sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

ARMANDO JORGE - UM AMIGO DE SEMPRE!


Ontem um muito agradável e reconfortante encontro/almoço com o meu velho e particular amigo Armando Jorge, amigo grande de infância e adolescência que já não via e de quem pouco sabia para aí há mais de 40 anos!

Guardo do Armando grandes e bonitas recordações que ontem não ficaram totalmente rememoradas porque o almoço incluía mais 3 amigos dele e outras conversas decorreram mas ficaram aprazados mais encontros e mais almoços e assim será.

Iniciamos o nosso convívio e amizade por volta de meados da década de 50 do século passado quando éramos ainda crianças no Chouto, minha aldeia natal. O Armando chegou à aldeia nessa data, vindo com os pais e a irmã Maria José, quando o pai ali se estabeleceu com comércio de mercearia. Brincamos então muito nas ruas da aldeia e frequentamos ali a primária sob a batuta da professora Maria Angelina, mulher de maus fígados cujo fel derramava diariamente sobre os seus pobres e indefesos alunos. Mas, isso são outras histórias de que um dia hei-de aqui falar…

No Chouto brincamos e crescemos uns anitos quando, subitamente e por força da separação conflituosa dos seus progenitores, o seu pai, que ficou com os dois filhos, se mudou para Ulme, aldeia vizinha e aí, então com um comércio de taberna se instalou e, o Armando seguiu os seus estudos secundários na Chamusca. Eu, pela minha parte, para idênticos estudos, rumei a Lisboa onde estive 3 anos. De seguida voltei ao Chouto e “passeei os livros” em Torres Novas. Encontravamo-nos  por isso umas ou outras vezes e íamos falando sobre notas escolares, namoradinhas estudantes, etc.

Findo os estudos - no meu caso, os falsos estudos… - entramos no mercado do trabalho tendo eu ficado por Ulme, no escritório da Fábrica de Papel, enquanto o amigo Armando arranjou emprego numa seguradora em Lisboa. Seguiram-se depois para mim mais quase 4 anos de vida forçada de militar, com a inevitável guerra de África e o Armando levou esse período de avanço sobre mim porque, por via de uma deficiência na estrutura óssea das mãos, que todavia nunca o impediu até hoje de fazer a sua vida normal, se livrou da tropa, numa época maldita em que nenhum rapaz daquela idade dela se safava.

Terminada a guerra e vida militar, rumei também para Lisboa e foi então que os nossos destinos voltaram a cruzar-se.

Através de anúncio no “Diário de Notícias” encontrei e aluguei um quartito junto ao Martim Moniz e, como trabalhava no Rossio, por cima da Pastelaria Suíça, a coisa era pertinho. Mas o quartito era mesmo quartito… Não tinha grande jeito. Pequeno e com uma casa de banho onde não podia tomar o dito... Tinha de vir tomar banho a um balneário público no Poço do Borratem e lamentei-me ao Armando e ele fez-me um primeiro favor quando se lembrou que, na casa onde tinha o seu quarto, no Bairro Alto, havia outro vago.
- Se quiseres falo com a Dª Antónia e, se ela estiver interessada em arrendá-lo, vais para lá.- disse, solícito.

Aprovado pela senhora, e visitado que foi o quarto, mudei-me para lá, feliz e contente. Na época o Bairro Alto era coisa muito diferente da actual. Então era local de tabernas, bebedeiras e casas de "gado bravo” mas, o prédio onde ficava o quarto, na Rua da Atalaia, não era nada disso. Prédio bom, limpo, bom ambiente e boas condições.

Só saí da casa de Dª Antónia e do marido sr. António, um espanhol, proprietários de um restaurante junto ao Teatro da Trindade, para casar. Fui (fomos) sempre muito bem tratados pela Dª Antónia e pelo marido mas, ela tinha um fraquinho pelo Armando e via-me mais como “patinho feio”… O Armando tinha ido primeiro para lá, era – e é! – muito comunicativo e sociável e ela gostava particularmente dele. Uma bela noite o amigo Armando “mamou” mais um copinho, chegou tarde e… abrindo a porta do patim esqueceu-se da fechar... Na manhã seguinte a Dª Antónia levantou-se cedo, viu a porta escancarada e, esperando que eu saísse do quarto para a higiene pessoal na casa de banho ao fundo do corredor, atirou-se a mim:
- Então esta noite abriu a porta, entrou e esqueceu-se da fechar. Ficou toda a noite a porta aberta! É preciso ter mais cuidado! – atirou-me, com uma furiazinha indisfarçável.
Eu sabia que o Armando tinha chegado depois de mim e que tinha sido ele o “esquecido” e disse-lhe isso mesmo. O Armando saiu depois do quarto e pediu desculpa e, lembro-me bem da reacção dela:
- Ah, seu maroto! Ai, ai!

A conversa já vai longa mas ainda quero aqui lembrar mais duas ou três situações em que o meu velho amigo foi-me especialmente prestável: Uma vê-se na foto que junto, tirada no meu casamento em 1972. Não tinha coro para a cerimónia nem dinheiro para a orquestra que nos tocasse a Marcha Nupcial e, então, lembrei-me de gravar numa cassete a Marcha encarregando o Armando de a pôr a reproduzir na cerimónia através do gravador que ele segura. Gravador que tinha comprado antes da guerra, que fez toda a guerra pelo Leste e Norte de Angola e que ainda serviu para este especial momento. O Armando saiu-se a contento e lá tivemos a Marcha Nupcial no casamento. E, convenhamos, foi algo original, né?

E, duas outras vezes, particularmente significativas, prendem-se envolvendo um carro que comprei a prestações, ainda solteiro. Era um Fiat 124, creme, muito bonito, novinho a estrear e que me custou 70 contos (350 euros, na moeda de hoje).

Como morava no Bairro Alto em que os estacionamentos eram nulos eu, atrevido – ou ignorante? - deixei tempo infinitos o carro encima do passeio, meio encima, meio na faixa de rodagem. Na época a polícia não deixava aviso de multa no pára-brisas e… eu feliz e descansadinho da vida dia e noite... Eis senão quando, dentro de envelopes, começam a surgir-me carradas de multas. Primeiro eram multas aos pares e, depois, era já ás 4 e 5 juntas de cada vez! E eu estava em vésperas de me casar e todo o dinheirinho era pouco…
Falei com o Armando e dei-lhe conta da minha preocupação:
- Estou tramado, pá! Não sei quando pára esta merda e como me vou ver livre dela?...
Aí, solícito mais uma vez, ele acudiu-me:
- Não pagues ainda. Dá-me os talões que nós na Companhia temos uma colaboração estreita com a polícia e eu vou falar com o Comissário Virgílio (nome aqui fictício, por razões óbvias) e talvez ele arrume isso…
E foi mesmo o que aconteceu… Não paguei nenhuma, ou talvez tenha pago as primeiras chegadas... Eu dava ao Armando os talões de multa que me chegavam e o tal simpático Comissário “abafava” a coisa. Eficiente!

E ainda tivemos mais uma outra situação em que, oficialmente, o Comissário não entrou mas que, na realidade, talvez não tenha sido bem assim…

Eu casei e fui morar para a Reboleira, num apartamento da então famosa empresa J. Pimenta. Como trabalhava no Rossio, fazia um curto trajecto de carro e usava o comboio da linha de Sintra que apanhava na estação da Damaia. O Fiat ficava, como outros automóveis junto à estação e, quando retornava do trabalho, fazia o percurso inverso. Só que uma vez, saído do comboio na Damaia, vou à procura do carro e… estava lá o sítio… Fiquei aflitíssimo, como é bom de imaginar.
Procurei durante essa noite e no dia seguinte por todo o lado na zona da Amadora mas, do carrinho, nada… Foi então que me lembrei do nosso conhecido Comissário e telefonei ao Armando na perspectiva dele lhe pedir para movimentar a polícia procurando também… 
Mas o amigo Armando ainda foi mais longe: 
- A polícia conhece muitos gatunos de carros e vamos ver se eles detectam o gajo que levou o Fiat? Aguarda…
Algum tempo decorrido telefona-me o Armando:
- Olha pá, falei com o Comissário e nada feito. Os gajos que eles controlam não trabalham na zona da Amadora. Só por Lisboa.
Fiquei desapontado, como é bom de ver mas, não tardou muito esse desapontamento porque, na manhã seguinte, logo pelas sete da matina, a polícia bate-me à porta do apartamento informando-me que o carro tinha sido encontrado abandonado e devia ir levantá-lo na esquadra de Oeiras.
E foi assim, com influência ou não do Armando e seu amigo Comissário – nunca soube a realidade... - a verdade é que só estive pouco mais de 48 horas sem carro e… com poucos prejuízos: o bólide só tinha o tampão do depósito de combustível rebentado.

E, eis como, pelos episódios relatados, se constata que o amigo Armando tem sido mesmo amigo de verdade!

Mas tudo isto são histórias do passado, vividas por ele e por mim. Hoje, o meu amigo Armando Jorge, que teve a amabilidade de receber-me e mostrar-me a sua residência nos arredores de Lisboa, vive rodeado de recordações que se vêem por toda a casa, desde fotos nas paredes, em estantes e em álbuns, a caixas, vídeos e filmes das muitas viagens que fez pelo mundo e prepara-se para editar um livro de memórias que faço questão de ler. O amigo Armando, numa “herança” que veio de seu pai, igualmente prestativo e voluntarioso com tudo e todos, viveu muito o associativismo e foi mesmo dirigente destacado de várias associações e colectividades e foi certamente muito ao serviço delas e para elas que tanto viajou.
  
Mas, vive em dor e muito condicionado de movimentos este velho amigo desde há 3 anos a esta parte prestando assistência diária e contínua a sua esposa vítima de doença grave e irrecuperável. Desde essa data o meu amigo vive, vigilante e prestável para a sua amada, ainda que saiba que os dias dela a mais não irão que isso… Por vezes a vida torna-se madrasta e o Armando Jorge e sua esposa estão disso sentindo a dura experiência… Infelizmente.

Neste nosso encontro de ontem nem falamos dos casos que relatei acima e de outros mas já aprazamos nova oportunidade para nos reunirmos e rememorarmos velhos tempos, velhas vivências e velhas lembranças.

Assim acontecerá e assim possivelmente viveremos com os dias menos pesados e difíceis.

2 comentários:

Roberto Menks disse...

O passado, às vezes, nós rivigora. Belíssima crônica!

Victor Azevedo disse...

É isso, amigo Roberto.
Em Portugal costumamos dizer "recordar é viver" e, quando o passado é bonito e gratificante o viver torna-se assim ainda amais bonito!
Obrigado pelo comentário, velho amigo!
Abraço para o Maranhão!