quinta-feira, 25 de junho de 2020

CHOUTO - VIVER SEM ELECTRICIDADE


Porque hoje passa o 48º aniversário da chegada da energia electrica ao meu Chouto natal, ocorre-me redigir meia dúzia de linhas recordando como foi nascer, crescer e viver até aos 27 anos de idade sem a preciosa electricidade que para outras terras e outras paragens vizinhas – ainda que não sedes de freguesia, como o pobre Chouto… - era bem de que há muito usufruíam.

E, porque o homem é animal que facilmente se adapta às circunstâncias, a coisa era sentida, se bem que com indignação, é verdade, mas também com a forçada conformidade porque havia que viver consoante as circunstâncias, tanto mais que outra solução não tínhamos…


Nas residências, nas 24 horas do dia, sentia-se a grande falta dos hoje tão normais e corriqueiros electrodomésticos - frigoríficos, televisores, rádios sobretudo - acontecendo que, com o pôr-do sol e o cair da noite, o problema se agravava sendo então necessário recorrer ao uso dos velhinhos candeeiros a petróleo que nos forneciam a pouca mas imprescindível luminosidade.

Nas ruas existiam uns quantos candeeiros públicos (meia dúzia, ou pouco mais que isso...) fixados nas paredes exteriores de algumas casas, alguns em gavetos de ruas, mas que nem todas as noites eram acesos. A Junta de Freguesia na época vivia com muita escassez de meios financeiros e o dinheiro para o petróleo faltava… Quando o havia lá ia então o zelador, o saudoso Raul dos Santos, de escada às costas tratar de abastecer e acender os candeeiros que tão úteis eram nas noites mais escuras. Não iluminavam muito, como é lógico, mas ainda assim eram úteis porque serviam de referência na escuridão. Nas noites de luar, sobretudo no Verão, a sua falta não era assim tão sentida, tanto mais que conhecíamos bem as ruas da aldeia.

(Mas, aqui para nós que ninguém nos ouve, as noites escuras e a falta de candeeiros acesos, também tinha certa utilidade para alguns personagens, sendo que estou a lembrar-me de alguém, “amigo do alheio”, que por sinal até estava bem referenciado mas que, ainda assim, uma vez ou outra actuava pela calada da noite escura… Mas, não era só esse cidadão que beneficiava da negra noite porque ela era também útil para uma ou outra paixoneta (eu soube de duas que disso “lucraram”...) que permitia que os “atrevidos” cavalheiros saltassem as “cancelas”… E havia disso na aldeia, sim… E, a propósito, alguém escrevia a este pobre escriba, que na época na guerra andava: “À noite, enquanto os pais dormem, ela abre-lhe a janela e ele salta para dentro”. É... a falta da luz electrica também trazia algumas vantagens…) 

Mas, fechado o parêntesis, retornemos à narrativa dos dias sem electricidade na aldeia…
Nos estabelecimentos públicos e sobretudo nos que funcionavam também de noite, caso de tabernas, barbearias, alfaiatarias, etc e até da Sociedade Recreativa então com muita actividade, era usado o chamado “petromax” que, embora consumisse mais que o tradicional candeeiro de torcida que usávamos nas casas de habitação, dava uma luz bem mais clara e intensa. Fazia um ligeiro ruído mas iluminava muito bem.

Nas nossas residências utilizávamos então os velhinhos candeeiros de torcida, sendo que havia os de pé alto, os mais utilizados, mas também existiam uns outros mais baixos em que a base de suporte era o próprio depósito do combustível. Esses, para melhor facilitar o seu transporte, tinham como que uma pega acoplada, assim como que fosse a asa de uma caneca ou chávena. Mas os mais utilizados eram sem dúvida os de pé alto, com alguns deles bem bonitos, por sinal. Deixo aí imagens de candeeiros que usávamos, inclusive uma de outro tipo menos usual mas que me lembro bem dos meus avós utilizarem não tanto em casa mas na rua e sobretudo nos palheiros, quando queriam visitar o gado. Tinham um arco amovível que servia de pega e eram mais práticos para transportar na mão e, na escuridão intensa, até produziam uma luz bem aceitável e facilitavam os eventuais movimentos manuais.

Mas não termino sem aqui deixar uma pequena lembrança que sempre me ocorre quando vejo os candeeiros a petróleo de pé alto que tão úteis tínhamos nas nossas casas.

Esses candeeiros eram os que usávamos em casa de meus pais, utilizando dois ou três, consoante as divisões que precisávamos de iluminar, sendo colocados habitualmente em cima de um móvel ou até mesmo na mesa da refeição para melhor vermos os alimentos. Em algumas casas usavam também colocá-los num pequeno suporto fixado numa parede da cozinha, evitando assim um ou outro toque e queda, com consequente quebra no solo.

Na época e porque na zona cultivava-se muito o arroz, abundavam as melgas que nos incomodavam por demais logo que a noite caía, acontecendo que, como não tinham luz nas ruas, elas infiltravam-se nas casas ainda que tivéssemos  a contínua preocupação de sempre manter portas e janelas fechadas.

Mas, as danadas, por aqui ou por ali, conseguiam sempre entrar e fortemente nos brindar com as suas horríveis picadas. Dizíamos então, vá lá saber-se porquê, que nos… mordiam.

Eu que tinha o hábito vindo de anos de sempre ler umas páginas de livro ou revista todas as noites antes de dormir, para as "fintar" usava um velho truque antes de adormecer, de forma que não me picassem durante a noite... E se só uma danada incomodava que se fartava, imagine-se um “enxame” delas como as que todas as noites me brindavam enquanto lia na cama… Zum, zum, zum!!! Ás centenas, as desgraçadas sobre a minha cabeça!…

E que fazia eu para as enganar, de forma a que me deixassem em paz durante o sono?

Os meus pais ensinaram-me desde miúdo e eu isso sempre fazia: Antes de adormecer levantava-me, pegava no candeeiro e colocava-o no corredor à saída da porta do quarto e encostava a porta de forma a ficar com uma pequenina fresta, de 2,3 cms. ficando portanto o quarto em semi-escuridão. Esperava uns curtos 2,3 minutos e as desgraçadas passavam todinhas para o corredor iluminado. Ficava então à  escuta e, não ouvindo uma única dentro do quarto, punha a cabecinha de fora da porta e… zás, soprava pela chaminé e apagava o candeeirinho, fechando de imediato a porta.

Era truque que nunca falhava e eu dormia sem a indesejável presença daquelas danadas.

E pronto. Aqui ficam umas pequenas historietas da infância e juventude do ”je” no pobre e enjeitado Chouto sem luz electrica e durante muitos anos abandonado pelas entidades competentes.

Mas eu, depois dos meus 15 anos, continuamente na imprensa não deixava que esquecessem a falta da luz no meu Chouto e martelava, martelava e martelava no assunto, até que em 1972 me calaram… 

A voz era fraquinha e o seu efeito seria mínimo mas o “charnequenho” abandonado ficava ciente que cumpria a sua missão...