Minha mãe, ao vislumbrar ainda que à distância a chegada de meu avô Gregório, largando um trabalho que estivesse a fazer ou suspendendo mesmo uma eventual conversa com outrem, sempre repetia, séria e, em boa verdade, solenemente, o mesmo interessante cerimonial:
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Nesta foto, seguramente de antes de 1943, de que gosto muito, a minha ascendência materna, com meus avós Maria do Rosário e Gregório Alves e as 4 filhas (Maria, minha mãe, Beatriz, Domingas e Luísa) |
Dava
um, dois passos na direcção do progenitor, punha as mãos frente ao peito como
que para iniciar uma reza, inclinava levemente o tronco para a frente em sinal
de culto e cortesia e, respeitosamente, rogava-lhe:
-
Dê-me a sua bênção, pai!
Obtendo
de imediato a resposta:
-
Deus te abençoe, Maria!
Vinda
a minha avó Maria do Rosário (mãe e filha tinham nomes iguais) o cerimonial e
as palavras de rogo eram idênticas mas, aí, nesse caso, na resposta tinha uma
pequenina variante: Minha avó, por vezes, substituía-lhe o “Maria” por um
familiar “rapariga”.
-
Deus te abençoe, rapariga!
Vi
estas situações milhares de vezes e sempre as mesmas me fascinaram pela
religiosidade, pela solenidade e muito até pelo encanto que nelas sempre
encontrava e tanto mais porque, ao contrário dos meus outros primos do lado
materno, eu e minha irmã éramos os únicos netos que assim não tinham sido
educados no cumprimento aos avós.
Manda
a verdade que, se hoje me interrogo do porquê dessa diferença, não me recordo
de alguma vez ter confrontado meus pais do porquê dessa desigualdade de educação
mas, francamente, hoje, olhando para trás, creio ter encontrado a justificação
Sendo
o pedido da bênção um cerimonial de raiz religiosa e conhecendo a vivência dos
meus antepassados paternos e maternos, sobressaindo ainda a influência marital
de meu pai sobre minha mãe em muitos aspectos e, neste caso vertente, na
educação dos filhos, é bem provável que tenha prevalecido a vontade de meu pai.
Na
ascendência dos lados de minha mãe (analfabetos e rurais, em que todo o tempo
era pouco para cuidarem das terras e do seu cultivo) pouca prática religiosa
tinham - até porque na aldeia muito pouco culto também havia para além da missa
dominical a que uma vez ou outra assistiam mas, certamente, trariam doutras
paragens de sua origem as suas raízes religiosas (da zona de Abrantes vieram
para o meu Chouto natal para arrotearem terras) mas, já outro tanto não
acontecia com o meu lado paterno…
Assim
e embora reconheça que meu pai (vindo da vila, algo letrado para o comum dos
cidadãos, comerciante) morreu católico praticante no melhor da palavra, isso só
aconteceu a partir dos seus anos 50 de vida porque, até aí, se bem que sem
qualquer hostilidade à causa religiosa e até com um excelente relacionamento
com os párocos da terra, resultante do seu bom trato, da sua educação e
cortesia, estava longe de ser um praticante convicto e essa situação só se
alterou quando frequentou um Curso de Cristandade e, efectivamente, aderiu de
alma e coração à causa religiosa e passou a ser um bom praticante mas, valha a
verdade que se diga que a religião foi avessa à sua formação enquanto criança e
jovem.
A
mãe (minha avó Adelaide) não morria muito de amores pelos padres e o marido
(meu avô José Azevedo) era por demais hostil à religião e se não veja-se o
celebre caso do “desaparecimento” do S. Francisco, na Chamusca, história que já
narrei aí no meu blogue anos atrás (http://victor-azevedo.blogspot.com/2011/04/avo-adelaide-e-o-s-francisco.html)
quando, no distante tempo do governo de Afonso Costa, avesso à religião, com a
ajuda de um amigo fez desaparecer do templo a imagem do santo, imagem que
enterraram num quintal junto ao pé de uma oliveira e que só foi descoberta 50
anos volvidos, já com eles falecidos mas com minha avó viva. Avó Adelaide que
de tudo sabia mas que nunca o desvendou, possivelmente por compromisso assumido
perante o marido.
Portanto,
tendo esta ascendência paterna é bem provável que ela tenha influenciado a
educação do pequeno Victor e sua irmã Adília e daí nunca terem exercido essa
forma bem interessante e mesmo solene do “Benção, pai! Benção, mãe!”
Mas
devo confessar que tenho pena!…
Era
bonito, era educado, era respeitoso e cimentava carinho e espírito de corpo
entre pais e filhos e até entre avós e netos.
Mas,
como tudo assim, acabou...
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