segunda-feira, 24 de junho de 2019

VENDI LIVROS DE PORTA-EM-PORTA (2)


“LIVROS A METRO”, A “GABRIELA” E OUTRAS PATUSCAS HISTÓRIAS


Nestas andanças a bater de porta em porta, a contactar e até mesmo a conviver diariamente com muita gente, vivi muitas e diversas situações que hoje, recorrendo à minha memória e ao correr do teclado, me proponho partilhar.

Todas as situações narradas são absolutamente verídicas, ainda que algumas pareçam fantasia como aquela em que uma jovem, bonita, loira e elegante senhora me abriu a porta de casa apenas envolta num alvo toalhão de banho, seguro pelos… dentes… Lembro-me que, para me saudar e cumprimentar, sem correr o risco de mostrar as suas certamente belas curvas – e não só… - usou depois a mão esquerda como suporte do toalhão enquanto me estendia a direita em respeitoso (?...) cumprimento...  Verdade! Tão verdade como agora aqui estar a carregar nestas teclas…

Na época este escriba era profissionalmente empregado de escritório, convivendo diariamente num gabinete com mais duas simpáticas e respeitáveis senhoras (Lurdes e Madalena) num excelente ambiente que ganhou raízes de amizade que ainda hoje perduram.. Como o trabalho era pouco conversavamos muito e, eu, falador e extrovertido como era, contava-lhes muitas das minhas vivências de porta em porta mas, esta da loira de toalhão, nunca contei, não… 

(Deixo aí, em foto da época, a imagem da fachada principal do nosso escritório da Sociedades Reunidas Reis, ao lado da Pastelaria Suiça, num 1º andar do Rossio lisboeta, sendo que o nosso gabinete dava para a Praça da Figueira, na fachada traseira).

Mas as colegas Lurdes e Madalena acompanhavam com interesse e mesmo algum carinho a minha trabalheira e, a propósito da minha admissão no escritório até acho interessante aqui recordar, coisa que só soube muito depois de abandonar a profissão e deixar o contacto diário com as duas senhoras, desvendado por uma delas muito posteriormente que, quando entrei ao serviço, para ali levado por um dos dois patrões da firma, que fazia o favor de ser meu amigo, que então fui olhado pelo pessoal com uma boa dose de desconfiança… Admitido e de confiança do patrão? “Cuidado com o gajo!”. “Vamos ficar de pé atrás com o bicho! Talvez seja um bufo”...


E, afinal, o que aconteceu durante os vários anos que fui seu colega? Fui eleito e reeleito por eles como Delegado Sindical – antes do 25 de Abril, note-se… - e membro da Comissão de Trabalhadores, após Abril. Defendi sempre os interesses de todos – que também eram os meus… - e convivi sempre perfeitamente com a Administração da empresa. Não foi fácil, sobretudo depois de 1974, fazer essa “ponte” mas cumpri as minhas missões de forma que me orgulho. Sem vaidade, porque natural.

Mas voltemos às minhas colegas de gabinete e ao Circulo de Leitores…

Vivíamos no tempo em que a televisão nos dava a “Gabriela”, a 1ª telenovela que se exibiu em TV e que trazia mais de meio país se não mesmo todo, pregado aos ecrãs naqueles 20 minutos de exibição. Era uma paixão e um vício ver as peripécias da Gabriela, do Nacib, do Coronel, do dr. Mundinho, da Gerusa, etc. Eu gostava particularmente do personagem dr. Ezequiel, que era o homem do jornal da cidade. Todo o mundo via a “Gabriela” e… eu também.

É então que um belo dia a colega Lurdes, curiosa, me pergunta:

- Mas, como consegue ver a “Gabriela” se anda fora a vender os livros?

Respondi-lhe logo:

- Fácil! Vejo em casa dos sócios. Quando nos corredores dos prédios ouço a música (genérico) da “Gabriela” vejo nas fichas que me acompanham em que apartamento tenho sócios do Circulo e bato à porta pedindo para me deixarem ver. Perco assim todas as noites 20 minutos e, acabado o episódio, saio e continuo o meu trabalho.

A colega, surpreendida:

- E tem lata para pedir isso? É à hora do jantar, não me diga que já tem jantado com alguns?…

- Não. Jantar nunca jantei porque tenho recusado as ofertas mas já comi várias vezes as sobremesas e, muitas vezes, tenho bebido uns cálicezinhos de Vinho do Porto.

A colega Lurdes abria a boca de espanto mas, não sei porquê…

Numa outra vez foi a colega Madalena, uma senhora apaixonada pela leitura e que, lembrando que o Circulo de Leitores na época fazia questão de produzir excelentes encadernações das suas obras com capas rígidas, robustas e usando muitas cores e sobretudo muitos dourados (de que deixo aí uma imagem de exemplo) caiam muito bem aos olhos de compradores - não leitores… -, que gostavam de ver as prateleiras dos móveis da sala com... livros bonitos.

- Mas o Azevedo tem consciência que poucos lêem os livros e só os compram porque ficam bem no móvel, não tem? - pergunta-me.

- Oh, se tenho! Sem dúvida! E ainda lhe conto mais: já vendi livros a metro!

- A metro??? - Interroga-me Madalena, de boca aberta de espanto – Como foi isso?

Esclarecia-a:

- Tratou-se de um casal em que ele é, por acaso, o Chefe da Esquadra da polícia. Compraram um móvel novo para a sala e acharam que determinada prateleira ficava bonita com uns livros, desejando que eles fossem de fora a fora na estante. Eu fui à revista, mostrei-lhes as imagens das obras que mais me interessava vender-lhes, eles escolheram e, como a revista indica as dimensões de cada exemplar, foi só somar os centímetros das lombadas dos livros e ver os que cabiam na prateleira. A senhora foi à caixa da costura buscar a fita métrica e foi só medir o espaço e fazer as contas. Fácil. Muito fácil!

Madalena, apaixonada por livros e sua assídua leitura, teve dificuldade em entender…

E termino com mais duas hilariantes e patuscas situações

Falava à porta de sua casa com uma senhora na data em que nasceu a minha filha, já lá vão uns aninhos e confessei-lhe que estava com alguma pressa porque teria de ir ver uma bebé que me havia nascido. A senhora ouviu sem nada dizer e, já depois de tratarmos da sua encomenda e nos despedirmos e quando eu já ia de costas voltadas, ela chama-me:

- O sr. Azevedo desculpe-me, disse-me que ia visitar uma bebé que lhe havia nascido, é sua filha ou sua neta?

Eu caí de riso com gargalhadas que, de tão estridentes, obrigaram os vizinhos do corredor a vir ver o que se passava… 

Coitada da senhora! Desfez-se em desculpas, sendo que eu na verdade desde muito novo fui deixando “nevar” na cabeça mas, daí aos 30 e qualquer coisa parecer avô?…

Uma outra patusca cena aconteceu quando entrei num determinado apartamento a convite dos seus moradores e encontrei uma idosa senhora toda de preto vestida, lenço na cabeça, tez morena eventualmente tostada pelo sol da horta, da charneca, do trabalho agrícola ou algo semelhante, quando mulher activa na sua aldeia natal.

Cabisbaixa, parecia-me triste, sentada em banco baixo, de pernas abertas, saia preta e comprida que fez com que recordasse pela posição de sentada da minha saudosa avó Maria. Saberia depois que era avó de um dos membros do jovem casal.

Entrei e depois de saudar os donos da casa, dirigi-me à triste avozinha:

- Boa noite! Como está a senhora?

- Eu estou mal, meu senhor! Obro mal! O senhor obra bem?

E, eu, entre pasmado e incrédulo, contendo-me em redobrado esforço para não sorrir enquanto ouvia em surdina uma reprimenda do casal à pobre avó pela inconveniência da pergunta, respondi-lhe suavemente:

- Eu obro!…

Pronto! E fico-me por aqui...

(Fotos retiradas da net.)

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