sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

OS DOIS "JOÃO SEMANA" DO MEU TEMPO!


Fruto do meu hábito de tudo preservar, que já vem desde o tempo de criança de tenra idade quando guardava numa caixinha de camisas os poucos e pequeninos chocolates que me ofereciam – e que, depois, a “raposa” da minha irmã, embora mais nova que eu 5 anos, vinha sorrateiramente “limpar-me” e papar… - guardei e encontrei agora um pequenino bilhete nas velharias de meu falecido pai onde, para além de me recordar a doença de muitos anos de minha mãe (“tuberculose óssea”) e as muitas dores, preocupações e vicissitudes várias que ela e muitos de nós sofremos, encontro a referência a dois velhos e saudosos amigos que passaram pela Chamusca e seu vasto concelho, tratando e curando males sem limite.

Refiro-me a dois homens de saber e dedicação sem fim à causa pública e ao seu semelhante, com quem tive o imenso prazer de privar e, porque eram muito amigos de meu pai, por eles também era considerado estimado e acarinhado.

Falo de Armando Cumbre (médico) (à esquerda) e Joaquim Cabeça (farmacêutico) (à direita) que aqui titulo como dois verdadeiros e reais “João Semana” da Chamusca e suas muitas gentes, da vila e freguesias envolventes, porque aqui passaram e viveram curando mil e uma maleitas em condições muito difíceis e bem mais complicadas que as actuais.

Estes homens tudo e todos conheciam e a todos tratavam por igual, num esforço e numa dedicação só imaginável para quem as viu e viveu!

 O Dr. Cumbre a todos atendia e tratava no seu consultório, na rua hoje com o seu nome atribuído muito justamente – muitas vezes usando a sua tão para nós já bem familiar expressão “Ah cão!” – e, muitas vezes, por estradas e caminhos bem difíceis e quase impróprios, deslocava-se mesmo a casa dos seus doentes que tratava com desvelo e sabedoria. Recordo-me bem de o ver ir ao Chouto ou passar por ali e, parando para cumprimentar o meu pai, lhe dava conta da razão que ali o levara. Outras vezes, era mesmo o meu pai que lhe dava notícia de situação mais preocupante e lhe pedia a sua ajuda e saber. E sempre acorria solicito e voluntário o bom do Dr. Cumbre! 

E Joaquim Cabeça, o farmacêutico e tantas e tantas vezes médico de tudo e todos? Um encanto de homem e amigo! Pessoa de muita experiência e saber, atendia como ninguém os seus doentes e a todos acudia e tratava. Toda uma vida naquela farmácia do Largo do Coreto, hoje com o seu nome, numa decisão a todos os títulos louvável! Toda uma vida a ajudar e cuidar de tantas e tantas dores e de tantos e tantos males! E quantas vezes a entrega de remédios sem o correspondente pagamento por dificuldade económica do doente? Joaquim Cabeça a todos acudia e ajudava. Sem dúvida um homem de bem! Sem dúvida um homem bom! 

Pelo exposto e não só, porque muito e muito mais haveria a dizer sobre estes dois grandes homens, os considerei verdadeiros e reais “João Semana” da minha existência!

Se não e para reforçar a minha opinião, leia-se o “bilhetinho” de Joaquim Cabeça para meu pai de que falo no início e que foi a razão deste meu apontamento…

Passo a transcrever: “Caro José. Aqui te envio estas 6 injecções que mandou o nosso Exmº Amigo Dr. Cumbre. Telefonou-me para eu te as mandar e dizer-te que é para dares a tua mulher (a quem desejo as melhoras) uma numa nádega e outra na outra, isto é, continuas a dar com o cálcio que estás a dar. Na próxima quinta ou sexta-feira vens cá para ele te dizer algo sobre o assunto, pois já cá deve ter o relatório e radiografia. Dispõe sempre do Amigo sincero. Chamusca, 13/2/62.”  (De notar o detalhe de escrever por duas vezes "amigo" com "A" maiúsculo.)

Este foi o conteúdo do bilhete de Joaquim Cabeça para meu pai, levado certamente por algum portador que, tendo ido à farmácia, retornaria ao Chouto e Joaquim Cabeça pediu-lhe o favor. O amigo Cabeça mais não foi que intermediário entre Dr. Cumbre e meu pai. Por saber que meu pai sempre que ia à Chamusca não passava sem ir cumprimentar o amigo na farmácia, tratou de lhe pedir que intermediasse.

E eis como de um simples, velho e amarrotado bilhete de 1962 parti para rememorar e homenagear a memória de dois bons amigos e expressar o privilégio de em vida privar e beneficiar do trato e da estima destes verdadeiros senhores! 

Os, por mim considerados, “João Semana” do meu tempo!

Honra a eles, que para sempre serão lembrados!

Bem hajam e que descansem em paz!

(Fotos retiradas da extinta revista "Chamusca Ilustrada")



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