domingo, 9 de março de 2014

DE ACHIGANITO, QUE NEM "PIERCING"...


A coisa aconteceu assim:
Ontem, 8 de março – Dia da Mulher! –, como que para fazer esquecer o duro e desagradável Inverno que fomos vivendo neste ano, estava lindo de sol e céu azul mas, a manhã, nas primeiras horas, estava um bom bocado fria… Ia no jipe, só com uns centímetros do vidro aberto e, pondo a mão de fora, dava para sentir como era desagradável o ventinho frio…
Ainda antes das 10 da manhã, na danada da vontade de matar o vício, fui fazendo uns quantos lançamentos mas de nada valeu e, sentindo como estavam frias as águas da represa, bem me lembrei das experientes palavras do Carvalho, velho e saudoso companheiro de muitas horas e dias de pesca que, nestas situações, sempre dizia: “Estão arrecadados”. E até bem parecia que estavam dadas as vezes que uma, outra e mais outra  e diferentes amostras iam e vinham sem o mais pequeno “toque”, sem a mais pequena presa que nelas se fixasse… Mas, mais atentamente, passado um tempo e sem que o vento agitasse a superfície da água e observando num plano superior, eis que vejo um, dois e mais uns quantos pequenos achigãs como que passeando a dois, três palmos da superfície… Mas, que é isto? - pensei... Afinal, não estão arrecadados?...
Resolvi então, avançando na margem, insistir um pouco mais à frente e, insistindo… zás, fui premiado! Um bom puxão e aí tenho, pela 1ª vez neste rigoroso Inverno de 2014, o 1º peso significativo na ponta da linha! Tinha ali um achiganito já de porte! “De nome”, como também dizia o Carvalho!
Corrico uns metros e, contrariedade, o bichinho fica-me preso nos 2 a 3 metros de ervas que tenho na margem que restam junto a mim e faço mais força no carreto e na cana de pesca… Forço, forço mais um pouco e... zás!, o gajo solta-se e, disparado, eis que me atinge exactamente na perna direita um pouco acima do joelho e, então, azar dos azares, pela 1ª vez em tantos anos de pesca, uma das fateixas da amostra que o peixe não abocanhou, fura-me a calça de ganga e... pumba!, fura-me também a perninha! Fixa-se a danada na fofa carninha aqui do rapaz!...
E, eis a cena caricata e ridícula: Um achigã de meio quilo – porra, como o bicho pesava!... - pendurado que nem um "piercing" numa fateixa da amostra e a outra agarrada na febra do incauto pescador a suportar aquilo tudo!… Ridículo e caricato, né? Pois… mas aconteceu… Pela 1ª vez, neste velho pescador de achigãs!…

E, veja-se a hilariante cena: 1º, pensando que a fateixa estava à superfície da pele, dado que tinha a calça de permeio, o pescador aselha puxa pelo achigã preso na outra fateixa, na esperança que a outra se soltasse da perna mas... é o soltas... Estava bem presa e... como doía...; 2º, ele decide soltar o peixe da amostra mas, como não o pode largar no piso inclinado porque logo rolaria para a água, toca de subir o terreno e, de perna tesa, porque o movimento da calça lhe puxava o "piercing", vá de percorrer algumas dezenas de metros na direcção da horta a pedir auxílio onde o seu hortelão e solicito e inesperado "enfermeiro" procurou um alicate para o socorrer. Incrível! Hilariante e ridículo q.b.
Depois… Bem, depois foi a ajuda do amigo que largou o trabalho na hortinha e que, com um pequeno alicate de corte nas pontas que foi buscar às suas ferramentas, amputou as hastes da fateixa e, logo depois, arregaçada a calça do desajeitado pescador, sacou pelo bico, da alva e desflorada perninha, o “brinquinho” que ali se alojava… Mas doeu um pouquinho, embora não muito, de verdade… Mas, convenhamos, confrangedor foi ver o  velho pescador pedir tão insólita ajuda… Ridículo de mais!...
Enfim… Coisas da pesca e cenas para ir recordando…
Fica aí a foto com a ampliação do local ensanguentado pela aselhice, com o inevitável caricato da mesma. Teria sido muito melhor ter fixado na máquina a incrível cena na hora mas, a dor, a preocupação e a vergonha da situação, nem deu para lembrar disso…

segunda-feira, 3 de março de 2014

OS ESPADINHAS DA MINHA MEMÓRIA


Lembro-me do casal Lucinda e António Espadinha e, logicamente, dos seus filhos Perpétua e Manuel, desde que me conheço. Enquanto eu e minha família morávamos no Chouto, eles viviam no Casal do Anafe de Cima, um pequeno aglomerado talvez com uma dezena de habitações e que distava da aldeia cerca de 2 kms por estrada de terra, aqui e ali cortada na época por um ou outro regato que, sobretudo no Inverno, havia que transpor.
Não obstante a distância visitávamo-nos e convivíamos com muita frequência porque, como era na aldeia que existia o comércio e se exerciam as diversas profissões necessárias ao dia a dia das pessoas, eles frequentavam muito a povoação e, porque os nossos pais eram amigos, as visitas eram frequentes.
Lembrei-me de escrever sobre António Espadinha e sua família quando ele há dias completou uns bonitos 97 anos de vida e o seu neto Jorge teve a amabilidade de me enviar a foto que aqui publico com sua autorização e porque me parece que tenho uma ou outra “istória”, uma ou outra recordação que gostava que ficasse para a posteridade. Acho que tanto eles, quantos os leitores que tiverem a maçada de me ler, entenderão a razão e a lógica deste “rapazinho” que, já a “cheirar” os setenta, começa a lembrar-se de muita coisa…
Recordo-me de António Espadinha homem de estatura baixa, muito ágil e mexido e que se apresentava no Chouto sempre de roupas muito limpas e cuidadas, com calças sempre bem vincadas e calçando com evidente vaidade umas finas botas de cano curto e tacão alto que fazia questão de fazer bem ouvir quando caminhava. Talvez usasse mesmo os chamados protectores, umas pequenas peças de ferro que, pregadas na sola, nas zonas da biqueira e do tacão, preservavam bastante o seu gasto e, naturalmente, calcadas na então calçada de pedra das ruas da aldeia, faziam aumentar o som das passadas. Apresentava-se assim aos domingos e nos muitos bailes e matinés dançantes que por vezes também frequentava porque também era um bom dançarino e recordo-me de o ver dançar com a esposa e com a filha Perpétua. Todos eles dançavam muito bem e, pelo que agora tenho acompanhado no Facebook, parece que deixou boa descendência nesse aspecto…
Nesse aspecto e não só…
Na verdade está na minha lembrança também um “pequenino” “affaire” que criou e manteve durante um bom tempo na aldeia e que na data fez movimentar as línguas do pessoal do pequeno povoado que era o Chouto…
Não sei como acabou e se houve “proveitos” – há quem garanta que sim… - e nem isso me diz respeito mas, da fama os intervenientes não se livraram… Também não sei como começou e, aqui, digo francamente, já me causava mais curiosidade saber dado que conhecia os intervenientes e sabia os caminhos e ambientes que frequentavam, que eram algo distintos e distantes, razão porque acho que começar aquele “affaire” deverá ter requerido alguma sabedoria e algum jeitinho especial para António Espadinha poder iniciar o envolvimento… Teve habilidade e ciência, sem dúvida!...
Um dado importante nesta situação é que nunca soou para fora do ambiente familiar do nosso amigo que o caso tivesse criado agitação no seio do seu lar mas também me recordo que, talvez mais de uma vez, assim de raspão, sem eles notarem, ouvi o meu pai aconselhá-lo mais ou menos por estas palavras: “António Espadinha, ganhe juízo!...”
Na verdade, não só porque eram amigos mas talvez também porque, para se dirigir à minha casa, o nosso António Espadinha tinha de atravessar o largo fronteiriço onde eventualmente poderia ter um contacto visual mais facilitado com a outra personagem, eram frequentes as visitas do nosso amigo ao meu pai, com quem tinha longas conversas…
Eram efectivamente bons amigos e aconteceu até uma vez que António Espadinha e esposa estiveram  algumas semanas hospedados na minha casa… Teve isso como motivo o então chamado “resguardo” da sua “queima da orelha”… Acontecia essa pequena “cirurgia” – será que posso chamar de “cirurgia”? Não sei…- coisa que então se usava quando a pessoa sofria da velha e conhecida “dor ciática”. Segundo julgo – não estou bem certo… - creio que se fazia uma incisão num nervo atrás da orelha e chamavam-lhe “queimar a orelha”.
A coisa parece que era muito dolorosa e complicada e exigia depois uma recuperação em que era necessário usar de delicados cuidados para que não houvesse uma recaída na saúde. Como a casa da família Espadinha era infelizmente muito modesta, nomeadamente de “telha vã” e sem instalações sanitárias necessárias para se satisfazerem as necessidade fisiológicas sem a saída do aconchego do lar, o meu pai ofereceu-lhe estadia na nossa casa, mais nova e com melhores condições, para que ele pudesse ter um melhor “resguardo”. Foi assim que, durante umas semanas usaram o meu quarto e eu dormia num pequeno divã na sala de jantar.
Mas, não obstante a extensão desta narrativa, tenho ainda mais duas situações nas quais entro directamente e que me parecem interessantes para aqui deixar para a posteridade:
Uma, que terá seguramente mais de 50 anos, data de uma época em que teria por volta de 16/17 anos de idade. Estaríamos então no início da década de 60.
Eu não era o que podemos chamar um “queque” mas, vivendo em seio de família de um comerciante (meu pai) que vivia social e economicamente um degrauzito mais acima dos meus companheiros de mocidade que, por sua vez, na sua maioria eram trabalhadores agrícolas, eu acompanhava com eles para bailes, feiras e festas com o melhor dos ambientes. Só num pequeno detalhe este rapaz não fazia companhia plena… Era nos copos... Na verdade, o meu pai praticamente não ingeria álcool, não tínhamos normalmente vinho em casa (salvo quando recebiamos visitas e meu pai ia à taberna comprar um litro de vinho para o convidado da refeição) e, assim, eu não tinha hábito de beber, nem tão pouco o meu pai me deixava iniciar nessas andanças…
Mas aconteceu que uma bela tarde de domingo – vá lá saber-se como a coisa teve início… porque eu não me recordo… - com iniciativa certamente de algum sacana do grupo – e recordo-me do António Rainha, do António Sebastião (já falecido), do Fernando Carvalho, do Manuel Espadinha e creio que também do Diamantino Carloto, entre outros… - um deles lançou para o ar a ideia de começarmos no Gaviãozinho e irmos até ao Chouto, de taberna em taberna, onde cada um teria de beber um “penalti” que na altura custava um escudo e que correspondia a um copo igual ao que agora nos cafés usam para o chamado “galão”. A coisa não se fazia por menos…
Foi assim que começamos, creio que na taberna do Domingos Duarte, passamos pela da Emília e avançamos de bicicleta para o Chouto. Aí, a 1ª foi logo a do Isidro dos Santos, depois a do Manuel Sebastião que ficava junto e, depois, onde paramos, porque a “carga” já era demasiada, no Polidoro. Foi na taberna do falecido Manuel Polidoro, local onde agora temos o Café Costa e que, face à “carga” excessiva, a coisa findou. E findou, nem sei bem como, porque só me lembro de estar no Anafe de Cima, a 2 kms do Chouto, em frente da porta dos Espadinhas, sentado num pequeno banco de palha, à sombra de uma oliveira que tinham na frente da casa com a Ti Lucinda naturalmente preocupada com o meu estado e sabendo da austeridade do meu pai a dizer-me que ia fazer café para eu beber. Bêbado que nem um cacho e aflito com a situação, na previsão do “temporal” que poderia dali advir, devo ter ingerido umas quantas chávenas de café amargoso, sem açucar e devo ter deixado passar uma, duas ou mais horas e, depois de nada mais me lembro mas não me recordo do meu pai me ter “chegado a roupa ao pelo” ou de ter ocorrido qualquer “guerra” em casa... O café amargoso da doce e simpática Ti Lucinha e o tempo decorrido, fizeram reparar o estrago...
Mas, para findar, tenho ainda uma última situação com o amigo casal Espadinha e, neste caso, foi a última vez que com eles estive, já lá vão uns bons anos… Mais de uma dúzia!
Um dia, no meu trajecto de Lisboa para o Chouto, ocorreu-me fazer um desvio e ir visita-los na casa onde sempre moraram depois de terem deixado o Anafe de Cima e o Chouto. Fica ali entre Almeirim e Coruche mas talvez mais próximo desta última vila do Sorraia.
A porta da rua estava aberta, eu chamei e vi aparecer o amigo António Espadinha com a sua baixa estatura mas ainda com bastante agilidade. À minha pergunta confirmou-me a sua identidade e eu disse-lhe que era fiscal e andava a ver quem tinha a licença de televisão em dia (na altura os portugueses tinham de pagar uma taxa em separado, coisa que agora vem na factura da energia electrica). Ele, que não me reconheceu, não se mostrou preocupado e foi buscar um saco de plástico com uns quantos documentos dentro. Peguei nos papeis, olhei para eles e disse que ele ia ser autuado porque aquilo estava mal… Não se mostrou alarmado e, eu, sem que ele tivesse tempo de reagir, disse-lhe que o ia autuar mas que antes, para que não pensasse que eu era algum burlão, me ia identificar. Puxei então do Bilhete de Identidade e mostrei-lhe. Reacção rápida do amigo António Espadinha: Volta-se para dentro da casa e grita: “Lucinda? Anda cá! Está aqui o Victor!”
Deixou-me de água nos olhos, confesso!
A voz doce e afável – muito afável! – de Ti Lucinda fez-se logo ouvir enquanto se dirigia para a porta: “Ai o Victor! És tu, Victor?” Um encanto, achei!
Abraçamo-nos comovidamente e trocamos sentidos e amistosos – muito amistosos! – cumprimentos e foi uma delícia! Uma delícia!
Hoje, pelo que me informam, repetição de igual cena já não será possível… O amigo António Espadinha, embora careça de força nas pernas, está perfeitamente lúcido e bem de cabeça mas, com Ti Lucida, o Alzheimer traiu-a e traiu todos os que tanto a apreciavam e admiravam na sua delicadeza e trato de excelência na sua voz doce, meiga e única. Tem ocasiões em que não reconhece os seus…
Os tempos passam e a velhice tudo traz… Infelizmente!...
Resta-me desejar que os dois belos e amigos membros do casal Espadinha vivam o melhor possível, para alegria e prazer dos seus! 

EM TEMPO – No Casal do Anafe de Cima nos dias de hoje já ninguém habita e deixo aí uma foto do que é hoje o que antes foi uma aglomerado habitacional onde morava talvez meia centena de pessoas. Tempos passados... Tempos que já não voltam.