ENTRE PORTAS
Deolinda, Deonilde, Ermelinda, Estrela, Fernanda, Helena, Judite, Manuela, Maria, Odete, Perpétua, Piedade, Ramilde, Suzete - e que me desculpem as que eventualmente ficaram esquecidas!… - eis os nomes próprios que de momento me recordo, ao correr do teclado, das “miúdas” com quem muito dancei nos bailaricos da minha aldeia natal e locais vizinhos durante a minha adolescência e juventude, a quem presto a minha modesta homenagem e cujo convívio de então, naquela época, foi particularmente gostoso e gratificante e que hoje recordo com alguma nostalgia e saudade.
Para elas, umas casadas, outras solteiras e outras infelizmente já viúvas - para além das saudosas amigas que já não estão entre nós… -, fica o meu apreço, a certeza da minha amizade e o reconhecimento do sempre saudável e reconfortante convívio em que vivemos naquelas bonitas idades!
Foi desta forma “cavalheira” e reconhecida que resolvi abrir esta crónica, de duas que me proponho escrever sobre os bailaricos da minha juventude, no Chouto minha terra e terras vizinhas, sendo que titulo esta de “Entre Portas” e a próxima de “Fora de Portas”.
Para além do jogo de “Comadres e Compadres”, que fazíamos anualmente nos “meios-dias santos” e em que propositadamente suportávamos levar com o cinto do(a) “padre” para termos a hipótese de agarrar e ter a moça nos nossos braços, dançar era a única ocasião em que tocávamos, agarrávamos e sentíamos o odor e a tenra e aveludada pele de uma jovem nos nossos braços. Fora disso era totalmente impossível no dia a dia um rapaz tocar, sentir, experimentar o contacto físico com uma jovem. Totalmente. E, se eventualmente isso, por remota hipótese acontecesse, a moça era logo titulada pela populaça de estouvada e oferecida… Doida, mesmo.
Eram assim naquele tempo os nossos hábitos, os nossos costumes, a nossa cultura e, quando hoje observamos rapazes e raparigas pegarem-se ao colo, rebolarem-se e apertarem-se na areia da praia ou na relva do jardim, agarrarem-se e beijarem-se franca e despreocupadamente, quem passou por estes “sacrifícios” e “castrações” de então, não pode deixar de sorrir e... lamentar ter nascido tão cedo… Eh! Eh!
Sem festejos públicos ou privados, no Chouto praticamente só se dançava na Sociedade Recreativa que tinha uma sala pequena (70/80 m2?) mas, ainda assim, a maior existente na aldeia. A freguesia tinha na época uma população em número do mais elevado de sempre (2.000 pessoas), havia muita rapaziada e muitas “miúdas” jovens e, em bailes mais concorridos só ficava uma pequenina porção de área da sala para dançarmos. As mães, sempre vigilantes e de olhar bem fixo nas filhas - e bem observador e critico nas filhas das outras… Eh! Eh! - sentadas em cadeiras instaladas nas filas traseiras, junto às paredes, em redor do pequeno palanque do acordeonista que abrilhantava o baile, eram como que câmaras de vigilância da actualidade, vigiando todas e tudo… Restava aos parezinhos mais apaixonados “esconder-se” no lado oposto ao assento das mães ocultados pelos restantes pares dançantes, embora aí também tivessem que aguentar o olhar, igualmente critico de uma tia ou de uma vizinha que nesse lado estivesse… Um drama! Um drama!
As filhas, bem as filhas sentavam-se nas filas da frente, junto às mães e um dos seus principais cuidados prendia-se com as saias que, dando obrigatoriamente pelos joelhos – nem mais um cm acima!… - com o movimento de sentar, o rabo puxava a saia para trás e havia que tapar o joelhinho à frente, não fosse os olhares apurados e atrevidos dos rapazes em frente, vislumbrarem um pequeno centímetro da coxa da moça…. E, como o evitavam? Fácil: usavam umas um simples casaquinho de malha ou algodão que preventivamente levavam para se proteger do fresco da noite ao sair da sala no final do baile e, outras, sendo o mais usual – muito mais usual! -, serviam-se de um tradicional, habitual e pequeno lencinho de seda que sempre as acompanhava e que colocavam pudicamente encima e à frente dos joelhinhos. Assim, eventualmente vislumbrando um niquinho da jovem coxa, restava ao atrevido rapaz imaginar o que o pudico lencinho obstruía… O que os rapazes sofriam, meu Deus! O que os pobres rapazes sofriam!…
E, como se portavam no baile os cerceados rapazinhos?
Assim como que uns atletas de atletismo em cima da linha de partida para a corrida, aguardavam ansiosos pelo primeiro acorde, pela primeira nota musical do acordeonista e, ouvido ele, era correr – e, se não era a correr, pouco faltava… - para avançarem direito à rapariga com que pretendiam dançar. Chegado lá, o jovem dirigia-se à moça e questionava-a: “Maria, queres dançar comigo?” Ela assentia que “sim” com a cabeça e levantava-se de imediato para iniciarem a dança da moda – era “moda” que se usava para designar o número musical… - e, a partir daí, o olhar da mãezinha nunca mais se desligava do par. Era observar, ao pormenor, o comportamento da filhinha… Se ria muito; se ria pouco: se dançava muito encostada ao rapaz e até onde colocava o bracinho esquerdo… É, isso também contava… Tinha o seu significado assentar a mãozinha no peito do rapaz, no ombro, na cintura ou no… pescoço. Se ela pousasse a mão no pescoço do rapazinho, ai, ai!… Eh! Eh! As coisas que sofremos!…
Mas, para a malta nova, raparigas e rapazes daquela época, muito melhor que os bailes nocturnos, em que as mães tudo e todas vigiavam, eram as matinés que o pessoal jovem organizava nas tardes de muitos domingos de Primavera e Verão, na mesma sala da colectividade e onde, porque as mãezinhas estavam ausentes, o "pessoal" se divertia, namorava e "flyrtava" bem mais à vontade, com boa alegria, com franco interesse e bem mais "in love"! Oh, como todos ansiávamos e gostávamos bem mais - bem mais! - das matinés de domingo!... Para alguns - e algumas!... -, não pouco(a)s, um verdadeiro... mel. Eh! Eh!
Podia também falar das “cabaças” (a “nega” das raparigas à dança com os rapazes) mas fica para outra altura e, hoje, porque o texto já vai longo, resta-me mencionar uma situação que sempre me intrigou no decorrer desses bailes nocturnos: às tantas, as raparigas, em grupos de 3 ou 4 talvez, saiam e, na falta de instalações sanitárias na colectividade e até na aldeia, ausentavam-se para parte incerta para satisfazer as suas necessidades fisiológicas… Se então sabia para onde iam, já não me recordo mas, agora, retornando-me à memória a situação, restou-me esclarecer com quem sabia para onde iam…
Telefonei há dias à minha prima Fernanda Pratas e perguntei-lhe:
- Quando vocês saiam em grupo, onde iam aliviar a bexiga?
Resposta imediata da cachopa:
- Olha, atrás da forja. Não havia casas de banho... Era ao luar.
Eh! Eh! E por aqui me fico neste desfilar de recordações de jovem “castrado” e sacrificado de então…
Oooooooh como as coisas mudaram!… Para melhor!
(NOTA - Ilustro o texto com uma foto, de autor desconhecido, registada aquando de uma procissão religiosa, certamente muito antiga, captada no instante em que o cortejo passava frente à sede da então Sociedade Recreativa, sendo que os 5 vãos da fachada à direita correspondiam a portas e janelas da colectividade; anexo ainda imagem dos velhos candeeiros "petromax" que, na falta da energia electrica, que ainda não havia chegado à aldeia, nos iluminavam nos bailes e outros eventos; e ainda a frente e verso de um convite para um baile em 1962.)
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