terça-feira, 30 de janeiro de 2018

AS PÚTEGAS DE MINHA MEMÓRIA...


Éramos miúdos, passávamos pelos anos 40 e 50 do século passado e brincávamos na aldeia, sobretudo no largo fronteiro à minha residência, largo então de piso de terra batida e mesmo de alguma areia que, trazida pela chuva na rua de pequeno desnível, ficava depositada junto à sede da Junta de Freguesia.

Aí jogávamos à bola, com balizas formadas por duas pedras e bolas feitas de meias e trapos; aí brincávamos, com pequenos e modestos carrinhos construídos de madeira ou mesmo de canas das vedações da hortas vizinhas da aldeia; aí jogávamos à bugalha, sendo que os ricos “berlindes” dos meninos das distantes vilas e cidades, eram ali substituídos por pequenas bugalhas que arrancávamos das rastejantes “carvalheiras” que então abundavam nos matos circundantes do povoado.

Íamos à sua procura e, achadas, arrancávamo-las pelo pequeno pezinho cujo borboto era cortado e, alisado para que ficasse sem qualquer relevo e assim fossem lidadas e jogadas pelos nossos pequenos deditos polegar e maior, lisas, eficientes e bonitas.


Ora, era nessas deambulações pelos matos circundantes do meu Chouto natal que chegávamos às hoje para mim saudosas pútegas, umas pequenas plantas que nasciam, se a memória não me falha, debaixo do mato e sobretudo dessas “carvalheiras” baixinhas. Nasciam e eram colhidas por alturas das primeiras chuvas e no Inverno e brotavam, no terreno húmido, debaixo dos arbustos rasteiros.

Arrancada a pútega com cuidado, era depois sugado o pequeno e tenro pé e recordo-me que era particularmente saboroso e bem agradável ao paladar. E… como bem me recordo desse belo sabor!...

Chegaram-me hoje imagens dessas saudosas pútegas e, aí, foi um desfilar de recordações que me passaram pela memória relativas aos felizes dias vividos na minha meninice na aldeia, na companhia de outros vizinhos e amigos ainda hoje felizmente na nossa convivência.

O António Rainha, o Fernando e o Manuel Carvalho, o Diamantino e o Álvaro Carloto, o João “da Calistra”, o Artur e o Alfredo “Paneiro”, o José Augusto “Montefato”, o Adriano Cruz “Ervilha”, o Armando Jorge, o José “Torres”, o Manuel João (já falecido) e o Tomé Dinis, o Manuel Espadinha  e… eu sei lá quantos mais, numa relação de gente bonita e amiga em que temo esquecer alguém…

Corríamos e saltávamos ligeiros que nem pardalitos, despreocupados, livres e felizes pelos montes e vales circundantes do Chouto e não precisávamos de ginásios e horas de ginástica, comíamos e bebíamos tudo o que nos surgia nos matos, nas hortas, nas ruas, sem preocupações de infecções ou males-estar, sem medo de drogas ou assaltos, sem saber o que eram sequestros ou raptos. 

E… como éramos felizes sem sabermos!...

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

A BANDEIRA NÃO É RODILHA!


A bandeira, seja de uma pequena colectividade de bairro ou aldeia, de uma grande associação ou clube, ou ainda de um qualquer país, pequeno ou grande no contexto das nações, não é um vulgar pano que se transporta aqui ou ali mas, antes e principalmente, é o símbolo máximo representativo dessas associações de pessoas em vivência colectiva e civilizada.

Exibidas em grandes ou pequenos, ricos ou pobres estandartes, as bandeiras são tratadas e exibidas com a dignidade e civilidade que a sua apresentação representa nas sociedades organizadas e civilizadas da nossa vivência em comunidade. Isto, felizmente, é o que encontramos e vemos por todo o canto do mundo, numa constância e num hábito que se torna exigível e obrigatório mas… há excepções… Lamentavelmente, por vezes, isso não acontece…


É o caso destes exemplos que apresento nestas duas fotos que circulam pela internet e que resolvi aqui juntar.

Se na da esquerda, numa ocorrência passada na varanda da Câmara Municipal de Lisboa anos atrás, a possamos tolerar, interpretando-a como resultante de uma grande distracção e desleixo, ainda que imperdoável, que dizer do apresentado na foto da direita no inadmissível processo como a Bandeira Nacional é manuseada?

Desconheço a identidade do personagem na esquerda na foto (clique para a ampliar) que será eventualmente um autarca e talvez um político local qualquer, mas parece-me reconhecer na direita a figura da Drª Assunção Cristas, presidente do CDS/PP, desconhecendo que papel ali desempenhava. O personagem portador da Bandeira Nacional naquelas incríveis condições mereceria ali mesmo uma forte reprimenda que eventualmente não terá acontecido por parte de Assunção Cristas a avaliar pelo seu sorridente rosto…. Isto para não falar e não ir tão longe no que alguns entenderão como merecedor de castigo porque, como sabemos, o mau trato e falta de respeito tido com o símbolo nacional é passível de pena no nosso Código Penal… 


E, vendo estas fotos e falando do respeito a que à nossa Bandeira Nacional é devido, veio-me à memória o por mim assistido várias vezes e, pelo menos nesta vez registado, num pequeno e distante povoado (Cavungo) bem no interior do muito distante leste angolano, durante a guerra colonial: quando a Bandeira Nacional de Portugal era içada ou arreada no aquartelamento, ouvindo-se o som do clarim alusivo à cerimónia, os nativos, passantes na via pública, numa manifestação de respeito cessavam a marcha e, em sentido, faziam honras ao símbolo nacional português. Isto, que não foi  minimamente encenado porque autêntico, vindo de gente inculta e impreparada, a sofrer as consequências de uma guerra de soberania, bem poderia servir de lição ao personagem político na foto da direita que ali trata indecentemente, que nem rodilha,  a nossa Bandeira Nacional.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

ARMANDO JORGE - REACÇÕES


Até hoje e na totalidade de algumas dezenas, tem sido muito interessante comprovar as reacções dos amigos comuns à minha anterior narração sobre o encontro realizado com o velho amigo Armando.

Como era de prever e porque todos nós há anos nos interrogávamos sobre o paradeiro dele e ansiávamos por notícias suas, o acolhimento do pessoal à divulgação do nosso encontro foi unanimemente bem acolhido e as reacções não se fizeram esperar.

Aqui pelo meu blogue passaram dezenas de amigos mas, foi no Facebook que optaram por deixar os seus muitos comentários. São todas elas manifestações de muita amizade e carinho para o nosso amigo e, porque achei algumas particularmente interessantes – a que no dá conta da troca dos “santinhos”, narrada e mostrada pela Antónia, filha da Perpetua Espadinha, nossa antiga companheira da Primária no Chouto, acho uma ternura… - resolvi trazê-las para aqui, para que fiquem registadas para a posteridade neste meu espaço e também porque pretendo passá-las a papel e enviá-las pelo correio ao Armando Jorge, avesso que é o rapaz a computadores e internet. 

Porquê essa aversão, não sei…

Acredito que ele vai apreciar estas reacções e comprovar como ainda hoje é estimado e acarinhado pelos seus muitos amigos de outrora!

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

ARMANDO JORGE - UM AMIGO DE SEMPRE!


Ontem um muito agradável e reconfortante encontro/almoço com o meu velho e particular amigo Armando Jorge, amigo grande de infância e adolescência que já não via e de quem pouco sabia para aí há mais de 40 anos!

Guardo do Armando grandes e bonitas recordações que ontem não ficaram totalmente rememoradas porque o almoço incluía mais 3 amigos dele e outras conversas decorreram mas ficaram aprazados mais encontros e mais almoços e assim será.

Iniciamos o nosso convívio e amizade por volta de meados da década de 50 do século passado quando éramos ainda crianças no Chouto, minha aldeia natal. O Armando chegou à aldeia nessa data, vindo com os pais e a irmã Maria José, quando o pai ali se estabeleceu com comércio de mercearia. Brincamos então muito nas ruas da aldeia e frequentamos ali a primária sob a batuta da professora Maria Angelina, mulher de maus fígados cujo fel derramava diariamente sobre os seus pobres e indefesos alunos. Mas, isso são outras histórias de que um dia hei-de aqui falar…

No Chouto brincamos e crescemos uns anitos quando, subitamente e por força da separação conflituosa dos seus progenitores, o seu pai, que ficou com os dois filhos, se mudou para Ulme, aldeia vizinha e aí, então com um comércio de taberna se instalou e, o Armando seguiu os seus estudos secundários na Chamusca. Eu, pela minha parte, para idênticos estudos, rumei a Lisboa onde estive 3 anos. De seguida voltei ao Chouto e “passeei os livros” em Torres Novas. Encontravamo-nos  por isso umas ou outras vezes e íamos falando sobre notas escolares, namoradinhas estudantes, etc.

Findo os estudos - no meu caso, os falsos estudos… - entramos no mercado do trabalho tendo eu ficado por Ulme, no escritório da Fábrica de Papel, enquanto o amigo Armando arranjou emprego numa seguradora em Lisboa. Seguiram-se depois para mim mais quase 4 anos de vida forçada de militar, com a inevitável guerra de África e o Armando levou esse período de avanço sobre mim porque, por via de uma deficiência na estrutura óssea das mãos, que todavia nunca o impediu até hoje de fazer a sua vida normal, se livrou da tropa, numa época maldita em que nenhum rapaz daquela idade dela se safava.

Terminada a guerra e vida militar, rumei também para Lisboa e foi então que os nossos destinos voltaram a cruzar-se.

Através de anúncio no “Diário de Notícias” encontrei e aluguei um quartito junto ao Martim Moniz e, como trabalhava no Rossio, por cima da Pastelaria Suíça, a coisa era pertinho. Mas o quartito era mesmo quartito… Não tinha grande jeito. Pequeno e com uma casa de banho onde não podia tomar o dito... Tinha de vir tomar banho a um balneário público no Poço do Borratem e lamentei-me ao Armando e ele fez-me um primeiro favor quando se lembrou que, na casa onde tinha o seu quarto, no Bairro Alto, havia outro vago.
- Se quiseres falo com a Dª Antónia e, se ela estiver interessada em arrendá-lo, vais para lá.- disse, solícito.

Aprovado pela senhora, e visitado que foi o quarto, mudei-me para lá, feliz e contente. Na época o Bairro Alto era coisa muito diferente da actual. Então era local de tabernas, bebedeiras e casas de "gado bravo” mas, o prédio onde ficava o quarto, na Rua da Atalaia, não era nada disso. Prédio bom, limpo, bom ambiente e boas condições.

Só saí da casa de Dª Antónia e do marido sr. António, um espanhol, proprietários de um restaurante junto ao Teatro da Trindade, para casar. Fui (fomos) sempre muito bem tratados pela Dª Antónia e pelo marido mas, ela tinha um fraquinho pelo Armando e via-me mais como “patinho feio”… O Armando tinha ido primeiro para lá, era – e é! – muito comunicativo e sociável e ela gostava particularmente dele. Uma bela noite o amigo Armando “mamou” mais um copinho, chegou tarde e… abrindo a porta do patim esqueceu-se da fechar... Na manhã seguinte a Dª Antónia levantou-se cedo, viu a porta escancarada e, esperando que eu saísse do quarto para a higiene pessoal na casa de banho ao fundo do corredor, atirou-se a mim:
- Então esta noite abriu a porta, entrou e esqueceu-se da fechar. Ficou toda a noite a porta aberta! É preciso ter mais cuidado! – atirou-me, com uma furiazinha indisfarçável.
Eu sabia que o Armando tinha chegado depois de mim e que tinha sido ele o “esquecido” e disse-lhe isso mesmo. O Armando saiu depois do quarto e pediu desculpa e, lembro-me bem da reacção dela:
- Ah, seu maroto! Ai, ai!

A conversa já vai longa mas ainda quero aqui lembrar mais duas ou três situações em que o meu velho amigo foi-me especialmente prestável: Uma vê-se na foto que junto, tirada no meu casamento em 1972. Não tinha coro para a cerimónia nem dinheiro para a orquestra que nos tocasse a Marcha Nupcial e, então, lembrei-me de gravar numa cassete a Marcha encarregando o Armando de a pôr a reproduzir na cerimónia através do gravador que ele segura. Gravador que tinha comprado antes da guerra, que fez toda a guerra pelo Leste e Norte de Angola e que ainda serviu para este especial momento. O Armando saiu-se a contento e lá tivemos a Marcha Nupcial no casamento. E, convenhamos, foi algo original, né?

E, duas outras vezes, particularmente significativas, prendem-se envolvendo um carro que comprei a prestações, ainda solteiro. Era um Fiat 124, creme, muito bonito, novinho a estrear e que me custou 70 contos (350 euros, na moeda de hoje).

Como morava no Bairro Alto em que os estacionamentos eram nulos eu, atrevido – ou ignorante? - deixei tempo infinitos o carro encima do passeio, meio encima, meio na faixa de rodagem. Na época a polícia não deixava aviso de multa no pára-brisas e… eu feliz e descansadinho da vida dia e noite... Eis senão quando, dentro de envelopes, começam a surgir-me carradas de multas. Primeiro eram multas aos pares e, depois, era já ás 4 e 5 juntas de cada vez! E eu estava em vésperas de me casar e todo o dinheirinho era pouco…
Falei com o Armando e dei-lhe conta da minha preocupação:
- Estou tramado, pá! Não sei quando pára esta merda e como me vou ver livre dela?...
Aí, solícito mais uma vez, ele acudiu-me:
- Não pagues ainda. Dá-me os talões que nós na Companhia temos uma colaboração estreita com a polícia e eu vou falar com o Comissário Virgílio (nome aqui fictício, por razões óbvias) e talvez ele arrume isso…
E foi mesmo o que aconteceu… Não paguei nenhuma, ou talvez tenha pago as primeiras chegadas... Eu dava ao Armando os talões de multa que me chegavam e o tal simpático Comissário “abafava” a coisa. Eficiente!

E ainda tivemos mais uma outra situação em que, oficialmente, o Comissário não entrou mas que, na realidade, talvez não tenha sido bem assim…

Eu casei e fui morar para a Reboleira, num apartamento da então famosa empresa J. Pimenta. Como trabalhava no Rossio, fazia um curto trajecto de carro e usava o comboio da linha de Sintra que apanhava na estação da Damaia. O Fiat ficava, como outros automóveis junto à estação e, quando retornava do trabalho, fazia o percurso inverso. Só que uma vez, saído do comboio na Damaia, vou à procura do carro e… estava lá o sítio… Fiquei aflitíssimo, como é bom de imaginar.
Procurei durante essa noite e no dia seguinte por todo o lado na zona da Amadora mas, do carrinho, nada… Foi então que me lembrei do nosso conhecido Comissário e telefonei ao Armando na perspectiva dele lhe pedir para movimentar a polícia procurando também… 
Mas o amigo Armando ainda foi mais longe: 
- A polícia conhece muitos gatunos de carros e vamos ver se eles detectam o gajo que levou o Fiat? Aguarda…
Algum tempo decorrido telefona-me o Armando:
- Olha pá, falei com o Comissário e nada feito. Os gajos que eles controlam não trabalham na zona da Amadora. Só por Lisboa.
Fiquei desapontado, como é bom de ver mas, não tardou muito esse desapontamento porque, na manhã seguinte, logo pelas sete da matina, a polícia bate-me à porta do apartamento informando-me que o carro tinha sido encontrado abandonado e devia ir levantá-lo na esquadra de Oeiras.
E foi assim, com influência ou não do Armando e seu amigo Comissário – nunca soube a realidade... - a verdade é que só estive pouco mais de 48 horas sem carro e… com poucos prejuízos: o bólide só tinha o tampão do depósito de combustível rebentado.

E, eis como, pelos episódios relatados, se constata que o amigo Armando tem sido mesmo amigo de verdade!

Mas tudo isto são histórias do passado, vividas por ele e por mim. Hoje, o meu amigo Armando Jorge, que teve a amabilidade de receber-me e mostrar-me a sua residência nos arredores de Lisboa, vive rodeado de recordações que se vêem por toda a casa, desde fotos nas paredes, em estantes e em álbuns, a caixas, vídeos e filmes das muitas viagens que fez pelo mundo e prepara-se para editar um livro de memórias que faço questão de ler. O amigo Armando, numa “herança” que veio de seu pai, igualmente prestativo e voluntarioso com tudo e todos, viveu muito o associativismo e foi mesmo dirigente destacado de várias associações e colectividades e foi certamente muito ao serviço delas e para elas que tanto viajou.
  
Mas, vive em dor e muito condicionado de movimentos este velho amigo desde há 3 anos a esta parte prestando assistência diária e contínua a sua esposa vítima de doença grave e irrecuperável. Desde essa data o meu amigo vive, vigilante e prestável para a sua amada, ainda que saiba que os dias dela a mais não irão que isso… Por vezes a vida torna-se madrasta e o Armando Jorge e sua esposa estão disso sentindo a dura experiência… Infelizmente.

Neste nosso encontro de ontem nem falamos dos casos que relatei acima e de outros mas já aprazamos nova oportunidade para nos reunirmos e rememorarmos velhos tempos, velhas vivências e velhas lembranças.

Assim acontecerá e assim possivelmente viveremos com os dias menos pesados e difíceis.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

EFEMÉRIDE


No dia em que se completam 23 anos sobre a sua morte – data em que fui propositadamente a Coimbra para estar no velório dos seus restos mortais antes de partirem para S. Martinho de Anta (Trás-os-Montes) onde, em campa rasa, o seu corpo ficou sepultado – , melhor que as minhas pobres palavras, a rica sabedoria de Miguel Torga, grande poeta, escritor, médico e homem sério e integro, a quem a Academia Sueca e o Mundo estão a dever um Nobel de Literatura. 

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

OS DOIS "JOÃO SEMANA" DO MEU TEMPO!


Fruto do meu hábito de tudo preservar, que já vem desde o tempo de criança de tenra idade quando guardava numa caixinha de camisas os poucos e pequeninos chocolates que me ofereciam – e que, depois, a “raposa” da minha irmã, embora mais nova que eu 5 anos, vinha sorrateiramente “limpar-me” e papar… - guardei e encontrei agora um pequenino bilhete nas velharias de meu falecido pai onde, para além de me recordar a doença de muitos anos de minha mãe (“tuberculose óssea”) e as muitas dores, preocupações e vicissitudes várias que ela e muitos de nós sofremos, encontro a referência a dois velhos e saudosos amigos que passaram pela Chamusca e seu vasto concelho, tratando e curando males sem limite.

Refiro-me a dois homens de saber e dedicação sem fim à causa pública e ao seu semelhante, com quem tive o imenso prazer de privar e, porque eram muito amigos de meu pai, por eles também era considerado estimado e acarinhado.

Falo de Armando Cumbre (médico) (à esquerda) e Joaquim Cabeça (farmacêutico) (à direita) que aqui titulo como dois verdadeiros e reais “João Semana” da Chamusca e suas muitas gentes, da vila e freguesias envolventes, porque aqui passaram e viveram curando mil e uma maleitas em condições muito difíceis e bem mais complicadas que as actuais.

Estes homens tudo e todos conheciam e a todos tratavam por igual, num esforço e numa dedicação só imaginável para quem as viu e viveu!

 O Dr. Cumbre a todos atendia e tratava no seu consultório, na rua hoje com o seu nome atribuído muito justamente – muitas vezes usando a sua tão para nós já bem familiar expressão “Ah cão!” – e, muitas vezes, por estradas e caminhos bem difíceis e quase impróprios, deslocava-se mesmo a casa dos seus doentes que tratava com desvelo e sabedoria. Recordo-me bem de o ver ir ao Chouto ou passar por ali e, parando para cumprimentar o meu pai, lhe dava conta da razão que ali o levara. Outras vezes, era mesmo o meu pai que lhe dava notícia de situação mais preocupante e lhe pedia a sua ajuda e saber. E sempre acorria solicito e voluntário o bom do Dr. Cumbre! 

E Joaquim Cabeça, o farmacêutico e tantas e tantas vezes médico de tudo e todos? Um encanto de homem e amigo! Pessoa de muita experiência e saber, atendia como ninguém os seus doentes e a todos acudia e tratava. Toda uma vida naquela farmácia do Largo do Coreto, hoje com o seu nome, numa decisão a todos os títulos louvável! Toda uma vida a ajudar e cuidar de tantas e tantas dores e de tantos e tantos males! E quantas vezes a entrega de remédios sem o correspondente pagamento por dificuldade económica do doente? Joaquim Cabeça a todos acudia e ajudava. Sem dúvida um homem de bem! Sem dúvida um homem bom! 

Pelo exposto e não só, porque muito e muito mais haveria a dizer sobre estes dois grandes homens, os considerei verdadeiros e reais “João Semana” da minha existência!

Se não e para reforçar a minha opinião, leia-se o “bilhetinho” de Joaquim Cabeça para meu pai de que falo no início e que foi a razão deste meu apontamento…

Passo a transcrever: “Caro José. Aqui te envio estas 6 injecções que mandou o nosso Exmº Amigo Dr. Cumbre. Telefonou-me para eu te as mandar e dizer-te que é para dares a tua mulher (a quem desejo as melhoras) uma numa nádega e outra na outra, isto é, continuas a dar com o cálcio que estás a dar. Na próxima quinta ou sexta-feira vens cá para ele te dizer algo sobre o assunto, pois já cá deve ter o relatório e radiografia. Dispõe sempre do Amigo sincero. Chamusca, 13/2/62.”  (De notar o detalhe de escrever por duas vezes "amigo" com "A" maiúsculo.)

Este foi o conteúdo do bilhete de Joaquim Cabeça para meu pai, levado certamente por algum portador que, tendo ido à farmácia, retornaria ao Chouto e Joaquim Cabeça pediu-lhe o favor. O amigo Cabeça mais não foi que intermediário entre Dr. Cumbre e meu pai. Por saber que meu pai sempre que ia à Chamusca não passava sem ir cumprimentar o amigo na farmácia, tratou de lhe pedir que intermediasse.

E eis como de um simples, velho e amarrotado bilhete de 1962 parti para rememorar e homenagear a memória de dois bons amigos e expressar o privilégio de em vida privar e beneficiar do trato e da estima destes verdadeiros senhores! 

Os, por mim considerados, “João Semana” do meu tempo!

Honra a eles, que para sempre serão lembrados!

Bem hajam e que descansem em paz!

(Fotos retiradas da extinta revista "Chamusca Ilustrada")



quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

OS ARROZAIS E AS AGRURAS DA VIDA



Eis um dos trabalhos mais difíceis e árduos que, tempos atrás – e não foram tão atrás quanto isso... –, eram executados pelas muitas mulheres da minha aldeia natal e não só ali, como é natural – muitas delas felizmente ainda vivas! – nos campos de arrozais da freguesia, num esforço muito grande e suportado muitas vezes de Sol a Sol.

Aqui, nestas imagens, vemos o plantar do arroz e o tratar da terra dos canteiros mas, depois, tínhamos ainda, num trabalho não menos difícil e árduo, a chamada “monda”, onde igual sacrifício era pedido às muitas mulheres que, cravadas no terreno lamacento e doentio dos canteiros e, vergadas toda a hora, retiravam as ervas daninhas para que a planta pudesse crescer livre e eficazmente e, finalmente, tínhamos a ceifa que, nos tempos actuais já se faz com as modernas ceifeiras debulhadoras mas que, no antanho, era executada pelo esforçado trabalho braçal de mulheres e homens.


Nos falados canteiros e arrozais elas, como também os muitos homens que cavavam horas infindáveis, com grandes enxadas a terra lamacenta e pesada, muitas vezes enterrados até quase aos joelhos, ganharam a vida, criaram os filhos e, comendo a fraca merenda, chegados a casa, já com a noite a cair, molhados, suados e de roupas e corpos mais que sujos, a bem precisarem de um retemperador banho que, como bem sabemos, muitas vezes era bastante difícil de usufruir nas suas humildes habitações sem água canalizada e sem instalações sanitárias, viveram assim anos e anos a fio, gerações de amigos meus conterrâneos, num ritual e num sacrifício que se repetia sazonalmente, sem um queixume, sem um lamento, sem uma revolta.

Gente trabalhadora, gente honrada e gente sofrida, bem merecedora de uma homenagem pequena que fosse mas que, todavia e lamentavelmente, nunca vi ser-lhe prestada…

Aqui lhes deixo o meu apreço, a minha grande admiração e a minha forte estima!

(Fotos retiradas da net.)