domingo, 9 de setembro de 2018

OS BAILARICOS DA MINHA JUVENTUDE (2)


FORA DE PORTAS 



António Rainha, António “Sebastião”, João “da Calistra”, José “Calado”, Diamantino “Carloto”, Fernando Carvalho, Manuel João “da Ester”, João “Toucinho”, Joaquim Lopes - e que me perdoem os que possivelmente ficaram esquecidos nesta fraca memória! -  eis os nomes da rapaziada, meus companheiros de juventude, alguns dos quais na foto do grupo da Inspecção Militar que junto (em que não surjo, sem  que me recorde do porquê) que bastas vezes me acompanharam nas idas a bailaricos diurnos e nocturnos, fora de portas, em que nos deslocavamos de bicicleta (hoje chamadas de “pasteleiras) por tudo quanto era sítio, nos diversos lugarejos que envolviam geograficamente o nosso Chouto natal.


A eles, uns vivos, felizmente, e outros que são já uma eterna saudade, fica o meu apreço, a minha estima e gratidão nesta recordação algo nostálgica de um belo passado e de uns bons momentos vividos na nossa juventude livre, despreocupada e alegre! Bem-hajam!

Íamos sempre acompanhados – não era aconselhável fazê-lo sozinhos por via de um eventual desentendimento resultante de alguma ciumeira de qualquer rapaz do local de que resultasse possível zaragata… - e visitavamos tudo em redor do Chouto, dançando nos mais incríveis locais dos lugares onde ocorria o baile. 

Lembro-me de dançar nas Balsas e Paires (em barracões), Ulme (Sociedade Recreativa), Parreira (na rua, inclinada, de terra batida e pedras soltas, entre a taberna de Manuel “do Junco” e o campo da bola, campo que tinha 1 ou 2 sobreiros no meio (!)), no Salvador (no quintal de Rafael Vitória), no Pego da Curva (na rua), nos Foros do Arrão e Água Travessa (na rua), no Gaviãozinho (na rua, frente à Taberda da Emília), etc, etc.

Sempre de bicicleta, dia ou noite, ao sol, ao calor, à chuva ou ao frio, a malta percorria kms em busca das miúdas.!… À ida, as conversas no trajecto eram sobre as expectativas relativamente ao que íamos encontrar; no regresso, os comentários abordavam as sensações vividas: as mais giras, as de saia mais curta (imaginando a perna “boa”...), as que se encostavam mais, as mais ariscas e antipáticas, etc., etc. Coisa linda! Coisa linda que hoje aqui recordo e revivo de memória, com saudade. Muita saudade!…

Tenho, naturalmente, várias estórias vividas nestas andanças dos bailaricos fora de portas de volta das saias das raparigas da minha idade nos inícios da década de sessenta do século passado e, ao correr do teclado, deixo aqui algumas de que agora me recordo.

A 1ª aconteceu por ocasião do Carnaval de 1962 e foi resultante – imagine-se!?… - da invasão da Índia (Goa, Damão e Diu, territórios que Portugal administrava havia mais de 4 séculos) em Dezembro de 1961. Salazar, que ainda vivia sobre os efeitos do início das guerras independentistas de Angola, Guiné e Moçambique, reagiu com firmeza e tristeza à invasão e ordenou mesmo ao comandante das nossas forças no território que ele e suas tropas resistissem como heróis até à morte, coisa que o comandante compreensivelmente não quis e que lhe valeu a expulsão da vida militar, facto que só foi rectificado e reparado pós 25 de Abril de 1974.

Pois aconteceu então que, como resultado dessa perda de territórios, Salazar decretou luto nacional por um largo tempo e que assim atingiu o Carnaval de Fevereiro seguinte. E aconteceu que, no Carnaval de 62, não haveria festejos para ninguém. Salazar proibia!

Mas – há sempre um “mas”… - houve quem desobedecesse, ainda que só um pouquinho…

Eu andava a querer namoriscar uma bonita moça que morava num Casal (Monte), propriedade de seus pais, a 6,7 kms do Chouto e chegou-me a informação muito sigilosa – vinda dela ou de outrem, coisa de que já não me lembro… - de que no seu lagar haveria um baile, feito muito à socapa. 


Não me recordo de quem me acompanhou mas, provavelmente fui com o falecido António Sebastião que muito viajava comigo nestas andanças e que por vezes me expiava os comportamentos das namoradinhas nos bailes em que eu não ia e escrevia para a Chamusca onde eu durante a semana pernoitava porque estudava em Torres Novas ou, melhor: passeava os livros… (deixo aí um trecho de uma dessas cartas com as identificações dos personagens obviamente ocultas e que já outro dia aqui publiquei a propósito de outro assunto). 

Acertamos a partida, fizemos a viagem no maior silêncio mas, chegados lá, ficamos desiludidos até mais não..: o baile tinha terminado. Na realidade mal tinha começado. Tinham dançado duas ou três modas e… o baile acabou.

Preocupados com alguma denúncia à GNR - “à guarda”, como então se dizia - no que resultaria que seriamos todos presos, os organizadores decidiram acabar com o baile no lagar. Quando chegamos nem conseguimos ver o final do bailarico… Eu acho que nem vi as moças...

Desiludidos e tristes regressamos a casa e, se a coisa já ficara má com as vãs expectativas sonhadas e não concretizadas, ainda ficou pior com a viagem de regresso porque largou-se a chover e molhamo-nos todinhos que nem uns pintainhos e, chegados ao Chouto, corpos e roupas mais parecia ter mergulhado num… lago… Eh! Eh!

Vicissitudes, desenlaces e contrariedades de rapazinhos em buscas das cachopas que na altura eram apenas contratempos e que hoje nos fazem sorrir.

Mas tenho outras narrativas mais ou menos hilariantes…

Vamos a outra: Era hábito, por altura no Verão na Ribeira de Ulme, os grandes proprietários rurais que cultivavam nomeadamente o arroz, por falta de pessoal local suficiente naquelas sazonais épocas, contratarem ranchos de raparigas e mesmo mulheres de mais idade para procederem à plantação, à monda e mesmo à ceifa do arroz. Vinham em número considerável da região da Beira Baixa, das zonas de Abrantes e Castelo Branco, faziam a deslocação em camionetas de caixa aberta e, no seu trabalho, duro e provavelmente mal pago, permaneciam por ali algumas semanas. Conhecidas e tratadas entre nós na época por “barroas”, talvez deformação da palavra beirãs, pernoitavam e faziam comida em grande barracões, alguns de piso de terra batida, outros já cimentados mas com condições de higiene muito pouco recomendáveis. Era o que havia, eram os hábitos da época, eram as condições do nosso país rural de então.

De tempos a tempos, para que tivessem alguma distracção que as aliviasse da árdua labuta nos arrozais, alguém organizava um bailarico e, foi de um desses que a dada altura a rapaziada no Chouto teve conhecimento e, daí a resolvermos ir ao baile da “barroas”, foi um ápice. Também já não me recordo quem me acompanhou mas lembro-me que do Chouto avançamos, pelo Vale de Santa Maria sem luzes para evitar a pressão do dínamo sobre o pneu, subimos à cumeada e descemos para Ribeira de Ulme, indo até às Balsas, Casal onde havia o baile.

Era um grande e amplo barracão cimentado, com as modestas tarimbas onde as moças dormiam as noites no lado direito para quem entrava e, na parte esquerda, acontecia o baile que já decorria quando chegamos, com talvez uma dúzia, dúzia e meia de pares. Logo ao transpormos a porta de acesso ao seu interior veio-nos um odor bem desagradável a... suor, que nos fez engelhar o nariz e olhar desconfiados. Mesmo assim avançamos e, finda a moda que então decorria, tratamos de, olhando para o friso de “barroas” perfiladas frente às tarimbas, acertamos entre nós as que nos pareciam mais receptíveis a aceitar o nosso clássico convite de “quer dançar comigo?”.

Ouvidas as primeiras notas do acordeão que abrilhantava a reunião, fomos na direcção das moças, fizemos o tal convite e, aceite ele, partimos para a dança. Lembro-me que a “minha” era para o baixinho mas dançava muito benzinho, de pé leve e bem cadenciado acompanhando bem os meus passos. Só tinha um pequenino óbice: a pequena largava um terrível odor a... sovaco. É verdade: um cheiro insuportável a que se juntava o do suor, este talvez porque se sentir muito calor naquela noite de sábado e o barracão ser de telha vã.

Deixada a pequena no final da dança, lembro-me que me juntei ao meu companheiro e, em surdina, queixei-me: 

- Ó pá, ela cheirava muito mal! Tresandava a suor e sovaco, pá!

Ao que o meu amigo me respondeu queixando-se também e propondo:

- Também a minha! Um danado de um cheiro! Vamos embora?

- Vamos! - respondi de imediato.

E, rapidamente montamos nas bicicletas e regressamos desalentados bem cedo ao Chouto mas ainda hoje me interrogo sobre o porquê daquela falta de higiene… As moças, em condições difíceis, trabalhavam muito – e se calhar ganhavam pouco… - mas, que diabo, água era coisa que não faltava na zona… Não entendi. Confesso.

Bem, a crónica já vai longa mas ainda quero dar conta de mais uma outra historieta na altura bem desagradável mas que hoje me faz sorrir em bem sentida saudade pela época, pela idade que tinha e pelos nela envolvidos .

Nas saídas que fazia para os bailes nocturnos, sempre depois do jantar, o meu pai sempre me impunha a hora de regresso e, em boa verdade, embora eu não exagerasse no prolongar da marca estabelecida, por vezes ultrapassava-a um bom bocado e, no dia seguinte costumava ouvir sempre o mesmo aviso: “Um dia acontece-te!...” E disse-o várias vezes…

Foi dito e repetido e, eu, “orelhas moucas”… Até que uma bela noite/madrugada, regressando de mais um bailarico, não encontrei a chave da porta no vaso de flores na floreira da arcada como previamente havia acordado com a minha mãe e era costume. (Vaso, não visível, da esquerda na floreira da arcada, lá ao fundo, na foto que anexo). Apalpei, apalpei, fui ao outro vaso da direita na esperança que minha mãe tivesse feito confusão e, da chave, nada. Não tinha a chave para entrar em casa e assim só me restava usar o puxador da porta e bater com ele na dita. Bati uma, duas vezes e, depois da terceira ouvi lá de dentro uma voz grossa que me ordenava:

- Vá dormir por onde andou!

 Assim mesmo, assim mesmo e mais nada… Por estas escassas palavras o meu pai, em tom de voz, grave e grossa que nunca mais esqueci, castigava-me por não obedecer às suas  recomendações. E, quando ele dizia… estava dito.

Então, “enrascado” que estava, como fazer para passar a noite? Em que casa pernoitar ali por perto? No quarteirão tínhamos 4 casas, conforme foto da época que aí junto, e na da vizinha, de dois pisos pegada, não seria aconselhável bater à porta: morava aí uma namoradinha de romance juvenil contrariado pelos pais de ambos e, ainda por cima, eles andavam incompatíveis no relacionamento. Por isso, bater na porta ao lado? Nem pensar.

Segui para o vizinho seguinte (casa cinzenta) e bati ao ferrolho da porta do Mestre Arlindo Texugo, alfaiate e da sua doce Dona Rosa... 

- Quem é? - ouço perguntar de dentro o sr. Arlindo.

- Sou eu, sr. Arlindo, o Victor. O meu pai não me deixa entrar em casa e eu peço a sua ajuda!

Bom e atencioso como sempre foi, Mestre Arlindo abriu a porta e convidou-me

- Entra. Vais dormir com o Hercolino.

E assim dormi – ou fiz que dormi… - nessa noite com o Hercolino, seu filho, rapaz bom e educado e que infelizmente deixou este mundo tão prematuramente.

Chegado o dia seguinte voltei a casa e, francamente, não me lembro bem do que ouvi do meu pai mas não passou de gritar e ameaçar de novo. Não passou disso, não. Não ocorreram consequências mais graves. Eh! Eh!

E pronto, aqui fica a narrativa de três episódios bem patuscos das minhas saídas nocturnas no rondar das saias das miúdas.

Das saias, digo bem porque, elas, na época usarem calças ou calções, como agora é corriqueiro, nem pensar!…

Nem pensar? Nem sonhar com isso, minimamente que fosse...

7 comentários:

Suzana Pratas disse...

ehehehehe, afinal ir às miudas tinha as suas consequências! eheheheh Ao menos se fossem bem cheirosas e ainda vá que não vá...eheheh

Agora percebi a origem da frase que ouvi tantas vezes na minha adolescência: "...podes voltar para o lugar por onde andaste!" eheheheh Por acaso nunca calhou dormir na rua, porque a chave de casa andava comigo, que não tínhamos vasos já por causa das coisas...eeheehhe

Olhe mas fiquei curiosa por saber quem seria o tal, mencionado no dito bilhetinho, que teria o dente de ouro. É que dentes de outro naquela altura não era para todos!! Quem seria tamanho bom partido?? eheheh

Victor Azevedo disse...

Susana, mas na sua grande maioria, para não dizer na sua totalidade, as moças eram limpas e bem cheirosas e faziam mesmo questão de o ser e, aquela situação narrada foi mesmo uma excepção, ocorrida com aquele rancho de "barrõas". Situação de estranhar porque água era coisa que não faltava na zona.Mas elas trabalhavam muito e descuraram um pouco a higiene. Mas foi coisa que não mais esqueci.
Quanto à chave no vaso, naquele tempo, minha cara amiga, as rédeas para a malta nova eram bem mais curtas..

Suzana disse...

E que belos tempos eram. Hoje já ninguém dá verdadeiro valor a nada. E há crianças a sair à noite a partir dos 12 anos. Tudo mudou. Infelizmente.

Victor Azevedo disse...

Pois... e por isso e não só se assiste ao que se assiste.

Suzana disse...

Claro!!!
Mas e o tal do dente de ouro, quem era? Estou curiosa!!!!!! (Ou li mal?!

Victor Azevedo disse...

Suzana, leste bem porque na verdade tinha essa concorrência mas acho que devemos ficar por aqui...
Entenderás, certamente.
Obrigado!

Suzana Pratas disse...

ehehehehe...!!!!