quarta-feira, 20 de abril de 2011

A AVÓ ADELAIDE E O S. FRANCISCO


Dias atrás, falando de “tabefe” ou “almece”, recordei aqui meus avós maternos, com uma breve referência ás suas vidas e ao carinho e sentimento que nos unia, numa comparação com idêntico carinho e amor que nutro pelo meu neto. Não só aqui, como por e-mail, no Facebook, por telefone e até pessoalmente, foram vários os testemunhos de amigos que se sentiram identificados com o tema e que quiseram manifestar-me o seu apreço pelo que escrevi. Agradeço-lhes a gentileza!

Hoje, se bem que não em sentido idêntico – um dia, mais tarde, abordarei sobre eles igual aspecto e sentimento… - e dado que se atinge o 1º Centenário da Lei da Separação Estado - Igreja, criada em Portugal em 2011 pela “batuta” de Afonso Costa – o “mata - frades”, como ficou conhecido -, volto a essa associação de ideias porque, com a efeméride desse acontecimento lembrei-me dos meus avós paternos. Isso: Por estranho que pareça, meu avô José Azevedo – de quem não tenho memória porque faleceu comigo criança… - e minha avó Adelaide Augusta, tiveram algo a ver na Chamusca não tanto com essa lei propriamente dita mas com as muitas convulsões e agitações politicas e sociais vividas, não exactamente no país naquela data mas mais exactamente naquela vila de Portugal onde moravam na data. Não que ambos fossem exactamente uns revolucionários – longe disso! – mas mais por força de um acontecimento ocorrido na Chamusca naquele agitado período e que haveria de marcar as pessoas e seus sentimentos religiosos durante muitos e muitos anos…

Não sei da história com todos os detalhes mas penso que os que conheço são suficientes para podermos avaliar quanto a ocorrência agitou o burgo e, mais que isso e no caso que aqui me interessa, para podermos avaliar quanto minha avó Adelaide era pessoa firme, de carácter e que sabia respeitar os compromissos assumidos.

Vamos então à narração do ocorrido:

Com o Regicídio em 1908 (morte do Rei D. Carlos e do Príncipe Real Luís Filipe) e a consequente Implantação da República em 1910 o país vivia em continuas convulsões político-sociais, a confusão era sempre muita e foi nessa época que, na Chamusca, que logicamente não ficaria a leste de tudo isso, foi determinado fechar igrejas e, mais que isso, tapar (emparedar) os santos nos altares e nichos dos templos. Aconteceu então com uma imagem de um S. Francisco – que penso ser S. Francisco de Assis… - que foi ordenado fecha-la de costa para o templo e criar uma parede no nicho para que não mais se visse. Assim foi ordenado e assim foi feito. Viraram a imagem de frente para o interior do nicho e criaram um parede em tijolo para a ocultar. E é aqui que entra nesta história o meu avô paterno, que devia ser coisa “fresca”… Acho eu…

Que combinam e fazem meu avô com mais um seu amigo - que posteriormente viria a ser seu compadre porque seu filho (Lourenço da Silva) casaria com minha tia (Celeste) -? Pois, nem mais nem menos, apenas isto: Pela calada da noite introduzem-se no interior da igreja, arrancam alguns tijolos da parede do nicho, retiram a imagem do santo, voltam a colocar os tijolos, restauram a parede e… dão “descaminho” ao S. Francisco. Põem o santo em parte incerta e estou a imaginá-los a esfregar a barriga de riso a ver a cena de, quando a agitação passasse e tudo voltasse ao normal e os crentes fossem com pompa e circunstância voltar a querer recolocar o S. Francisco para culto, virado para a frente, encontrassem o nicho vazio…
E não é que aconteceu mesmo assim? Disse-se que até meteu Banda de Música!... Foi a bronca das broncas, como é bem de imaginar e foi uma agitação dos diabos com a natural indignação dos crentes religiosos e a lógica investigação das autoridades...

Logo se apontaram dedos a uns quantos hereges e parece que meu avô e seu amigo e logicamente minha avó não se livraram de fortes apertos. Claro que negaram sempre a autoria de tal façanha e, não obstante o certo empenho das diversas entidades a verdade é que o tempo e os anos passaram e, embora sempre aqui ou ali os chamusquenses falassem do escândalo, a verdade é que o tempo foi fazendo esquecer o assunto, os anos foram voando e o assunto praticamente morreu sem que mais se soubesse do S. Francisco...

Morreu o assunto e morreram também os autores marotos daquele feito… Meu avô morreria por volta de 1945/50 (cerca de 30 anos depois) e o seu amigo, que eu cheguei a conhecer muito bem em Santarém, partiria uns bons pares de anos depois… E, do S Francisco, nada…

É aqui então que entra na história a minha saudosa avó Adelaide...

Por conversa que ao longo dos anos fomos tendo em família, desconfiamos que ela sabia onde estava o S. Francisco escondido... Ela negava sempre mas deduzimos que ela tinha assumido com o marido um compromisso de nunca desvendar o segredo… E, foi de palavra e, nunca quebrou essa jura! Só nos respondia sempre: “Ele um dia aparece!...” e dali não saía…

Passaram muitos anos e quis o destino que o desenlace se desse com ela ainda viva…

Seu genro Lourenço da Silva herdara do pai não só a casa na Chamusca onde vivia como uma outra ao lado e um amplo quintal contíguo a ambas. Anos depois resolveu desanexar o quintal das casas e vendê-lo para o comprador fazer um prédio para sua habitação. Contratou um empreiteiro de Albergaria dos Doze e, é a fazer as fundações desse prédio ou de seus anexos que, arrancando uma velha oliveira, escavam o solo e… - surpresa das surpresas! – encontram enterrada uma imagem de um santo!... Era o S. Francisco!... Era o S. Francisco que ali permaneceu “sepultado” meio século!

Pode imaginar-se a sensação de minha avó e a nossa própria reacção a interrogá-la: “Afinal, o S. Francisco estava aqui enterrado mesmo ao lado, debaixo da oliveira, você sabia e nada nos disse?...” Pelas suas reacções víamos que tinha uma promessa feita ao marido e cumpriu-a… Foi valente!

Foi valente, foi de carácter e, não fora por mais, só por isso mereceria todo o meu respeito e admiração.

EM TEMPO – Conheço pouco mais do resto da história relativamente ao destino do S. Francisco… Sei que, ou por isso ou por outro qualquer motivo, o empreiteiro e o dono do prédio (Francisco Monteiro, entretanto já falecido) travaram-se de razões e o empresário levou a imagem para sua casa de Albergaria dos Doze... Meteu tribunal, forte contenda e, pelo menos durante muitos anos, o S. Francisco não voltou á Chamusca e ao seu nicho na igreja… Hoje não sei onde está mas não me consta que esteja no seu devido lugar, de onde o meu atrevido avô e seu comparsa o retiraram há 100 anos atrás…

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