terça-feira, 25 de junho de 2019

QUANDO EU ERA "REGUILA"...


É mesmo verdade e, digamos que é da natureza humana: Com o avançar dos anos, com o somar dos aniversários e atingida que é uma determinada idade, começam a nascer na mente do “jovem de ontem” as recordações do caminho percorrido, as memórias das vivências sentidas, o rememorar dos dias e das situações passadas.

Está a passar-se comigo isso mesmo e vou aproveitando para registar por escrito o que a memória me trás sobre os dias passados e as alegrias, tristezas e vivências sentidas nos dias e anos vencidos. Penso depois passá-las a papel e a livro e pode ser que alguém um dia, quando este pobre escriba já for pó as leia,  eventualmente se divirta, ou então ache que fui muito atrevido, corajoso  talvez (sendo que outros me achariam então provocador…) e de certeza bastante “reguila” e serei nesta hora que corre meio sonhador, meio lunático...

Sim, porque só um “maluco” atrevido, ia “clandestino” a uma bruxa que andava a endoidecer na aldeia quem nela acreditava, provocando com a sua divulgação no jornal um enorme escândalo; escrevia que na sua freguesia tinha gente que vivia sem conhecer a então Previdência, hoje Segurança Social e no tempo feudal (Cantaro); e outra era escravizada a carregar por dezenas de kms os seus mortos para o Chouto por falta de cemitério na sua terra (Parreira/Salvador).Tudo isto em difíceis tempos passados, no dito chamado “da outra senhora”, em 1ªs páginas e com letras garrafais, sem receio da censura e de ser visto como do “contra”, do “reviralho”. E bem se sabia o que acontecia aos do “reviralho”...

As maluquices e os atrevimentos que tive, escrevi e publiquei, hoje admiram-me pela coragem de então e não sei se hoje as repetiria…

Coisas dos "vintes" anos... Coisas de juventude que queria mudar o mundo... Coisas de lunático...

Pensava em tudo isso quando me recordei que passam hoje 47 anos sobre a data (25/6/1972) da chegada ao meu Chouto natal da energia electrica, coisa porque tanto me bati em jornais, entrevistas, correspondências, etc. Pessoalmente não tinha força absolutamente nenhuma, era um verdadeiro “zero à esquerda”, mas não me calava...

Porque a minha freguesia era a única - e foi-o durante muitos anos! - que não tinha energia electrica, em detrimento de outros povoados que, sem serem sede de freguesia a tinham, fazia barulho e procurava lembrar e pressionar as pessoas e os organismos e, nem no dia da inauguração da luz, em pleno almoço festivo comemorativo, servido com pompa no salão do edifício da Junta de Freguesia e na presença de diversas autoridades civis, militares e religiosas, com destaque para os presidentes de várias Juntas de Freguesia, do Presidente da Câmara da Chamusca e sobretudo do Eng.º Carlos Amaral Neto que era só (!) a 2ª figura do Estado, porque era o Presidente da então Assembleia Nacional, este rapaz se calou, tendo atrevidamente destoado de todos os discursos alegres e festivos da hora que se vivia.

Na verdade, botei palavra de improviso durante uns extensos minutos e, embora manifestando o meu regozijo pela chegada da luz electrica, embora muito tardia, lembrei detalhadamente o muito que ainda era preciso realizar na minha terra. E recordei um ribeiro que era urgente tapar, a água que era necessária chegar, etc.

Fui muito contra a corrente da hora mas eu não podia perder a ocasião de me fazer ouvir pelas entidades oficiais e elas estavam ali à minha frente, em carne e osso e tinha que lhes dizer cara-a-cara como a minha terra estava esquecida, abandonada e… ofendida.

Ninguém me encomendou o sermão, certamente fui um bocado inconveniente mas, fiquei aliviado. Muito aliviado. Fiquei mesmo satisfeito.

Em resposta o Presidente da Câmara (o Presidente da Junta, por incrível que pareça, não usou da palavra em hora tão festiva para a freguesia…) manifestou regozijo pela inauguração e sobre as minhas pretensões disse que elas estavam inseridas no conjunto das aspirações do restante concelho (coisa que todos eles falavam bem mas não cumpriam, porque o Chouto estava sempre em último, dos últimos lugares…) e prometeu a água em breve (situação em que falhou redondamente porque ela só chegou muitos anos depois…).tendo afirmado mesmo “Portanto, amigo Victor Azevedo, vamos a pensar noutra coisa porque essa está arrumada.” Pois… até parecia que era verdade...

No final registei com gosto e algum prazer, devo confessar, que vi o eng Amaral Neto levantar-se do seu lugar para me vir cumprimentar na outra ponta da mesa, ao mesmo tempo que me dizia ao ouvido:
- Chore, amigo Victor Azevedo, chore porque… quem não chora não mama!…

Está tudo narrado de forma detalhada nas páginas do então “Jornal da Chamusca” (à excepção do conteúdo deste ultimo conselho porque me foi dito ao ouvido) e dela deixo aí uns pequenos recortes, deixando também uma foto da entrada das entidades oficiais para o almoço comemorativo da inauguração da energia electrica na bonita terra que me viu nascer.

E, como já disse, acho que hoje já não teria “estaleca” para tamanhas “reguilices”...

segunda-feira, 24 de junho de 2019

VENDI LIVROS DE PORTA-EM-PORTA (2)


“LIVROS A METRO”, A “GABRIELA” E OUTRAS PATUSCAS HISTÓRIAS


Nestas andanças a bater de porta em porta, a contactar e até mesmo a conviver diariamente com muita gente, vivi muitas e diversas situações que hoje, recorrendo à minha memória e ao correr do teclado, me proponho partilhar.

Todas as situações narradas são absolutamente verídicas, ainda que algumas pareçam fantasia como aquela em que uma jovem, bonita, loira e elegante senhora me abriu a porta de casa apenas envolta num alvo toalhão de banho, seguro pelos… dentes… Lembro-me que, para me saudar e cumprimentar, sem correr o risco de mostrar as suas certamente belas curvas – e não só… - usou depois a mão esquerda como suporte do toalhão enquanto me estendia a direita em respeitoso (?...) cumprimento...  Verdade! Tão verdade como agora aqui estar a carregar nestas teclas…

Na época este escriba era profissionalmente empregado de escritório, convivendo diariamente num gabinete com mais duas simpáticas e respeitáveis senhoras (Lurdes e Madalena) num excelente ambiente que ganhou raízes de amizade que ainda hoje perduram.. Como o trabalho era pouco conversavamos muito e, eu, falador e extrovertido como era, contava-lhes muitas das minhas vivências de porta em porta mas, esta da loira de toalhão, nunca contei, não… 

(Deixo aí, em foto da época, a imagem da fachada principal do nosso escritório da Sociedades Reunidas Reis, ao lado da Pastelaria Suiça, num 1º andar do Rossio lisboeta, sendo que o nosso gabinete dava para a Praça da Figueira, na fachada traseira).

Mas as colegas Lurdes e Madalena acompanhavam com interesse e mesmo algum carinho a minha trabalheira e, a propósito da minha admissão no escritório até acho interessante aqui recordar, coisa que só soube muito depois de abandonar a profissão e deixar o contacto diário com as duas senhoras, desvendado por uma delas muito posteriormente que, quando entrei ao serviço, para ali levado por um dos dois patrões da firma, que fazia o favor de ser meu amigo, que então fui olhado pelo pessoal com uma boa dose de desconfiança… Admitido e de confiança do patrão? “Cuidado com o gajo!”. “Vamos ficar de pé atrás com o bicho! Talvez seja um bufo”...


E, afinal, o que aconteceu durante os vários anos que fui seu colega? Fui eleito e reeleito por eles como Delegado Sindical – antes do 25 de Abril, note-se… - e membro da Comissão de Trabalhadores, após Abril. Defendi sempre os interesses de todos – que também eram os meus… - e convivi sempre perfeitamente com a Administração da empresa. Não foi fácil, sobretudo depois de 1974, fazer essa “ponte” mas cumpri as minhas missões de forma que me orgulho. Sem vaidade, porque natural.

Mas voltemos às minhas colegas de gabinete e ao Circulo de Leitores…

Vivíamos no tempo em que a televisão nos dava a “Gabriela”, a 1ª telenovela que se exibiu em TV e que trazia mais de meio país se não mesmo todo, pregado aos ecrãs naqueles 20 minutos de exibição. Era uma paixão e um vício ver as peripécias da Gabriela, do Nacib, do Coronel, do dr. Mundinho, da Gerusa, etc. Eu gostava particularmente do personagem dr. Ezequiel, que era o homem do jornal da cidade. Todo o mundo via a “Gabriela” e… eu também.

É então que um belo dia a colega Lurdes, curiosa, me pergunta:

- Mas, como consegue ver a “Gabriela” se anda fora a vender os livros?

Respondi-lhe logo:

- Fácil! Vejo em casa dos sócios. Quando nos corredores dos prédios ouço a música (genérico) da “Gabriela” vejo nas fichas que me acompanham em que apartamento tenho sócios do Circulo e bato à porta pedindo para me deixarem ver. Perco assim todas as noites 20 minutos e, acabado o episódio, saio e continuo o meu trabalho.

A colega, surpreendida:

- E tem lata para pedir isso? É à hora do jantar, não me diga que já tem jantado com alguns?…

- Não. Jantar nunca jantei porque tenho recusado as ofertas mas já comi várias vezes as sobremesas e, muitas vezes, tenho bebido uns cálicezinhos de Vinho do Porto.

A colega Lurdes abria a boca de espanto mas, não sei porquê…

Numa outra vez foi a colega Madalena, uma senhora apaixonada pela leitura e que, lembrando que o Circulo de Leitores na época fazia questão de produzir excelentes encadernações das suas obras com capas rígidas, robustas e usando muitas cores e sobretudo muitos dourados (de que deixo aí uma imagem de exemplo) caiam muito bem aos olhos de compradores - não leitores… -, que gostavam de ver as prateleiras dos móveis da sala com... livros bonitos.

- Mas o Azevedo tem consciência que poucos lêem os livros e só os compram porque ficam bem no móvel, não tem? - pergunta-me.

- Oh, se tenho! Sem dúvida! E ainda lhe conto mais: já vendi livros a metro!

- A metro??? - Interroga-me Madalena, de boca aberta de espanto – Como foi isso?

Esclarecia-a:

- Tratou-se de um casal em que ele é, por acaso, o Chefe da Esquadra da polícia. Compraram um móvel novo para a sala e acharam que determinada prateleira ficava bonita com uns livros, desejando que eles fossem de fora a fora na estante. Eu fui à revista, mostrei-lhes as imagens das obras que mais me interessava vender-lhes, eles escolheram e, como a revista indica as dimensões de cada exemplar, foi só somar os centímetros das lombadas dos livros e ver os que cabiam na prateleira. A senhora foi à caixa da costura buscar a fita métrica e foi só medir o espaço e fazer as contas. Fácil. Muito fácil!

Madalena, apaixonada por livros e sua assídua leitura, teve dificuldade em entender…

E termino com mais duas hilariantes e patuscas situações

Falava à porta de sua casa com uma senhora na data em que nasceu a minha filha, já lá vão uns aninhos e confessei-lhe que estava com alguma pressa porque teria de ir ver uma bebé que me havia nascido. A senhora ouviu sem nada dizer e, já depois de tratarmos da sua encomenda e nos despedirmos e quando eu já ia de costas voltadas, ela chama-me:

- O sr. Azevedo desculpe-me, disse-me que ia visitar uma bebé que lhe havia nascido, é sua filha ou sua neta?

Eu caí de riso com gargalhadas que, de tão estridentes, obrigaram os vizinhos do corredor a vir ver o que se passava… 

Coitada da senhora! Desfez-se em desculpas, sendo que eu na verdade desde muito novo fui deixando “nevar” na cabeça mas, daí aos 30 e qualquer coisa parecer avô?…

Uma outra patusca cena aconteceu quando entrei num determinado apartamento a convite dos seus moradores e encontrei uma idosa senhora toda de preto vestida, lenço na cabeça, tez morena eventualmente tostada pelo sol da horta, da charneca, do trabalho agrícola ou algo semelhante, quando mulher activa na sua aldeia natal.

Cabisbaixa, parecia-me triste, sentada em banco baixo, de pernas abertas, saia preta e comprida que fez com que recordasse pela posição de sentada da minha saudosa avó Maria. Saberia depois que era avó de um dos membros do jovem casal.

Entrei e depois de saudar os donos da casa, dirigi-me à triste avozinha:

- Boa noite! Como está a senhora?

- Eu estou mal, meu senhor! Obro mal! O senhor obra bem?

E, eu, entre pasmado e incrédulo, contendo-me em redobrado esforço para não sorrir enquanto ouvia em surdina uma reprimenda do casal à pobre avó pela inconveniência da pergunta, respondi-lhe suavemente:

- Eu obro!…

Pronto! E fico-me por aqui...

(Fotos retiradas da net.)

domingo, 23 de junho de 2019

VENDI LIVROS DE PORTA-EM-PORTA (1)


A ENTRADA, O PROVEITO, A SAÍDA


Vivíamos a 2ª metade da década de 70 do século passado… Casado poucos anos antes; um filho para criar; ordenado pequeno e mal pago – entregas a prestações, feitas sempre nos meses seguintes em empresa prestes a fechar portas -; renda da casa, água, luz, gás, etc,etc e a coisa não era muito promissora, não…

Decidi então, para fazer mais uns “cobres”, inscrever-me como Assistente do “Circulo de Leitores”, designação simpática dada pela editora aos seus vendedores de livros de porta em porta. Bem, em boa verdade, devíamos apenas contactar os sócios inscritos no Circulo mas, francamente, eu mandava isso “ás urtigas” e, como ganhava à comissão e importante era vender muito para ver mais“algum” remanescente, vendia livros, discos (LPs de vinil) e depois até serviços de pique-nique em plástico inquebrável, a todos os clientes com que tropeçava nos meus trajectos diários, sempre entre as 19 e 21,30 horas, ocasião em que encontrava em casa os sócios vindos dos empregos.


É desse trajecto e de várias e patuscas histórias então vividas que resolvo fazer umas narrações, sendo que, dada a sua extensão, vou redigir duas crónicas, deixando já nesta imagens dos troféus recebidos, narrando também o que foi o bom êxito da minha missão e sendo que, na próxima crónica, divulgarei umas quantas patuscas cenas então ocorridas.

Tinha um pouco mais de 400 sócios a visitar cada trimestre, em cujo término prestava contas e, para desempenhar com eficácia  o trabalho, havia que, nesses 3 meses, visitar várias vezes as mesmas pessoas. Primeiro, entregar a revista em mão para que o sócio escolhesse o que pretendia – podendo deixar as revistas nas caixas do correio eu fazia questão de as entregar em mão, não só porque assim era serviço mais personalizado e cortês como porque logo na ocasião tentava influenciar o “cliente” no sentido de requisitar esta ou aquela obra mais carota para que a minha comissão subisse… - depois, passados uns dias, ia levantar o pedido escrito num postalinho que vinha anexo à revista e depois, mais à frente, procedia à entrega das obras. 


Muitos, pagavam logo no todo mas, outros, faziam-no em prestações e outros marcavam os pagamentos para quando mais lhes convinha. Neste últimos casos, forçavam-me a voltar às portas quantas vezes as necessárias…

Como é bom de ver tudo isto implicava uma boa organização de ficheiros e agenda e, sobretudo, num assinalável esforço físico de subidas e descidas de escadas de prédios porque muitos não tinham elevador e, em determinada altura, por via do “verão quente” de 75 e do período agitado vivido que se seguiu e da muita doideira reinante, não havia condomínios nos prédios e, os que tinham ascensores, logo que avariavam tarde e más horas eram reparados. E tinha muitos sócios bem acima dos 4ºs andares…


Foram 4 anos assim e, mercê do esforço e dedicação, quando o Circulo resolveu começar a fazer classificação dos melhores Assistentes aqui o “je” sacou em 1979 o 34º lugar e, logo depois, no ano seguinte, um excelente 11º! Isto, num universo de várias centenas de Assistentes em todo o país! Um êxito bem interessante, acho!


Em cerimónias bonitas, com jantares a condizer (numa delas, sem que saiba porquê, convidaram-me para a mesa da direcção e fiquei ao lado do administrador da empresa!), foram entregues os respectivos troféus tendo este vaidoso rapaz recebido os de que aí deixa imagens.

No meu 4º e último ano de Assistente já não me esforcei tanto e não obstante os lamentos de muitos sócios, já habituados aos nossos sempre cordiais contactos, abandonei a “pasta”.  Já andava algo cansado e, como também já tinha iniciado a minha actividade na construção civil, deixei o cargo.

Surgiu então um familiar de uns meus vizinhos (por razões óbvias designo-o aqui por um suposto Rui Vitória) que pretendia ganhar algum dinheiro e apresentei-o ao Circulo passando-lhe o cargo.


Dada a afectividade existente entre mim e os sócios (chegava a petiscar, tomar “Portos” e até ver a novela “Gabriela” em casa de muitos) foi-me aconselhado pela empresa e pedido pelo próprio, que fizesse a transição e as apresentações aos sócios, ensinando-lhe as minhas tecnicas de venda e aconselhando o novel Assistente na melhor forma de desempenhar eficazmente as suas naturais pretensões de boas vendas.


Foi o que fiz de muito boa vontade… O amigo Rui Vitória (suposto nome, repito) acompanhou-me durante uns bons pares de serões em visitas a todos os sócios e instruí-o das melhores formas de lidar com a,b,c, etc, dando-lhe conta dos gostos e preferências de muitos deles  Mas a recomendação e conselho muito especial era principalmente uma: Ser: cortês, educado e diligente com todos porque isso seria meio caminho para ter bons resultados. Nunca criar atritos e usando o velho lema “o cliente tem sempre razão” contornar com inteligência e cortesia as complicações surgidas.


Ouvido e entendido tudo bem pelo amigo Rui, partimos para as visitas/apresentações mas, para meu desalento, muito cedo tive que o chamar a atenção e aconselhar a alterar a maneira como estava a processar-se a sua estreia…


Em boa verdade ainda esperei mais de uma ou duas vezes mas, depois da 3ª ou 4ª tive de intervir…

Acontecia que, feitas as apresentações e no final da inevitável conversinha, eu despedia-me com afectividade dos sócios amigos e, o nosso amigo Rui, apertando gentilmente a mão às senhoras, despedia-se desta forma:

- Rui Vitória para a servir!

Ouvida umas quantas vezes a “oferta”, tive de lhe dizer:


- Amigo Rui, que seja cortês, está bem mas… não exagere, tá?.

Para a servir???...

Eh! Eh!

sábado, 15 de junho de 2019

AVÔ E NETO, DE NOVO NA PESCA...


Hoje aconteceu de novo e, desta vez por imposição do Rafael, fomos só nós, ele e eu. Neto e avô, sem o pai, por exigência do ansioso novo pescador.

Começou a “aventura” logo ao sair da cama: 

- Deixa ver as horas: 6,50! O meu novo record em levantar da cama! - fez questão de registar, perante o riso dos avós.

Tomado o pequeno-almoço rumamos para Sul e, passado pouco mais de hora e meia estavamos junto à pequena represa na fronteira do Ribatejo com o Alentejo, numa herdade a que o Encarregado faz o favor de me facultar o acesso. Antes foi o abrir porteiras fechadas, o susto do rapazinho da cidade com os cães de guarda que, embora meigos e bonacheirões o assustam e o observar atento da vegetação que o cerca.


Antes, em tempos que já lá vão, teria observado na poeirenta estrada de terra ou à beira dela, um coelho ou talvez mesmo muitos coelhos bravos, uns casais de perdizes, uma ou outra fugidia lebre e, eventualmente até, um saca-rabos ou um texugo... Agora? Agora tudo são lembranças e saudades de avô bem vivido e recordado dessas cenas bonitas de outrora e agora não imagináveis para os jovens de hoje…

Mas voltemos à pesquinha do netinho e do avô.

De manhã o craque entreteve-se mas, por falta de prática e porque a linha ou se “encabelava” ou ficava presa num ou outro arbusto ou  até na ramagem de algum sobreiro, teve o avô que resolver as situações e, nalgumas vezes mesmo, substituir tudo por nova “aparelhagem” e retomada era a tarefa de tentar sacar as pequeninas percas que, malucas, se atiravam ao asticot que servia de isco.

O nosso Rafa sacou várias, ou mesmo muitas, mas foram quase todas devolvidas à água. Fritas, até são saborosas mas têm de ter um tamanho razoável…


Pela hora do almoço recorremos ao Fernando, velho conhecido das minhas andanças por aquelas paragens, no seu restaurante “Paraíso da Mata” ali juntinho a Lavre, já no Alentejo e, degustados por ele, um Bifinho com Ovo a Cavalo, arroz e batata frita e, por mim  um sempre excelente Ensopado de Borrego, partimos para a 2ª etapa do dia.

Um velho açude meu conhecido tinha a porteira aberta e, porque sei de ali “reinarem” uns bons achigãs, pensei em variar o local e proporcionar ao Rafael uma pesca diferente porque os pequenos achigãs têm por hábito atirar-se ao asticot em disputa com as percas… E foi isso mesmo que aconteceu e nosso pescador ferrou com asticot mais pequeninos achigãs que percas (tudo devolvido à água, claro!) e ainda tivemos a sorte de encontrar o açude bem limpo em boa parte das suas margens e, desta forma, o netinho tinha menos probabilidades de se ver atrapalhado com os lançamentos, a linha e a vegetação. Mas, mesmo assim, ainda lá estava a danada da ramagem de um chato sobreiro… eheh.

Mas deu para divertir, tanto mais que, a meio da tarde também peguei na minha cana e, com um “amostra” de 7 cms, procurei ferrar achigãs o que consegui por diversas vezes. Então, ferrado o peixe passava-lhe a cana para ele sentir o peso e o vibrar do achigã na ponta da linha. Sucedeu várias vezes e, quando se ferrou um de ¼ kg, o rapaz experimentou uma sensação bem diferente do habitual.

O pior, o pior é depois agarrar e tirar o peixe do anzol!… Nem pensar! Não só esse, como todos os outros, pequenos que fossem… 

- Ele mexe-se!… - queixava-se, perante os meus ralhos e risos disfarçados...

Tem receio dos peixinhos e ainda não entendi bem se é por medo de ser picado ou de ser mordido…

Mas já teve uma boa evolução no seu comportamento desde a última vez que foi à pesca: Antes, nem pegava no ariscos bichinhos de asticot mas, agora, isso já não aconteceu e até os sabe fixar no anzol.

A coisa vai evoluindo e a seu tempo as diversas etapas serão ultrapassadas!

A verdade é que o Rafael tem um excelente predicado para que se faça pescador: tem paciência!

Tem muita paciência para procurar e aguardar as ferragens dos peixes!

- Rafael é preciso pôr mais asticot no anzol!

- Deixa estar mais um pouco a insistir, avô!... 

O Rafa tem paciência e tem entusiasmo, exigências muito precisas num bom pescador!

Vamos ver…

E pode ser que um dia, quando o avô já for uma saudade, tropece nestas desalinhadas linhas e se lembre de quando ia à pesca com ele e… tinha receio dos peixinhos...

sábado, 8 de junho de 2019

SILVADO (ESPINHOSO) FLORIDO!


O sempre agressivo e espinhoso silvado que, em Agosto, graciosamente nos oferece as doces e saudáveis amoras, está hoje florido, bonito, cheiroso e é o paraíso das simpáticas e sempre úteis abelhas!