segunda-feira, 31 de julho de 2017

GUERRA COLONIAL - A DISCIPLINA


Creio que a ocorrência aconteceu exactamente no mês de Julho de 1969, faz agora 48 anos e recordo-me disso porque foi no mês que o Homem chegou à Lua pela 1ª vez. Lembro-me de, muito entusiasmado, ouvir na cama, num pequeno transístor, toda a reportagem da então Rádio Eclésia, de Luanda que, por sua vez, fazia a transmissão directa da Rádio Renascença, de Lisboa. E recordo-me de no outro dia de manhã, ao pequeno-almoço, ter dado conta aos soldados desse enorme feito dos homens e um rapaz, que os outros logo secundaram, me questionar:
- E o meu furriel acredita nessa grande mentira?

Bom, mas com esta coisa do Homem na Lua afastei-me do tema que hoje pretendo abordar: a disciplina militar na Guerra Colonial.

Porque a vivi mais de 2 anos e porque também a senti - de que o caso que hoje aqui venho relatar é um bom exemplo – entendo que, como noutros campos, em que muito precisávamos de outra formação, o sofrermos e o experimentamos, a disciplina e a ordem eram factores em que avançávamos para a guerra totalmente impreparados. Sem mesmo um mínimo de preparação psicológica. Ceguinhos de todo!

No meu caso pessoal, entregaram-me uma secção de 10 homens de um pelotão e, eles e eu que nos desenrascássemos perante os mais diversos perigos e dificuldades que nos surgissem. E não podemos esquecer que tínhamos a convivência diária, hora a hora, minuto a minuto de homens que naturalmente tinham  as mais diversas personalidades, sentimentos e humores e que, sobretudo, viviam permanentemente armados com espingardas automáticas. Espingardas automáticas que… matavam mesmo…

Sem formação, sem preparação, valeu-nos a calma – a muita calma! – e, sobretudo, o bom senso.

No meu caso, que comandei isoladamente em muitas situações de operações de patrulhamento ou de manutenção e vigilância em destacamentos militares ou civis, homens da minha secção, foram vários os casos que surgiram e que tivemos de ultrapassar.

A situação que hoje aqui trago e que, porventura, foi a mais complicada e difícil de resolver, aconteceu então nesse mês de Julho de 1969, tempo em que estávamos a apenas 3 meses do término dos 2 anos da nossa comissão.

Estava a comandar uma secção de 10 rapazes (2 cabos e 8 soldados) na Fazenda Lifune, a cerca de 100/130 kms a norte de Luanda, junto ao Litoral mas ainda não muito distante do famoso Norte de Angola, onde acontecia tanta “porrada” e muitas mortes ocorriam. Estavamos no litoral mas não estávamos tão longe das zonas mais perigosas quanto isso.

Era uma grande fazenda de grandes áreas de cultivo de palmeiras de palma, de onde se colhia o grandes cachos de dem-dem de onde, por sua vez, depois saía o óleo de palma.

Com esses militares mantínhamos a presença, vigilância e ordem dentro e junto às instalações da fazenda que incluíam, para além das casas de habitação, os armazéns e a fábrica.

Mas não o fazíamos sozinhos, o que seria impossível com tão poucos homens. Um corpo de milícias para-militares, formados e treinados pelas tropas portuguesas, ajudavam-nos na missão, numa ajuda que consistia sobretudo na vigilância nocturna em postos montados em redor das instalações da fazenda. Os milícias apenas tinham que, periodicamente (hora a hora, ou de meia em meia hora, já não me recordo…), bater num grande ferro, numa sequência que o nosso sentinela atento no torreão no cimo do prédio maior da fazenda, controlaria para sentir que todos estavam alerta.

Era este o nosso trabalho mais importante e responsável.

Acontecia então que, enquanto eu dormia no 1º andar (na janela da direita que se vê na foto do prédio que junto), os soldados pernoitavam no rés-do-chão do prédio contíguo e, para subirem ao torreão, usavam uma passagem interior que dava acesso à escada existente no prédio e que terminava encima abaixo do torreão. A escada era construída em madeira e, como também dava acesso ao meu quarto, era-me familiar acompanhar durante a noite e madrugada a audição das madeiras a ranger no patim ou nos degraus à passagem dos militares na sua rendição no posto sentinela.

Tudo decorria dentro da maior das normalidades quando, numa bela noite, - vá lá saber-se porquê?...- eu acordo e começo a pensar que não ia ouvindo os passos dos homens nas rendições…

Esperei atento mais uma hora aprazada para nova rendição e… nada de passos, nada de barulho na escada. Aí, alarmei-me!..Saí da cama, vesti-me, peguei na "menina" (G3 que sempre “dormia” comigo encostada à parede junto à almofada da cama) e saí para a escada subindo o mais silenciosamente possível, porque não sabia o que me esperava e, chegado ao torreão o que vi, para minha enorme surpresa?

De luz acesa – friso: de luz acesa! - 4 rapazinhos (1 cabo e 3 soldados) despreocupadamente jogavam à lerpa!!!

Isso mesmo, de verdade: em plena guerra, com noite serrada, num posto de sentinela, de luz acesa, jogavam às cartas a dinheiro!

Querem coisa mais grave?

Fiquei chocado, alarmado, indignado e até mesmo ofendido porque, eu, pela forma respeitosa e até cavalheira como sempre os

chefiava, não merecia tamanha falta de respeito.

Recompus-me da surpresa e reagi de imediato e, vendo-os também assustados, limitei-me a perguntar qual dos 4 deveria estar de sentinela naquela hora. Esclarecido, mandei os outros 3 para a cama, avisando-os que de manhã conversariamos e desci para o meu quarto para entrar na cama e, a partir daí, dormir tanto como estou agora a dormir… 

A escassos dias de terminar todo aquele imenso pesadelo da nossa terrível guerra, tinha entre mãos o mais difícil e complicado problema disciplinar para resolver!

E como fazer? O caminho “obrigatório” e que muitos seguiriam, seria participar a ocorrência e aguardar os seus efeitos. E quais seriam eles? Sem dúvida os 4 ficariam de imediato detidos e, logo de seguida seriam enviados para zona muito e muito mais perigosa onde, de certeza, correriam risco de vida. Teriam mesmo eventualmente o seu tempo de comissão aumentado em mais alguns meses.

Pensei nisso, imaginei que se isso acontecesse e resultasse por acaso na morte de alguns deles, como depois me sentiria? Não sentiria problemas de consciência?

Todavia eu não poderia vacilar na minha decisão de os penalizar sob pena de, se isso acontecesse, nesse momento acabar-se ia o chefe, "morreria" o Furriel Chefe de Secção e teria de sempre os carregar encima dos ombros com desobediências, subalternizações e desordem sem fim. Não poderia transigir, custasse o que custasse.

Não dormi e, como muitas vezes a almofada é boa conselheira, nela encontrei a solução: o cozinheiro Nunes estava sempre a queixar-se-me que precisava de lenha rachada para o fogão e, como a pilha da dita era bem volumosa, estava ali um bom castigo alternativo para os rapazinhos. (Existia uma escala para o rachar da lenha mas, chegada a vez, o escalado chegava mas… rachava o menos possível e ás tantas a lenha faltava na fornalha…)

De manhã, chegada a hora do pequeno-almoço, compareci e, depois de uma pequena prelecção sobre a gravidade operacional e disciplinar do ocorrido, transmiti-lhes a minha “sentença”, dizendo que tinham 3 dias para a cumprir (a pilha da lenha era grande mas eles eram 4...) e, quando esperava um alívio da sua parte, por saberem que não participaria oficialmente a situação, salta-me o cabo Trindade, logo secundado pelo soldado Paulino (o mais “atravessado” de todos os 10!):
- Eu não racho lenha nenhuma! – sentenciou o Trindade.
- E eu também não! – secundou o Paulino.

Grave! Muito grave! Gravíssimo!

Se a situação já era complicada, mais complicada estava.

Irritado, tentei controlar-me e, secamente, respondi-lhes:
- Pensem e ponderem bem e com muito cuidado na vossa resposta e na vossa decisão. Dou-vos o tempo de subir ao quarto e começar e acabar de escrever o que vou redigir. Feito isso e entregue que seja ao nosso Alferes, o que vos vier a acontecer,  à vossa vontade pertence.

Deixei-os e subi ao quarto e, lá chegado uma angustia imensa me assolou... Eu não queria participar deles mas, eles não me deixavam outra alternativa... Que fazer? Recuar não podia.

Arranjei papel e caneta e, arrastada e demoradamente fui escrevendo, escrevendo e aguardando que me batessem à porta do quarto… E, acontecendo isso, duas hipóteses poderiam surgir: ou vinham armados e exigiam que rasgasse a participação, ou usavam da inteligência e, retribuindo o meu bom senso, recuavam e aceitavam a minha penalização.

E a 2ª possibilidade aconteceu, felizmente!

Tinha eu o rascunho do texto da participação na posição de escrita que aí deixo, quando ouço bater à porta e fui abrir num misto de receio e esperança...

Entraram os quatro e o cabo Trindade falou:
- Meu furriel, nós vamos rachar a lenha em 3 dias.

Respirei de alívio. Pedi-lhes uns abraços, que foram trocados com franqueza e saíram.

E a lenha foi rachada. 

E eu não participei dos loucos rapazes.

E eles não foram castigados e recambiados para zona de intervenção perigosa.

Graças ao bom senso! 

Meu e deles!

EM TEMPO – Seis anos atrás, num dos regulares almoços que vamos tendo com os velhos camaradas da guerra, o cabo Trindade apareceu na “Pateira de Fermentelos” e recordamos, ainda com alguma emoção, o perigoso episódio. “Eu é que lhe fui dizer que  rachavamos a lenha…”  lembrou-me. 
Na foto, Trindade é agora o “velhote” de cabelos brancos, na ponta esquerda.




quarta-feira, 26 de julho de 2017

DIA DOS AVÓS






NOTA: Retirei a frase da net, com a indicação de ser de um anónimo. Pelos vistos, um anónimo sabedor.


segunda-feira, 24 de julho de 2017

POIS...JÁ FOI HÁ 14 ANOS!...


Faz hoje 14 anos  (catorze!) que ferrei este monstro de uma pequena represa junto ao Lavre!
Fiquei louco de entusiasmo, fotografei-o de todas maneiras e feitios e, à noite, chegado a casa, apressei-me a registar no blogue tamanho feito.
Para não me repetir, copio para aqui o que então escrevi e volto a publicar as mesmas fotos.


MEU RECORD PESSOAL!

Convidado pelo casal Bela e João para uma sardinhada no sábado opto, para não perder uma semana de pesca, ir esta quinta-feira.

Chego junto à Barragem onde acredito sacar alguns achigãs e fico desanimado... Está uma ventania dos diabos! E os homens do Tempo que só "deram" vento para a tarde... Isto é que eles acertam!...

Ainda aqui me aguento mais de uma hora mas, tenho de desistir e penso noutra pequena represa que fica entre sobreiros e pinheiros, lá bem num fundo e talvez tenha menos vento. Vou até lá... e acerto ! Há vento, mas com menos intensidade.

Vamos tentar aqui para ver se consigo fisgar algo. No ano passado pesquei aqui 3 ou 4 bons achigãs...

Coloco a amostra Rapala de Suspensão de 7 cms que então aqui me deu optimos resultados. Um lançamento, dois, três,... sete ... dez... EH! PORRA! QUE SUSTO! Eu não vi o bicho mas pelo barulho que fez na superfície da água deve ser um monstro!

Deduzo que veio atrás da amostra até mesmo à margem e atirou-se tarde, quando eu já a retirava da água... Porra! Que pena!...

Tento de novo... Uma, duas, várias vezes... Passam-se cinco minutos e... ZÁS! ZÁS ! Um enorme puxão um metro ou dois antes da Amostra atingir a margem! Estou num plano mais elevado, aí um metro em relação à superfície da água. Fico doido e não me resta outra alternativa: Zás! Força também do meu lado! Ainda guardo nos ouvidos o estalido da cana a partir: ZIM!!!...

- CARA....O!!! - Praguejo.
- PARTI A CANA! QUE MERDA!!!...

Caiem-me os pedaços da cana junto aos pés! Vejo um enorme achigã meio dentro e meio fora de água!!!... Fico louco! Agarro nos bocados da cana partida e na linha e tento puxar o meu amigo para terra!... Mas aquela merda da linha corre-me e o peixão não sai do sítio!... Dou duas voltas à linha com a mão e puxo! Puxo! Aleija-me a mão a porra da linha mas não importo!...

- Força, Victor! Saca o gajo! Puxa-o para cima!

Ele manda saltos, luta o que pode para se libertar mas não consegue! Está bem fixo! Felizmente! Ei-lo, LINDO! ENORME!!! QUASE UM MONSTRO!...

Dou pulos de alegria!
- Cara....o! Consegui! VIVA!!! E como pesa este bicho!...

Dois quilos, avalio bem.

Levo-o para junto do jipe para o pesar mas a balança só dá para quilo e meio... Vejo que não me vai caber na caixa térmica...

Começo a preparar-me para as sessões de fotos mas antes ligo para todos quantos me ocorrem: Tio Zé, Gilberto, Nuno, Miguel, Tó Zé e até para o amigo Ventura eu ligo mas não me atende...

Levo-o para o restaurante onde vou almoçar e peço ao Fernando para o guardar no frio até à minha passagem no final do dia. É pesado: 2 (dois) Kgs!!!

Pergunta-me o Fernando:
- Já o fotografou?
- Se o fotografei? Oh pá, quase de todas e formas e feitios! Só faltou pôr-me nu e de cú para o ar!...
O Fernando ri com vontade!

Bati o meu record pessoal! Fico maluco! Sou doido pela pesca do achigã e só tenho pena de não ter lutado mais com este monstro na água ... Ficará para o próximo!...

Não tenho dúvida!...

Então, volto a contar aqui...



terça-feira, 18 de julho de 2017

TIO ZÉ E SEU INVEJÁVEL SENTIDO DE HUMOR


Gozando ainda Tio Zé “Pisco” de uma aparente boa saúde para a sua já provecta idade (91) e mexendo-se também com muito assinalável agilidade (trabalha e cultiva as terras quase como há 15 ou 20 anos atrás), adicionados esses importantes factores à personalidade de que é portador e ao seu invejável sentido de humor que em toda a sua existência sempre o caracterizou, talvez encontremos o segredo para a forma como vem vivendo e atravessando, aparentemente bem, a duríssima transe porque passa e que é, sem dúvida, a mais difícil e complicada da sua vida.

Já o escrevi aquando da partida brusca e sofrida da Tia Tina e repito-o: ocorrida a morte e sofrida a perda, há que de imediato reter todas as atenções nos que ficam e, se logo aí temos o idoso Tio Zé, seu fiel e dedicado companheiro dos últimos 62 anos das suas existências, é dele que nos temos de preocupar e é isso que, como assinalável relevo venho assistindo, quer primeiro dos seus filhos, quer depois de restantes familiares mais próximos.

A Bela e o Tó Zé (bem como o João e a Graça, genro e nora) têm sido absolutamente incansáveis para acompanhar e acarinhar o seu bom pai e eu sei que ele reconhece e aprecia tanta dedicação, tanta estima e tanto amor.
Tem sido um trabalho e uma dedicação impressionantes e que ele bem merece.

Acontece apenas, segundo a minha fraca análise, que o nosso Tio Zé está a atravessar benzinho apenas esta fase da “partida”, do falecimento, mas faltará muito possivelmente a não menos complicada fase da “falta” e, essa verificar-se-á provavelmente no frio e complicado Inverno beirão em que não terá o carinho e atenção da dedicada e velha companheira à lareira, a fazer a cama, a aquecer o quarto. E também não a terá com a mesa posta e a comidinha feita esperando-o à chegada das terras.

Ele já pondera isso mesmo quando diz e repete sem cessar:
- Agora vou para as terras, semeio, rego, cultivo, colho, vejo quem passa na estrada, converso na rua com um ou outro e distraio-me mas, chego a casa e… não há luz… Tenho a luz apagada...

Imagem realista de um homem que viveu 62 anos com uma mulher em que, os dois, eram a unha com a carne. Para onde ia um, ia o outro e, quando um se ausentava, o outro preocupava-se em saber do seu paradeiro. Quantas vezes ouvi a Tia Tina perguntar:
- Onde foi o Zé? Não esteve aqui?
E quantas outras vezes ele não me perguntava:
- A Tina, já foi para baixo?

Tudo perguntas, conversas e situações que marcaram uma época, tiveram um fim e que agora é urgente deixar para trás.E eu quero acreditar que Tio Zé as vai ultrapassar de forma mais ou menos satisfatória. A sua personalidade e o seu muito sentido de humor fazem-me prever isso.

A todo o momento tem e ele faz uso desse sentido de humor de forma invejável e até mesmo impressionante e estou em crer muito o ajuda a viver, como o daquela hora em que velava o corpo da sua amada companheira e, recebendo as condolências de um amigo que tarda em arranjar noiva e casar, com fina ironia lhe lembrou:
- Olha, tu não vais passar pelo que estou a passar!.

Um espanto! O Lelo, surpreendido, saiu da capela e veio segredar-me:
- Sabe o que ele me disse ao ouvido? Que eu não vou passar pelo que ele está a passar.

Este é o humor refinando e inteligente do sofrido Tio Zé que, todavia, não se fica por aqui, como é de calcular. 
Ainda há pouquinho, almoçando aqui comigo e com a Tense, quando conversávamos os três e indagávamos qual dos filhos, que se escalaram para, alternadamente, todas as noites virem jantar com ele e acompanhá-lo na noite viria hoje, ele, depois de nos dar essa informação, nos "atira" e nos deixa positivamente de boca aberta, a olhar um para o outro: 
- Eles têm medo que eu lá meta alguma gaja!…

Pouco faltou para cairmos das cadeiras, perdidos de riso…

Incrível! Incrível e invejável este fino humor do nosso Tio Zé!

NOTA - A foto que junto é da manhã do dia 16 deste mês quando, vindo de regar - "andei a regar os meus tomates", disse... -  e a exemplo de muitas outras vezes, Tio Zé passou para me cumprimentar e conversar um pouquinho antes de seguir para o almoço.

sexta-feira, 14 de julho de 2017

PATUSCO MOMENTO



Imagem do sorridente amigo António Rainha, naquele que, para mim, considero dos mais patuscos momentos vividos no nosso recente convívio de “Jovens de Ontem” no meu Chouto natal.

Porque sorri ele e porquê patusco? 
Eu explico: Durante a minha estadia em Angola na guerra correspondi-me com dezenas de familiares e amigos e, como guardo tudo e mais alguma coisa, tenho ainda bem conservada toda essa correspondência travada. Entre ela estão muitos aerogramas, que era assim como que uma espécie de bilhetinho dobrado e que, fechado, como um envelope, circulava gratuitamente de e para as nossa tropas em campanha em África.

Um dos amigos com quem travei aerogramas foi com o António Rainha e guardo dele e de outros esses “bate estradas”, como também lhes chamávamos e resolvi levá-los para o nosso convívio. Esses do António Rainha e muitos outros de iguais amigos presentes no encontro.

Todos são muito interessantes, mais até e sobretudo para quem os subscreveu (“como foi bom agora recordar passagens da minha estadia na guerra de que já não me lembrava mais!...” – confessou-me o Tomé Dinis) mas, os mais patuscos e divertidos, sobretudo pela linguagem e franqueza expressa, são os do nosso Tónio Rainha. São, são!

Não divulgo aqui algumas das suas “prestimosas informações” sobre custos e aspectos do “material” – leia-se cor… - em uso no local na ocasião, por razões que se prendem com decoro na linguagem utilizada (eh! eh!) mas lá que ri com franco prazer e que, a ele, agora, também o fizeram sorrir com gosto, lá isso fizeram.

Fica aí o flagrante da imagem do seu sorrisinho maroto ao reler as divulgações que me fazia nos aerogramas 50 anos atrás.
   
A malta nova, a rapaziada jovem e os seus gozos de juventude, apesar de tudo despreocupada e descomprometida.

A guerra porque que passamos e que, não obstante ser guerra com perigos, dificuldades e mortes, também tinha os seus bocadinhos algo saborosos e patuscos. Sobretudo quando tentávamos esquecer a dor, o sofrimento e os sustos porque passávamos…

quinta-feira, 13 de julho de 2017

A "DELICIOSA SACANICE" DE TIO ZÉ "PISCO"


Reedição do texto original publicado no ano de 2002 no Site da Intrépida (grupo de pescadores meus amigos do Brasil). 

Composição, ilustração e edição do amigo Ricardo Carneiro do grupo Intrépida. 

Como o Site foi extinto e na natural impossibilidade material de aqui fazer a sua reedição directa, optei por fotografar o texto editado em papel e assim poder aqui fazer uma nova publicação na net.








segunda-feira, 10 de julho de 2017

TRISTEZA, DOR E LUTO


Regresso hoje à base – leia-se: casa de habitação – depois de sexta, sábado e domingo particularmente difíceis, sofridos e bem doridos em Viseu primeiro, na sexta (7), com a morte no hospital local da nossa querida e já saudosa Tia Tina e também o velório em Fataunços; depois, no sábado (8), com o seu muito sentido funeral no cemitério da freguesia; e, depois o domingo, com a preocupação de filhos e familiares mais chegados com o bem-estar do nosso Tio Zé, agora sem a sua fiel e dedicada companheira de toda a vida.

Dias muito duros e particularmente sentidos por todos e preocupações mil agora com a vida física, psicológica e emocional do nosso Tio Zé… Não é, sem grande e difícil sofrimento, que se passa tão dramática fase da vida e os seus 91 anos exigem e justificam toda a nossa mais completa atenção.

Seguindo desde há muito a minha “máxima” que os mortos devem enterrar-se e todas as preocupações devem recair de imediato sobre os vivos, foi meu cuidado naquela hora tão dramática no parque de estacionamento do hospital de Viseu encontrar-me e saber do “estar” do amigo Tio Zé, em hora tão complicada. De imediato fiz questão de o procurar e verificar o seu estado e devo dizer que fiquei agradavelmente surpreendido – se é que o adjectivo aqui deve ser utilizado… - com a calma e a bonita serenidade que aparentou ao meu cumprimento/alento: calmo, de rosto fechado mas sereno encolheu-me os ombros, olhou-me e, em lamento, disse: 
- É isto… É assim… Que se há-de fazer? Custa muito mas… que fazer?

Fiquei, confesso, um pouco aliviado a ver a maneira com reagiu a tremendo infortúnio. No momento único da sua vida em que sabe que perdeu para todo o sempre a companheira amiga e dedicada de toda a vida, Tio Zé, numa postura serena e calma, talvez fosse naquela hora o mais sereno, o mais calmo e consciente de todos nós… Muito bonito, gratificante e grande exemplo para nós, mais novos, menos experientes, mais excitados e menos serenos. 

Tia Tina, a matriarca da família, deixa-nos o seu exemplo de vida de mulher de muito trabalho, enorme dedicação à família e aos amigos, esforçada em dose maior na criação dos filhos e até dos sobrinhos, sempre pronta a ajudar tudo e todos e com uma vida exemplar de dignidade e verticalidade que aqui importa e deve ser realçada!

Membro da sua família desde 1972, desde cedo me habituei a ver e encontrar na Tia Tina e no Tio Zé mãos e ombros amigos em que muitas vezes vi apoiarem-se tudo e todos mas, sobretudo e muito principalmente, filhos e familiares mais chegados. Tanto nele, quanto nela, sempre todos encontraram ali a ajuda, o apoio e o alento para vencerem obstáculos mais difíceis de transpor.

Não resisto mesmo em aqui deixar registada uma atitude de enorme verticalidade e coragem assumida pelo amigo casal quando, perante o gesto estúpido de uma acção em tribunal colocada por um irmão contra outro, no caso seus sobrinhos e em cuja umas das partes eu estava envolvido como réu - numa situação em que tinha absoluta e completa razão! - e perante a forma enviesada e errada como a justiça estava a analisar a situação, que levaria a que quem tinha razão seria condenado, Tia Tina e Tio Zé, postos ao corrente da situação e conhecendo muito bem a realidade e a verdade dos factos, aceitaram ser testemunhas de defesa de uma das partes (a minha) e, perante a sentença errada e estúpida e a eminência de a mesma passar a efectiva, não hesitaram a chamar a outra parte, “encostá-la à parede” e, corajosamente, sentenciarem ao outro seu sobrinho, autor na mal intencionada acção:
- Ou tu tiras imediatamente a acção do tribunal, ou nunca mais entras na nossa casa! 

Assim mesmo! Sem rodeios, cara a cara, com muita coragem e verticalidade, assumiram a defesa da verdade e da justiça e puseram-se claramente numa posição de defesa de um sobrinho contra o outro que a não merecia.
Pela verdade! Pela justiça! Com louvável e impressionante verticalidade! 

Por esta posição e pelas muitas e muitas provas de amizade e até caridade que, dignamente, ao longo de toda uma vida assumiram em prol de amigos e familiares e de que sou testemunha, tenho pela Tia Tina e Tio Zé a máxima estima e o maior carinho e, vê-la agora partir, é dor imensa e profunda. Muito profunda!

Que descanse em paz e que seja possível o nosso Tio Zé ultrapassar, o menos dorido possível, esta situação tão complicada e difícil da sua longa vida!

Ele merece!

Ele terá de a ultrapassar!

(Deixo duas fotos, distantes no tempo de apenas oito meses, onde  podemos comprovar como nesse curto período a imagem da nossa Tia Tina se deteriorou, sendo que esta, foi a última foto que lhe tirei.)

quarta-feira, 5 de julho de 2017

O MEMORÁVEL I GRANDE ENCONTRO DE JOVENS DE ONTEM!


Realizado no meu Chouto natal, no passado dia 24 de Junho - a que só hoje me refiro por absoluta indisponibilidade temporal e mental (viajei no dia seguinte para a Beira Alta, onde permaneci uns dias) –, o "I Grande Encontro de Jovens de Ontem" constituiu uma magnífica e inolvidável jornada de confraternização, amizade e convívio e, se antes senti prazer em organizar, hoje sinto muito orgulho em ter concretizado tão bonito evento! 

Foram muitos os velhos amigos – alguns de lágrima no olho e outros com os olhinhos bem humedecidos e brilhantes de emoção… - que na hora me agradeceram a realização e tive mesmo quem me confidenciasse que era um dia dos mais felizes da sua vida. Fiquei muito sensibilizado e… emocionado. Sim, também eu adorei tão bonita confraternização e emocionei-me igualmente por rever velhos companheiros de brincadeira e aventura dos tempos da infância e juventude, muitos deles que já não via há bem meio século!...

Na verdade, foram muito reconfortantes e emotivas as cenas vividas durante toda a reunião e, estou certo, ficaram para sempre sentidos e registados no intimo de todos os belíssimos episódios ocorridos desde os emotivos e surpreendentes cumprimentos e abraços às chegadas com a recepção nas instalações do Centro de Acolhimento, bem como as inúmeras vivências posteriores, durante e após almoço, já no recinto da Feira de S. Pedro, com imensas recordações de tempos passados e muita música que animou e encantou tudo e todos!

No tocante à música foi uma boa ocasião para a minha irmã Adília soltar a garganta e reviver – ela e todos nós! – os dias da sua meninice quando, então nos “degraus da junta” – leia-se: os 3 ou 4 degraus que davam acesso ao edifício da Junta de Freguesia, ali bem em frente à nossa porta de habitação onde fomos criados – cantava a plenos pulmões e recitava quadras e textos de cantorias com e para as amigas de infância. Bem me recordei disso quando espontâneamente se levantou da mesa e, dirigindo-se ao nosso primo Jorge Oliveira (acordeonista) a vi pegar no microfone e empurrar todos para a entoação das mais diversas e alegres canções do nosso antigamente. Foi contagiante e, com a prima Luísa que também muito bem canta e adora esse mundo das músicas, elas comandaram as hostes e transformaram a reunião em quase um arraial, já que tudo aderiu – até os presentes não inscritos antecipadamente do nosso encontro. Foi bonito, bonito de mais!

Mas, volto às anteriores emoções que todos sentimos nos nossos reencontros porque estou a lembrar-me de duas situações que vivi no momento e que achei bem gostosas…
Uma ocorreu com um velho e muito querido amigo que já não via há muitos anos e que, sem o reconhecer na altura, não obstante saber da sua inscrição para a reunião, o vi entrar no hall do edifício do Centro e logo ser fortemente saudado e abraçado por muitos dos presentes. O rapaz a todos sorria e abraçava e, quando às tantas se aproximou de mim, perguntou:
- Não me estás a reconhecer, pois não?
Não estava de facto - e sabia que ele ali compareceria… - mas, quando se aproximou com a sua estatura meã, o mesmo sorriso de há 50/60 anos e, sobretudo, o seu timbre da voz, tudo somado, fez-me ver ali o velho amigo de quem guardo significativas memórias, de forma que, quando se identificou, embora grande, foi uma meia surpresa:
- Sou o Dalael!

Caímos nos braços um do outro e o aperto foi forte e deveras saboroso! Tinha ali o velho amigo Dalael de quem guardo tão boas e amigas memórias! Adorei! (Uma dessas memórias, que retenho bem viva, prende-se quando o vi ser “picado” numa brincadeira amigável mas, pelo ocorrido perigosa, com o também nosso amigo Amável, na oficina de bicicletas do seu cunhado Zé Gouvelas… Estavamos só os três e o Amável na brincadeira, empunhando um pequeno canivete de curta folha, que os ribatejanos sempre usam no bolso, fez o gesto que queria espetar o Dalael. O Dalael tinha uma samarra vestida e eu lembro-me de ter visto a folha desaparecer na mão do Amável mas, como a samarra era de um tecido forte e espesso, achei que a folha da navalha tivesse recolhido para o interior da mão do Amável… Eis quando o Dalael  diz: 
- “Ó pá, já me picaste!”. 
Desabotoa a samarra e vejo o sangue a esguichar da barriga do pobre Dalael.  Eu tinha os meus 18 anitos e fiquei horrorizado! Que tinha acontecido? Por azar o Amável tinha enfiado a folha do canivete numa casa de um botão da samarra e, como por baixo só existia uma camisita, a picadela aconteceu. Foi um alvoroço na aldeia e lembro-me que estava marcado um baile para essa noite que só teve inicio depois do Dalael regressar do hospital da Chamusca onde recebeu o necessário curativo. Ainda agora voltamos a falar disso e o nosso amigo mostrou-me a pequena cicatriz que ainda guarda na barriga junto ao umbigo.)

O outro episódio que recordo aqui também, deu-se quando uma amiga de juventude, que igualmente já não via há muito tempo, me pergunta:
- Estás a conhecer-me?
Ela, de físico está muito idêntica, mas apresenta um rosto muito fresco para a idade o que é agradável de ver e eu reconhecia-a, se não no imediato, pelo menos com poucas hesitações:
- Dançamos tantas vezes, Estrela! - Respondi-lhe, ao que ela retorquiu:
- Pois foi. Nas matines. Eu também gostava muito das matinés!...
E os “gostos” e as recordações ficaram com cada um…

Bom e depois foi a visita às instalações do Centro que muitos não conheciam e que os deixou deveras surpreendidos e, desse convívio com os ali residentes, guardo também uma situação muito gratificante quando a Dª Arminda Pratas, viúva do saudoso amigo Ilídio Pratas, fez questão de, através de uma funcionária do Centro, pedir que me chamasse porque me queria abraçar. Sensibilizou-me particularmente e as “lanternas” humedeceram… Francamente. Ela conheceu-me desde sempre, casou, foi mãe e criou oito filhos e, agora, ainda de fresca cabeça e aparentando boa saúde, residente nas magníficas instalações do Centro de Acolhimento, fez questão de me abraçar. Muito bonito! Adorei e estou-lhe muito grato!


E ainda tenho de aqui registar duas outras situações muito, muito interessantes que se prendem com o desejo que exprimi atempadamente na convocatória para o Encontro, quando sugeri que, dentro do possível nos fizéssemos acompanhar de brinquedos e/ou objectos escolares do nosso tempo de infância. Eu, sem brinquedos, ou livros escolares daquele tempo, organizei três dossier (fotos antigas do Chouto; meus escritos antigos nos jornais sobre a terra; e outro de correspondência recebida no tempo em que estive na guerra) e levei e vi com prazer como foram apreciados mas, o máximo do prazer foi quando vimos a minha prima Fernanda Pratas apresentar-se com a velha e pequenina malinha de cartão da escola – uma verdadeira relíquia! – com a ardósia e os livros da primária dentro e, excelente também, foi quando vimos o Virgílio Antunes entrar na sala onde decorria o beberete empurrando o seu velhinho “carrinho de canas” com que tanto brincou enquanto criança. Maravilha! Maravilha de momentos estas duas situações!


Houve então na altura um beberete gentilmente oferecido pelo CASC – sempre atenciosos! - que todos apreciamos e, dali, depois do “retrato de família” tirado nas escadarias exteriores do edifício, rumamos para o recinto da Feira onde almoçamos e convivemos até às tantas. Eu saí, de volta a casa, já pelas 10 da noite.

Saí bem-disposto!

Saí satisfeito!

Em boa hora organizei este belíssimo encontro!

Em boa hora confraternizamos e recordamos tempos passados na aldeia!

Deixo o meu obrigado aos amigos que me proporcionaram este dia inolvidável!

Pode ser que para o ano haja mais…

(“Ornamento” as minhas palavras com umas quantas imagens registadas no convívio e, no meu Site, publico mais fotos e alguns vídeos feitos no acontecimento. Veja aqui: http://victor-azevedo.net/i-grande-encontro-de-jovens-de-ontem-no-chouto)