terça-feira, 25 de dezembro de 2012

NATAL E DESALENTO

Com o dia a chegar ao seu fim eis-nos também a atingir o final deste período natalício que ficará assinalado como o mais desalentado e pobre de sempre na nossa história contemporânea. Na verdade se bem que há já dois ou três anos que curtámos as prendas que trocávamos entre adultos e só as crianças têm direito a sentir a alegria de as receber, este é sem dúvida o Natal em que mais se fez sentir não só a enorme crise económica que assola o país como, sobretudo aquele em que se nota em todos o maior desânimo, o maior desalento de sempre com as prespectivas que se apresentam à nossa terra. E, esse, para mim, ainda é o maior e mais preocupante problema.
Crise económica e social sempre tivemos mais num ano, menos no outro mas, este desânimo, este desalento que se sente em tudo e em todos, isso nunca sentimos, isso nunca tivemos nesta terra lusa!
As pessoas vêm que a hora é dificílima e, ainda pior que isso, sentem que muitos piores dias virão, muito pior futuro as espera, sem que saibam quando acaba todo este apertar de cinto, estas vicissitudes e esta imensa incerteza.
Não sabem porque ninguém lhes diz e sobretudo porque sentem que, de propósito ou por ignorância, os governantes, tecnicos e políticos, lhes mentem, ontem, hoje e amanhã não lhes anunciando a verdade toda e, antes, só utilizam a televisão, a rádio e os jornais para lhes anunciarem mais cortes, mais impostos, mais dificuldades, mais desânimo. Não me recordo, ano e meio a esta parte, com o actual governo, de uma vez, uma vez só, que o ministro da finanças venha a público anunciar uma boa notícia, pequenina que fosse aos portugueses…
Numa linguagem demasiado técnica – só técnica, quadrada e hermética! – Victor Gaspar só nos fala em números, números e mais números e, tanto ele quanto o primeiro-ministro não usam uma palavra – uma palavrinha que seja!... – dirigida ao povo, ás pessoas, à gente sofrida e preocupada que os ouve. Tudo ali são números e mais número, euros e mais euros e não há, não se sente a mais pequenina preocupação nas pessoas a quem se dirigem e com quem deviam preocupar-se. Nitidamente e parece-me por demais evidente, actuam como funcionários dos nossos credores e executam as suas ordens com mestria e eficiência. Pelo menos é o que eles nos dizem quando confessam que a “troika” considera Portugal como um “bom aluno”…
Dir-me-ão alguns, acredito que poucos, favoráveis a esta formula, que estes governantes dão-nos a linguagem crua da verdade mas eu acho que não deveria ser bem assim: As pessoas estão em primeiro lugar e as pessoas deveriam ser a preocupação primeira e maior. Os portugueses andam desanimados e desalentados e é preocupante que isso assim seja.
Não desejo que se minta ao povo mas é importante que se lhe dirija com animo, com vontade, com querer e crer para que o povo acredite nos seus dirigentes e no dia de amanhã. Mas eu sei que eles não conseguem fazê-lo porque não são capazes…São figuras menores e, hoje, como ontem, faltam-nos dirigentes capazes, valentes, inteligentes com carisma e sabedoria para dirigir uma nação.
Não sou adepto do homem salvador, do homem único e supostamente sábio que conduz a luz, com o povo a segui-lo. Não, nisso não acredito porque desejava ter políticos inteligentes, sabedores e que, de preferência, sentissem as gentes, as coisas, o povo, a pátria!
Como está, “isto” não é nada e é simultaneamente muito preocupante!
Muito preocupante!
Oxalá me engane...
NOTA FINAL – Um apontamento final, assim como que um escrito de diário, para registar que o meu neto, este ano, agora já com seis anos e meio, pareceu-nos que já não “engoliu” totalmente a “pêta” do Pai Natal… O tio, que fazia a personagem, não apertou devidamente o fato e deixou-o ver as almofadas que o avolumavam e, sobretudo porque, após a porta fechada, olhando para o avô Lenine e vendo-o sem óculos lhe perguntou pelos mesmos porque, julgamos, o Rafael os reconheceu no Pai Natal…

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

O CARVALHO "APAGOU-SE"...


Fosse eu supersticioso e, por certo, depois de hoje, começaria a olhar para o dia da Consoada como tempo de me trazer notícias tristes…
Na verdade, como se já não bastasse de para mim sempre ficar marcado este dia a partir do ano de 1978, data em que faleceu o meu pai e que a partir daí me força a sempre consoar com essa triste lembrança, quis o acaso que hoje também viesse a saber do falecimento do amigo Carvalho, um velho companheiro de pesca e de copos, que me deixa muita saudade. Foi por acaso que o telefone me trouxe hoje a notícia desta morte,  ocorrida já, segundo julgo, há mais de dois meses.
Neste período estive por mais de uma vez na Castanheira do Ribatejo, onde vivia o “velho Carvalho”, não calhei a vê-lo – e pelos vistos nem podia… - e ninguém me transmitiu esta infausta notícia… Se soubesse da sua morte ou, até mesmo, se ela em tempo oportuno me tivesse sido comunicada, forçosamente ter-me-ia deslocado de propósito para o acompanhar à sua última morada.
Tinha pelo Carvalho particular estima e guardo dele boas recordações, não só dos muitos momentos em que o procurava para petiscarmos e tomarmos um copo, como sobretudo pelos muitos anos em que foi meu companheiro de pesca ao achigã no Ribatejo e Alentejo. Com um outro camarada, ao longo de mais de dez anos, percorremos muitos milhares de kms pelos caminhos ribatejanos e alentejanos em busca dos “boca grande” e guardo desse período belas lições de companheirismo e convivência com este já saudoso amigo.
Era um homem que conhecia “tudo e todos”, de convivência muito agradável, respeitoso, que sabia estar e sempre foi um soberbo companheiro, quer nessas viagens, quer sobretudo à mesa de restaurantes e tascas onde sempre foi um colega absolutamente exemplar! Aí o convívio era perfeito e, verdade seja dita, mesmo não vivendo desafogado economicamente, nunca, nunca por nunca ser, vi o amigo Carvalho a esquivar-se a contribuir com a sua parte na despesa, quando não avançava ele mesmo para o pagamento da conta, numa voluntariedade que naturalmente sempre era combatida… Carvalho nunca, nunca se “encostou”! Carvalho foi sempre um companheiro exemplar!
Por isso e não só, eu gostava dele!. Por isso e não só o procurava já depois de se aposentar e passar os seus dias entre os cafés da Castanheira e a sua casa, para viajarmos um pouco (Carregado, Cartaxo, Alenquer, Alhandra, etc) e bebermos uns copos. Copos que, pelos vistos, não lhe fizeram muito mal dado que acabou por partir já perto da bonita idade dos 90… Oitentas e tais de uma vida muito vivida!
Naturalmente guardo do Carvalho deliciosos e inesquecíveis momentos de convivência – deixo aqui uma foto em que ele saúda o fotografo por ocasião de um belo convívio na hora do almoço, junto a uma barragem no Ribatejo – e lembro-me por exemplo das vezes em que se lembrava de levar pequenos “mimos” e os preparava junto às represas, debaixo de uma azinheira. Uma vez, perto de Avis, quando cheguei para almoçar, pensando que ia saborear o meu petisco que levara de casa, deparei-me com o amigo Carvalho fazendo brasas entre duas pedras e preparando-se para assar, espetado num pau, um bom naco de toucinho, bem alto, só temperado com sal grosso, cortado aos gomos e só seguro pelo coirato. Que delícia  aquele petisco me soube, apertado entre o fresquíssimo pão alentejano que comprávamos em Mora, na própria padaria onde era cozido, com o dia ainda a raiar! Uma maravilha que repetiu outras vezes e que jamais esquecerei!
Para além destas facetas que sempre recordarei e do muito que aprendi com ele na arte de pescar os achigãs – Carvalho pescava muito bem, fruto da sua larga experiência! - outro detalhe do seu comportamento que sempre me impressionou, foi a forma amistosa como convivia com os seus empregados. Num ou outro caso – estou a lembrar-me por exemplo de um deficiente mental (Grácio, de seu nome) que para ele trabalhava e que o “velho Carvalho” sempre tratou como um filho… Carvalho ralhava-lhe e premiava-o como se filho fosse! Um espanto!
Mais um exemplo: Numa ocasião em que vínhamos de umas cervejas na direcção do prédio em cujos apartamentos as suas funcionárias executavam as limpezas finais, o amigo Carvalho pergunta-me, sem ela ouvir: “Não se importa que ela tome banho ali numa banheira?” Claro que não me importava e, lesto, o amigo puxou da carteira, tirou uma nota, deu-a à rapariga, dizendo: “Toma, compra um sabonete e toma banho”. E vi-o ter estes gestos, gratificantes e amigos, tantas vezes!...

Não mais degustarei os tordos estufados que anualmente fazia questão de comprar a um amigo caçador e tinha gosto em convidar-me para os saborearmos com um bom vinho tinto que ele também muito apreciava… (Comprava os tordos, mandava o Grácio depená-los e ele mesmo os preparava muito bem com cebola e alho num tacho que depois levava para o café, para degustar com os amigos, como em Janeiro de 2008, ocasião registada na foto ao lado.).
E pronto, o Carvalho, utilizando uma expressão que ele muito usava, “apagou-se”! “Apagou-se” e deixou-nos mais sós e mais tristes! É a chamada “lei da vida” que, como sabemos,  nos deixa sempre muito abalados quando ocorre com quem estimamos…
Ficam estas palavras em sua homenagem e como sentido agradecimento pelos gratificantes tempos que comigo conviveu e pelo muito que me ensinou!
Que descanse em paz!

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

GUERRA COLONIAL - O REGRESSO!

Foi neste dia do mês, há já 43 anos, exactamente a 7 de Dezembro de 1969 que, embarcando em Luanda, no paquete Império, tive um dos dias mais felizes da minha vida! Era o início do fim da minha participação – “comissão”, como então se chamava à nossa participação forçada… - na então dura e perigosa guerra naquele território angolano então português e, sendo o início do fim daquela dura etapa da vida de um pacato cidadão, será natural que esse acontecimento entre na sua vida como uma data marcante, apenas suplantada pelo desembarque em terra firme, em Lisboa, dez dias depois, a 17 de Dezembro de 1969!
Lembro-me que quando tive notícia que o Império já estava atracado no porto, esperando o nosso embarque, tive de ir ver com os meus próprios olhos. Fui a Luanda e, exultando de felicidade, registei mesmo em foto a tão normal e vulgar vista mas que, para mim, era das mais lindas paisagens! O gigante barquinho que me levaria a casa estava ali, submisso, imóvel e acolhedor, esperando pela minha entrada… Coisa linda! Fica aí o retrato que bati naquela data.
Na ida tinha viajado no Niassa e o regresso aconteceu no Império, sem dúvida um paquete muito melhor que o primeiro e, curiosamente, ambas as viagens ficariam marcadas por insólitos e inesperados acontecimentos particularmente desagradáveis para muitos militares mas em cujo número felizmente não me inclui…
Na ida, no Niassa e como consequência das péssimas condições em que os soldados eram transportados e alimentados, a meio do trajecto, os rapazes, em número de algumas centenas, sofreram um intoxicação alimentar e a aflição foi muito grande. Os homens viajavam amontoados que nem gado nos porões do barco onde tinham sido instalados os beliches de duas camas. A ventilação, apenas resultante da grande abertura central por onde se fazia a carga e descarga de mercadorias, era quase nula e, se a isso adicionarmos o muito calor, as poucas instalações sanitárias e, alguns dos jovens, porque oriundos de meios rurais e estamos a falar do Portugal dos distantes anos 60, como poucos hábitos de higiene, pode imaginar-se o ambiente e os odores naqueles porões…  Coisa inadmissível para transportar seres humanos, duvidando que, nos dias de hoje, fosse possível fazer igual transporte de homens naquelas condições. Pois, a juntar a essa deplorável situação, ainda acabaram por fornecer aos rapazes alimentação menos própria que lhes provocou uma intoxicação deveras preocupante.
Como as condições em que viajavam eram as descritas, de forma alguma os pobres homens poderiam permanecer ali deitados, a vomitar e a gemer. Houve que os distribuir pelos corredores que davam acesso aos camarotes de oficiais e sargentos, bem como a outras partes do paquete, como  acessos a enfermarias, salões, etc, etc.  Foi um verdadeiro pandemónio e o alarme foi grande chegando a pensar-se em atracarmos na Guiné/Bissau para debelar a situação… Aconteceu que, felizmente pela boa constituição do rapazes ou porque a intoxicação não atingiu maiores proporções, o próprio organismo dos soldados encarregou-se de melhorar todo aquele problema e, ao fim de 2/3 dias, a coisa voltaria ao normal. Mas foi muito preocupante e os rapazes sofreram bastante.
Então, oficialmente, o que saiu sobre as origens do mal estar dos homens foi que não tinham “aguentado” a passagem do equador… Isso mesmo, à boa maneira do antigamente de encobrir as verdades… Como se esse suposto e ridículo "diagnóstico" só atingisse o organismo dos soldados e deixasse imune oficias e sargentos… Ridículo.
Entretanto, enquanto os pobres soldados viajavam e comiam assim, oficiais e sargentos viviam instalados em optimas condições e alimentavam-se magnificamente. Instalados em camarotes de quatro lugares, com ar condicionado e casa de banho própria e fazendo as refeições em belíssimos salões, comíamos excelentemente e eramos servidos por tripulantes fardados a rigor e com a maior deferência. Deixo também aí uma foto no Império que o comprova mas, no Niassa, foi idêntico. Esta era a verdade de então e importa que se diga para que se saiba.
Portanto, esta foi a situação ocorrida na viajem de ida no Niassa e, depois, no regresso no Império nada disso aconteceu felizmente mas, todavia, um acontecimento posterior e de que só agora, aqui pela net, 43 anos depois, tive conhecimento, marcou também essa viajem.
O Império atracou connosco no dia 17/12/1969 e esteve ali, no cais de Alcântara até 5/1/1970, data em que voltou a zarpar com mais um carregamento de tropas, desta vez para Moçambique. Aconteceu que neste período de estadia no cais e certamente beneficiando de algum provável período de menor vigia por causa das festas de Natal e Ano Novo, alguém instalou numa dependência, por debaixo da Casa das Máquinas, um engenho explosivo.
O rebentamento ocorreu a 9, quatro dias depois da partida e provocou um rombo no casco que de imediato resultou na inundação de toda a zona, atingindo a Casa das Máquinas provocando a paragem de toda a maquinaria e consequente falta de energia no paquete. Fecharam de imediato as portas mas chegou a recear-se que elas não aguentassem a pressão. O barco adornou e o caos ficou instalado. Não havia energia, as camaras frigoríficas deixaram estragar os alimentos e os mesmos foram atirados ao mar por não se suportar o cheiro. Chegaram a queimar cordas e tábuas das escadas para fazer fogo e fritarem farinha para alimentar toda aquela gente. Dentro do barco, por falta de ventilação e luz não se podia dormir e conseguiram apenas pôr em funcionamento um gerador para luzes de presença e comunicações.
Imagine-se então a aflição e o caos em toda aquela gente até chegar um rebocador grego que levou o paquete adornado até Cabo Verde. Em Portugal a Emissora Nacional, noticiava oficialmente que o Império estava parado no alto mar com uma avaria nas máquinas…
A viajem da tropa foi então reatada quando chegou o Niassa enviado de Lisboa transportando os militares para Moçambique.
O Império seria depois rebocado para Lisboa e daí seguiria para a Escócia onde foi reparado durante 9 meses, data em que voltou ao serviço da tropa e do seu transporte para África, resultando deste episódio portanto que, a minha viajem nele, foi a última antes do atentado sofrido.