sábado, 26 de janeiro de 2019

A PAIXÃO DA MENINA MARIA


Vindas segundo se presume da região de Ourém/Tomar de onde uma era natural, Maria Angelina (professora primária) e Maria (criada, como então se denominavam as empregadas domésticas) chegaram ao Chouto por volta do ano de 1940 do século passado onde a então jovem  professora havia sido colocada e instalaram-se na parte de habitação contígua à sala de aulas no mesmo edifício da Escola Primária local destinada a residência dos mestres-escola.

Tanto quanto era dado observar, exercendo Maria Angelina a sua missão de ensinar e Maria o seu trabalho de “dona de casa”, com as inerentes limpezas da dita, confecção de refeições, tratamento de roupas, etc, viveram e conviveram ali em perfeita harmonia durante muitos anos sem que exteriormente se soubesse de discórdias ou desencontros de ideias dignos de registo e dir-se-ia até que mais pareciam irmãs, não só porque sendo ambas de estatura meã e corpo meio robusto caminhavam de forma muito idêntica, como porque quando Maria Angelina saía à rua nunca o fazia sozinha e sempre queria a companhia da sua amiga “Menina Maria”, como a professora queria que tratassem a sua funcionária.

Nunca na aldeia se lhes conheceu o mínimo interesse por homens e também, em boa verdade, jamais – aparte uma ou outra má intencionada língua… - se falou sobre o seu relacionamento numa maior intimidade para além da amizade e sã convivência, natural entre duas senhoras que se estimavam e viviam noite e dia debaixo do mesmo tecto. Em contrapartida é bom que se diga, Maria Angelina nunca abdicou da sua posição de patroa e Maria sempre reconheceu e cumpriu o seu subalterno lugar. As posições de uma e outra estavam perfeitamente definidas e eram ponto certo e mutuamente aceite.

Mas, nesta perfeita convivência e harmonia viviam assim a professora Angelina (“professora velha”, como a partir de determinada data passou a ser conhecida) e a criada Menina Maria quando, súbita e inesperadamente tudo se alterou… Tudo se alterou e durou mesmo largo tempo o período de convulsão entretanto desencadeado.

A necessitar de recuperação e melhoramentos, o velho edifício da Escola Primária teve de ir para obras e surgiu na aldeia, vindo da aldeia vizinha da Parreira, como responsável principal pelos trabalhos, António Henriques, um viúvo cinquentão, homem educado, atencioso e ainda jovial e, às tantas começa a correr baixinho de boca em boca dos locais que… o António Henriques andava a arrastar a asa à Menina Maria...

E, do “arrastar da asa” à aceitação por parte da pretendente, foi um sopro e…. foi uma bomba na aldeia! A “Menina Maria” com os seus 50 anos, pequenina e roliça, que ninguém imaginava interessada por homens, estava a namorar!… Surpresa das surpresas e motivo do cochichar a cada canto, a cada esquina. E, convenhamos, o motivo não era para menos.

E como reagiu a patroa Angelina a tão grande notícia que, a avançar o namoro e a concretizar-se a separação da sua criada, representaria para ela uma grande contrariedade, um enorme prejuízo, considerando talvez mesmo que seria uma afronta, se não uma ofensa?

É aqui que entra o patusco da situação porque Maria Angelina, como é natural, não aceitava de forma alguma tal namoro e, preocupada, quando não mesmo extremamente irada, passou a espiar pelas ruas e travessas, de esquina em esquina, as fortuitas e não autorizadas saídas da amiga e era vê-la por exemplo na esquina da escola que dá para a travessa de cabecinha de fora à espreita para seguir os passos da agora apaixonada criada, quando não a perguntar mesmo a um(a) ou outro(a) passante se tinha visto a Menina Maria...

Mas a Menina Maria estava visivelmente apaixonada pelo António Henriques e, com a ajuda da Ti Joaquina “Guarda-Rios”, mesmo depois das obras na escola terminarem, escondia-se com o namorado, em encontros marcados por recados de amigas e troca de bilhetinhos, como se jovens adolescentes fossem, no quintal da Ti Joaquina ao cima da rua. 

Os namorados a todos pareciam muito apaixonados, a professora andava “pior que estragada” e, sendo provável que a até então boa harmonia da casa da escola fosse quebrada por eventuais e fortes discussões e discórdias que todavia não se conheciam, o povo da aldeia comentava entre uma igual surpresa e a inerente jocosidade tamanha e jovial paixão quando, provavelmente por influência da patroa e a consequente reconsideração da empregada ou por também ser de considerar algum desinteresse do namorado, António Henriques passou a deslocar-se menos vezes da Parreira ao Chouto, os encontros começaram a ser mais espaçados e o rompimento aconteceu.

Nunca se soube como, quando e porquê aconteceu mas a verdade é que a antes grande paixoneta chegou ao fim, ficando todavia na memória de todos a intensidade, entusiasmo e até o surpreendente espírito adolescente com que foi intensamente vivida pelos dois simpáticos cinquentões.

(A professora Maria Angelina, de que se junta foto, infelizmente sem cabeça e única conhecida, facultada assim por um amigo deste escriba, viria a falecer a 27/4/1971 em Lisboa onde ficou sepultada e, do destino da Menina Maria o narrador desta historieta não mais teve notícia, presumindo-se, pelos anos decorridos, que também tenha falecido, desejando-se que as duas descansem em paz.)

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