sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

17 DE DEZEMBRO DE 1969 - ÚNICO E INOLVIDÁVEL!


Penso que os homens, tal como as nações que, afinal, são constituídas por homens, durante as suas vidas e a sua história, vivem e muito bem comemorando datas marcantes da sua existência mas, em contrapartida, olvidam outras ou, se quisermos melhor, deixam esquecidas no tempo datas porventura não tão importantes mas ainda assim bem relevantes de suas vidas.

E, assim, se na realidade do caso das nações temos por exemplo o esquecimento a que foi votada em Portugal a data de 25 de Novembro de 1975 que, depois da desordem e bagunça no percurso verificado entre o 25 de Abril de 1974 e essa data fez recolher os militares aos quartéis, evitando uma provável guerra civil e colocou o país nos carris da democracia, também eu, pessoalmente, embora sempre todos os anos lembre quão importante foi na minha vida o dia já tão distante de 17 de Dezembro de 1969, a verdade é que não o comemoro minimamente que seja.


Nessa muito importante data, vindo de Angola, após 26 meses de dura e temível guerra que, somados a mais ano e meio de serviço militar obrigatório antes da mobilização dá um total de quase 4 anos roubados à mocidade de um pacato e inofensivo rapaz de vinte anos de idade, desembarquei no Cais da Rocha, em Lisboa e vi-me livre para todo o sempre das fardas, da disciplina e ordem militares, dos temores da guerra e das mil privações resultante duma agressiva e mortífera guerra subversiva em terras e ambientes estranhos e hostis, quando não fatais.

Ver-me livre de tudo aquilo, já o escrevi mais vezes, constituiu para mim o dia mais feliz da minha vida! E já casei, fui pai e avô!… Tudo datas muitíssimo importantes e felizes mas, como a daquele dia, em que pus pé em terra e vi-me livre daquele imenso inferno, não conseguiram ser mais.

E, se este facto já seria sobejamente importante para assim considerar esse desembarque e esse dia, quis as circunstâncias da vida que ao desembarque ainda se associasse ocorrência igualmente da maior relevância na minha vida e que foi o dia do conhecimento pessoal daquela que viria a ser a minha fiel e dedicada esposa, a mãe de meus filhos e a companheira para os restantes dias da minha vida!

Julgo que é uma história interessante, curiosa, bonita mesmo e bem verdadeira que aqui deixo, narrada para o fim dos tempos:
Na guerra, no distante e inóspito leste angolano, a milhares de kms de Portugal e quase sem comunicações (as cartas demoravam vários dias e até semanas a chegar) e após o término de um namoro na então chamada Metrópole, este jovem rapazinho pensou em arranjar uma “Madrinha de Guerra”. (Assim eram tituladas as moças que ficavam em Portugal e que pelos mais diversos motivos aceitavam trocar correspondência com os militares em combate nas diversas frentes de guerra africana.)

Em conversa com um soldado foi-me dado o endereço de uma jovem da sua aldeia que, segundo ele, tinha feito alguns estudos secundários e seria suposto estar indicada para comigo travarmos correspondência e debatermos ideias.

Chamava-se Rosa e, como ele e a grande maioria dos soldados que me acompanhavam, vivia numa pequena aldeia no nosso Minho. Trocamos meia dúzia de cartas mas, coitada, a pequena era muito limitada em português tendo por isso alguma dificuldade de expressão e, por via disso, tinha muito poucas ideias e argumentação… “No domingo fui a Braga à festa, que estava muito animada”; “No sábado fui à feira em Barcelos, que estava muito boa”. E abordar ou discutir para além disso: zero.

Nem me recordo como e quem terminou as correspondências… Não obstante a simpatia da moça, não dava...

É então que, no decorrer de uma das diversas conversas de camarata em grupo de furriéis, com brincadeiras e piadas que toda a rapaziada nova sempre usava, eu pergunto a um deles, totalmente na brincadeira, se não tinha nenhuma irmã que eventualmente quisesse ser minha “madrinha de guerra” e tive como resposta:
- Por acaso até tenho.
- E estudou, claro…
- Sim. Tem o 5º ano.
- Ó pá, escreve-lhe a perguntar se me podes dar o seu endereço, pode ser?

E foi a partir daí que, desde a 1ª troca de correspondência, tudo foi acontecendo muito naturalmente. Extensas cartas de parte a parte; muitos debates de ideias; muitos pontos em comum; trocas de fotografias; a aproximação sentimental em aumento progressivo e… o namoro iniciou-se. Naturalmente ele surgiu...

Decorrido ano e meio faltava então o conhecimento pessoal que aconteceu no dia do desembarque e essa situação também regista um episódio bem curioso: No barco, em alto-mar, recebi um telegrama da também ansiosa namorada que me informava: ”Meu dístico será balão.” e, eu, ia todo feliz pensando que seria fácil localizá-la.

Bem me enganei!... Eram às centenas os balões exibidos pelos milhares de pessoas que aguardavam no terraço do edifício e no piso térreo do cais o desembarque dos militares. Brancos, amarelos, vermelhos, azuis, verdes, etc todos de igual formato redondo tradicional dos balões e, aí, este ansioso rapaz ficou às aranhas sem saber onde encontrar a sua amada…

Resolvi então procurar o dístico previamente acordado com meu pai com a palavra “Chouto”, nome da minha aldeia e que indicava a localização da família e amigos e, é bem reparando que vejo, ali pertinho deles, um balão diferente de todos os outros… Não era redondo, não. Era comprido, verde e em formato de… lagarta!…

Só podia ser a minha apaixonada, não tinha dúvidas e não mais tirei os olhos daquela lagarta e daquela imagem que ainda hoje guardo bem viva na memória! (Pena sinto que, talvez como consequência das emoções na hora sentidas, não tenha clicado bem as fotos que aqui deixo mas que, mesmo assim, apesar de tão má qualidade, merecem ficar para a minha história de vida.)

E, depois, foi o que se imagina,,, A felicidade imensa e inenarrável de, livre pisar terra firme e ao fim de mais de 2 anos de sofrimentos, incertezas, receios e medos, abraçar e beijar os que me eram queridos e os amigos que marcaram presença no cais, foi inimaginável!

E, assim, pelos factos narrados, dá para avaliar a enorme importância na minha vida do dia 17 de Dezembro de 1969.

Uma data que, reconheço, deveria celebrar condignamente todos os anos mas que, vá lá saber porquê, ficou esquecida no tempo, sendo verdade que anualmente bem a recordo ainda que não a festeje publicamente. Porquê? Nem sei explicar.
Mas foi um dia único! Um dia inolvidável! Um dia que jamais se repetirá!

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