domingo, 3 de outubro de 2021

"SUA BENÇÃO, PAI!" - "SUA BENÇÃO, MÃE!"

Minha mãe, ao vislumbrar ainda que à distância a chegada de meu avô Gregório, largando um trabalho que estivesse a fazer ou suspendendo mesmo uma eventual conversa com outrem, sempre repetia, séria e, em boa verdade, solenemente, o mesmo interessante cerimonial:

Nesta foto, seguramente de 
antes de 1943, de que gosto
 muito, a minha ascendência  
 materna, com meus avós
 Maria do Rosário e Gregório
 Alves e as  4 filhas (Maria,
minha mãe, Beatriz, 
Domingas e Luísa)

Dava um, dois passos na direcção do progenitor, punha as mãos frente ao peito como que para iniciar uma reza, inclinava levemente o tronco para a frente em sinal de culto e cortesia e, respeitosamente, rogava-lhe:

- Dê-me a sua bênção, pai!

Obtendo de imediato a resposta:

- Deus te abençoe, Maria!

Vinda a minha avó Maria do Rosário (mãe e filha tinham nomes iguais) o cerimonial e as palavras de rogo eram idênticas mas, aí, nesse caso, na resposta tinha uma pequenina variante: Minha avó, por vezes, substituía-lhe o “Maria” por um familiar “rapariga”.

- Deus te abençoe, rapariga!

Vi estas situações milhares de vezes e sempre as mesmas me fascinaram pela religiosidade, pela solenidade e muito até pelo encanto que nelas sempre encontrava e tanto mais porque, ao contrário dos meus outros primos do lado materno, eu e minha irmã éramos os únicos netos que assim não tinham sido educados no cumprimento aos avós.

Manda a verdade que, se hoje me interrogo do porquê dessa diferença, não me recordo de alguma vez ter confrontado meus pais do porquê dessa desigualdade de educação mas, francamente, hoje, olhando para trás, creio ter encontrado a justificação

Sendo o pedido da bênção um cerimonial de raiz religiosa e conhecendo a vivência dos meus antepassados paternos e maternos, sobressaindo ainda a influência marital de meu pai sobre minha mãe em muitos aspectos e, neste caso vertente, na educação dos filhos, é bem provável que tenha prevalecido a vontade de meu pai.

Na ascendência dos lados de minha mãe (analfabetos e rurais, em que todo o tempo era pouco para cuidarem das terras e do seu cultivo) pouca prática religiosa tinham - até porque na aldeia muito pouco culto também havia para além da missa dominical a que uma vez ou outra assistiam mas, certamente, trariam doutras paragens de sua origem as suas raízes religiosas (da zona de Abrantes vieram para o meu Chouto natal para arrotearem terras) mas, já outro tanto não acontecia com o meu lado paterno…

Assim e embora reconheça que meu pai (vindo da vila, algo letrado para o comum dos cidadãos, comerciante) morreu católico praticante no melhor da palavra, isso só aconteceu a partir dos seus anos 50 de vida porque, até aí, se bem que sem qualquer hostilidade à causa religiosa e até com um excelente relacionamento com os párocos da terra, resultante do seu bom trato, da sua educação e cortesia, estava longe de ser um praticante convicto e essa situação só se alterou quando frequentou um Curso de Cristandade e, efectivamente, aderiu de alma e coração à causa religiosa e passou a ser um bom praticante mas, valha a verdade que se diga que a religião foi avessa à sua formação enquanto criança e jovem.

A mãe (minha avó Adelaide) não morria muito de amores pelos padres e o marido (meu avô José Azevedo) era por demais hostil à religião e se não veja-se o celebre caso do “desaparecimento” do S. Francisco, na Chamusca, história que já narrei aí no meu blogue anos atrás (http://victor-azevedo.blogspot.com/2011/04/avo-adelaide-e-o-s-francisco.html) quando, no distante tempo do governo de Afonso Costa, avesso à religião, com a ajuda de um amigo fez desaparecer do templo a imagem do santo, imagem que enterraram num quintal junto ao pé de uma oliveira e que só foi descoberta 50 anos volvidos, já com eles falecidos mas com minha avó viva. Avó Adelaide que de tudo sabia mas que nunca o desvendou, possivelmente por compromisso assumido perante o marido.

Portanto, tendo esta ascendência paterna é bem provável que ela tenha influenciado a educação do pequeno Victor e sua irmã Adília e daí nunca terem exercido essa forma bem interessante e mesmo solene do “Benção, pai! Benção, mãe!”

Mas devo confessar que tenho pena!…

Era bonito, era educado, era respeitoso e cimentava carinho e espírito de corpo entre pais e filhos e até entre avós e netos.

Mas, como tudo assim, acabou...

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