máximo. Como elemento adicional, por eles ficamos a saber que a pequena, se bem que em diminuta escala, tinha um leve defeito no andar e, claro, isso foi a cerejinha no topo do bolo para mais um nosso gozo com o amigo Max...

Quando, um dia, sentado na cama, lia a correspondência recebida, ouviu-se uma atrevida voz vinda do fundo da camarata:

- Então, a “coxinha do Tide” (numa alusão a uma famosa rádio-novela, apoiada pelo “Tide” detergente então muito conhecido, que tempos atrás com muito sucesso tinha passado na rádio portuguesa em que a miúda, sua principal figura, era... coxinha) – Então, a “coxinha do Tide” está melhor da perninha? - ouviu-se.                                                                            

Caramba! Que foste tu dizer?… Max, levanta-se que nem com uma mola e interroga gritando:

- Quem foi o cabrão? Quem foi o cabrão que disse isso, que eu mato-o? Quem foi que diga, cobardolas!

Mas não matava nada. Não matava uma mosca o nosso Max. Era só um desabafo vindo dos impulsivos nervos que sentia.

Mas, quando calhava, lá largava para o pobre Azevedo:

- Anjinho! Anjinho de merda! Não sabes nada, levaste com a parelha.

E o furriel Azevedo sempre o aconselhava de forma igual:

- Max, não cuspas para o ar!…

Mas o tempo foi passando e, chegada a data do mês de licença anual, como era inevitável o nosso amigo teve de viajar para o “puto” - como na enorme Angola tratávamos o pequenino Portugal europeu – não sem que antes, numa das vezes que escrevia à pequena, o aconselhássemos:

- Max, lembra-a: ela que não esqueça que não pode falhar um dia sem tomar o comprimidinho? Vê lá se vens deixando-lhe um Maximosinho na barriga...

Mais uma exaltação do rapaz; mais uns insultos do nosso Max… O costume. E as nossas costumadas risadas…

Partiu então de férias e, na sua ausência, alguém lembrou que teríamos de lhe preparar mais uma partidinha no regresso… Sugestão dum, ideia doutro e a decisão foi tomada: depois de chegar, mais semana, menos semana, forçosamente “alinharia” em qualquer saída de serviço de dias e, nesse intervalo, armaríamos a gracinha…

Na Tentativa, a cama desocupada do
Max onde foi colocado o "ornamento"

Terminado o mês de licença Max voltou. Voltou feliz da vida como é lógico e, logo, poucas semanas decorridas, teve de sair em escolta ao Cazombo. Sabíamos que a ausência seria de 2 ou 3 dias e, se nesse intervalo chegasse correio, a brincadeira avançaria. Pensamos nisso e assim aconteceu…

Pelos aerogramas chegados e a aguardar na secretaria o seu levantamento, o Joel Costa – foi o furriel Joel o autor material da “falsificação” -, estudou e ensaiou bem a caligrafia da pequena e vá de redigir um aerograma em nome da menina…

Por fora, no endereço e remetente, estava igualzinho aos por ela escritos, no texto também muito aproximado… Dobrado e fechado pedimos ao camarada da secretaria que o juntasse ao correio do Max que, como era hábito, logo que chegasse correria a levantar.

Terminada a escolta Max chegou e de imediato entrou na camarata. Rapidamente pousou a G3 e a cartucheira aos pés da cama e, apressado, correu para a secretaria. Foi num pé e veio no outro com as mãos cheias de correspondência. 

Na camarata dos furriéis, em cima das camas, Joel e Silva jogavam xadrez; Ferreirinha assistia ao jogo enquanto ia chupando o seu cigarrinho; Galinheiro, fingia que dormia; Azevedo, simulava que lia um livro; Madureira e Chantre conversavam mais ao fundo e, mais uns dois ou três  descansavam, parecendo desatentos… Parecendo mas... pelo canto do olho, de soslaio, a rapaziada esperava o ribombar dos “trovões” que se adivinhavam, chegada que fosse a vez do Max abrir e fazer a leitura do “simpático” aerogramazinho… 

E que “dizia” a amada do nosso amigo? Rezava assim:

"Ornamento" idêntico ao usado
“Amorzinho querido, tenho uma suspeita: Pelos sintomas e pelo tempo decorrido, penso que os comprimidos não fizeram efeito e acho que estou grávida! Vamos ter um bébé, meu amor! Mas, se esta é uma novidade alegre para te dar, tenho outra não tanto assim: Estou pior da perna e, dia a dia, estou mais coxa.”

Foi o bom e o bonito quando o camarada Max bateu na brincadeira! Deu um salto para o meio da camarata e...

- Quem foi o cabrão? Quem foi? Eu mato-o! Eu mato esse filho de puta!

E pensou melhor…

- Ou não foi só um e foram todos? Foram? Todos uns filhos de putas! Mato-os!

Claro que não matou. Regressamos todos vivos... Eh! Eh!

E as “partidas” continuaram… E as brincadeiras prosseguiram e tiveram o seu grande epílogo no 2º ano de comissão, estávamos então instalados já perto de Luanda em protecção à Fazenda Tentativa, junto ao Caxito, a cerca de um centena de kms da capital.

O nosso Max nas férias desse 2º ano e porque já caminhávamos para o final da comissão, já não foi à Metrólope e optou por viver esse descanso em Luanda, tendo combinado ali conviver, porque também de férias, com os atrás falados cabo José e os soldados amigos da mesma cidade da sua amada.

Por lá passaram uns dias, por lá conviveram e, porque os soldados tinham menos tempo de férias regressaram à Tentativa uns dias mais cedo. E foi com a sua chegada que se soube da grande bronca que os nossos amigos logo se apressaram, correndo, a anunciar ao Furriel Azevedo que eles sabiam ser a permanente vítima das gracinhas do Max…

Chegaram e soltaram a bomba:

- Furriel, temos uma grande novidade para lhe dar: A namorada do furriel Max pôs-lhe o cornos! Deixou-o e sabemos que já anda com outro! O furriel já lhe escreveu várias vezes e nada de resposta. Ele anda desorientado, a bater com a cabeça pelas paredes e não quer falar com ninguém. Triste, amachucado, desanimado!...

- O quê? - de boca aberta, incrédulo, pergunta este escriba – Isso é mesmo verdade? Têm a certeza?

- Absoluta, furriel! Totalmente verdade!

Caramba! Foi a bomba das bombas!

Era a hora da grande vingança do gozado Azevedo…

Procurou de imediato um dos encarregados da enorme fazenda com quem tinha bom relacionamento e pediu-lhe que lhe arranjasse com urgência as ossadas da cabeça de uma vaca que tivesse uns cornos bem grandes e, no mesmo dia, recebeu a sua encomenda. 

E a bicha tinha uns cornos enormes!... Grandes e largos. A fazer lembrar a raça de vacas existentes no Minho português…

Azevedo pegou uma corda e atou o macabro conjunto às guardas de cabeceira da cama de ferro do corneado Max (cama vaga no foto anexa) e o conjunto ficou por demais patusco! Muito patusco, mesmo! (Pena, muita pena na hora não ter sido fotografada a “belezura”!...)

E esperou que o amigo Max chegasse… 

E chegou. E, dando de caras com a “ornamentada” cama, grita, grita indignado e apontando o vingado Azevedo, atira-lhe em altos berros:

- Foste tu! Foste tu, grande sacana! Foste tu que me rogaste uma praga! Foste tu que me fizeste um bruxedo!

E o Azevedo, admirado, pasmado com a incrível dedução de um tal bruxedo, rebolando-se de gozo:

- Bruxedo, pá? A gaja põe-te os palitos e tu achas que foi bruxedo? Eu não te dizia para não cuspires para o ar? Agora aguenta-te com o peso da “madeira”!...

O bom do Max, calou-se. Calou-se, respirou fundo e… acho que sorriu… Foi para dentro mas… sorriu. Sorriu e… engoliu em seco.

E ainda hoje somos amigos. 

sábado, 13 de março de 2021

ZECA - NA EFEMÉRIDE, A PATUSCA HISTÓRIA...

O calendário recorda-me que passa hoje o 1º aniversário da triste partida do meu primo e amigo de sempre, Zeca e, não posso deixar de aqui a referenciar tanto mais porque, para além de muito me entristecer a sua morte, também muito me penalizou o facto de no dia seguinte não o puder acompanhar à sua última morada por precaução relacionada com o danado do vírus que tinha acabado de chegar ao nosso país. Duplamente assim, muito tristes, foram aquelas horas vividas um ano atrás.

Tinha-o visitado dois meses antes na sua residência e com ele conversado durante mais de 
uma hora, (de que deixo aí foto do momento) numa conversa bem agradável, onde recordamos tempos passados das nossas vivências comuns e, hoje, talvez venha a propósito aqui repor duas dessas rememorações, sendo que, na primeira delas somente de um pequeno detalhe não me recordava e, na outra, que ele apreciava sobremaneira, de tal forma que ao longos dos anos várias vezes a trouxe aos nossos diálogos exibindo então sempre um sorrisinho maroto por, como confessava, ter bem coladas na mente as cenas que viveu na caricata situação. Todavia, naquela hora, foi uma lembrança que tive de suspender na sua abordagem porque a esposa, Marolina, vinda da cozinha, entrara na sala para se nos juntar e essa rememoração pareceu-me pouco aconselhável… Guardei-a para um próximo encontro que, infeliz e lamentavelmente, não mais poderá acontecer... 

Na primeira recordei os recuados tempos idos quando, de bicicleta, aos sábados de tarde, pedalávamos pelo Vale de S. Maria, subíamos à Cumeada e descíamos por estreitos e péssimos carreiros até à Ribeira de Ulme, chegando ao Casal de Paíres a buscar a irmã, professora, que dava aulas durante a semana na escola primária local. 

Pergunta-me, algo surpreso:

- Lembras-te disso, Victor?

Respondo-lhe de pronto:

- Muito bem, Zeca e também me recordo daquela cena bem hilariante quando o Daniel (nome fictício pelas razões óbvias que abaixo surgirão), vindo da capital, te comprou o papel higiénico para o amigo…

Zeca, abrindo a boca de espanto:

- Ainda te lembras, pá? – perguntou, sorrindo.

- Se lembro… Contaste-ma tantas vezes, sempre com um risinho maroto…

E o nosso Zeca, lembrando-se da situação, voltou a abrir a face com evidente gosto.

E ia de facto para a rememorarmos - para rirmos um pouco… - quando a prima Marolina entrou na sala com um prato de biscoitos e eu achei que, dado o conteúdo da historieta, era melhor calar-me…

Trago-a hoje aqui porque bem me recordo que o saudoso Zeca adorava reviver o episódio e, poderá ser que, lá onde estiver e enquanto aqui a deixo, ele de certo sorria de novo…

Naquela noite, a meio de uma semana de trabalho e a exemplo de muitas outras no tempo da minha mocidade, aí pelos anos 60 do século passado em que habitualmente depois do


jantar ia passar um bocadinho do serão ao café do meu Tio Antero – e também do Zeca – dos quais deixo aí uma foto mais ou menos da mesma data à porta do café e, naquela noite não fugi ao hábito. Estava escurinha a noite, de temperatura amena depois de um dia quente daquele Verão. Passei primeiro pelo café do Carraço onde dois ou três clientes jogavam as cartas e outros tantos acompanhavam qualquer programa na televisão alimentada pela corrente do gerador que, horas a fio a produzia no quintal da padaria. Dobrei a esquina, entrei no largo da igreja e, na escuridão da noite, a velhinha calçada recortada e iluminada, não obstante a fraca qualidade da luz nas entradas da taberna do Polidoro e do café do Tio Antero, diziam aos interessados que os estabelecimentos estavam abertos. Foi aí, no café do Tio Antero, que entrei. 

No canto do pequeno balcão de tampo de pedra mármore onde, no Inverno, sempre estava o velhinho fogareiro a petróleo de torcida circular, de chama mínima para manter quentinho o café na cafeteira de esmalte azul, estava agora um necessário candeeiro de pé alto (idêntico ao da imagem junta) que, em conjunto com um outro, sempre pousado em cima do velho e


pesado cofre no canto direito da sala, alumiavam a casa. Em redor de uma mesa de pinho que, com mais outras três compunham o conjunto de mobiliário para uso da clientela, mesas regularmente sempre bem esfregadas e limpas a que se juntavam uns quantos bancos, também de pinho, sempre limpíssimos e asseados, o tio conversava com dois clientes que bebericavam uns copinhos…

Dirigi-me ao grupo para cumprimentos. Beijei meu tio e, enquanto apertava as mãos dos dois amigos de ocasião, vejo o Zeca que, ouvindo a minha voz e vindo do interior da loja (mercearia) contígua, pega-me pelo braço puxando-me para o seu interior, pedindo a meia voz:

- Ó pá, anda cá que quero contar-te uma cena que hoje aqui vivi.

E, na meia penumbra de uma luz de um outro velhinho candeeiro a petróleo pousado junto à balança, enquanto eu me encostava ao balcão e ele aos grandes gavetões dos víveres que, com os armários na parte superior e de fora a fora da parede compunham toda a frente do interior do estabelecimento na área aquém balcão, o Zeca interroga-me de pronto:

- Já ouviste dizer alguma coisa sobre os gostos esquisitos do Daniel, desde que foi trabalhar para os lados da capital? 

- O quê? Que ele é maricas? - questionei, bruscamente, fugindo de utilizar o vernáculo bem português por calcular que o Zeca poderia não gostar de o ouvir. Na verdade, jamais escutei da sua boca um palavrão. Nunca os pronunciou e nem sei mesmo se os sabia?… Que sabia, certamente, mas nunca os pronunciava. Um senhor! Um diplomata no trato!

- Bem... Pois… - acrescentou desajeitadamente mastigando em seco ao ouvir o termo que usei.

Não o repetiu e, como que emendou:

- Pois… diz-se para aí que parece que tem uma certa atracção por homens…

- Já ouvi qualquer coisa, pá. Mas não sei se será verdade?…

E o Zeca atalhou de pronto:

- Ó pá, hoje passou-se aqui uma cena comigo que vou contar-te: Estava ali à porta do café e vi virar a esquina do celeiro, vindo na minha direcção o amigo Daniel que desde que está para os lados de Lisboa nunca mais vira. Vinha acompanhado de um outro rapaz. Dirigiu-se a mim, cumprimentou-me e apresentou-me o companheiro como um amigo da zona onde agora está, dizendo-me que lhe tinha vindo mostrar a sua aldeia.

- Observei-lhes: isto tem pouco para ver.

Ao que outro logo respondeu: 

- Bem, já vi aí algumas coisas interessantes.

- Ó Victor - observa-me o Zeca -, não sei o que é que ele viu interessante aqui mas… pronto.

É então que o Daniel informa:

- Agora vou mostrar-lhe o chafariz. - E parte rua abaixo…

Passados alguns minutos, que deram tempo para a ida e volta e, estando eu aqui no meu estabelecimento, vejo-os chegar à porta com o Daniel a entrar e a dizer ao outro que ficasse ali, na rua.

O nosso amigo Daniel diz-me então:

- Amigo Zeca, ele está com vontade de satisfazer uma necessidade mas estivemos a ver e, aquilo ali (referia-se ao nosso urinol público), é só urinol, não tem sanita…

- Pois não. - respondi-lhe. - É só para urinarmos.

- Ah e então como fazem se ali não têm sanita?

- Olha, Daniel – respondi: Vamos ao cabeço. E apontei-lhe ali o “cabeço da igreja”.

- Ali??? - perguntou-me, muito admirado.

- Bem, não ali mas lá mais à frente, onde começam os sobreiros e o mato. É lá que, atrás de um árvore ou de um tojeiro, arreamos a calça.

- Oh, não sei se ele se ajeita para isso?… Ele está habituado à sanita...

- E, amigo Zeca - voltou a perguntar-me: E para se limparem, como fazem?

- Olha, há quem use uma pedra das muitas que há por lá mas eu costumo levar um pedaço de folha de jornal.

- Jornal??? - pergunta-me o Daniel, muito espantado.

- Isso é muito áspero, Zeca. O amigo vende papel higiénico?

- Vendo.

- E vende-me um rolo, por favor?

E, acrescenta-me o Zeca na narração:

- Victor, fui ao maço, retirei um rolo e vendi-lhe, com um espanto que nem imaginas… E, que fez ele, enquanto eu fazia um esforço enorme para não me rir?… Pagou, agradeceu, virou costas, saiu, entregou o rolo ao amigo dizendo-lhe:

- Toma! Anda comigo. Vou indicar-te.

- E, meu caro primo, imagina a cena que eu vi e não me sai da memória: o amigo pôs o rolo debaixo do braço e lá vão eles, os dois lado a lado, passinhos curtos mas rápidos a caminho do cabeço e... não mais os vi. Não mais os vi, pá. Fiquei sem saber se o amigo conseguiu arrear a calça, ou não…

E o saudoso Zeca, ao longo dos tempos, recordar-me-ia esta hilariante história várias vezes… E sempre, sempre com um sorrisinho maroto… 

Sorrisinho maroto que, agora, lá onde estiver, ao ver novamente esta lembrança, que eu também não esqueci mais, acredito que seguramente renovará…


NOTA FINAL – Importa dizer que ao longo da sua vida o comportamento do aqui chamado de Daniel em nada confirmou as então faladas suspeitas de homossexualidade, donde se deduz que, ou tudo não passou de um pequeno desvio de adolescência ou, então, um “diz-se, diz-se” em que a voz do povo por vezes é fértil e, quantas vezes, injusta. Mas que os factos aqui relatados foram reais, lá isso foram...