segunda-feira, 30 de setembro de 2019

CHOUTO - FESTEJAMOS O 2º ANO DO GRUPO!


Um conjunto de situações conjugadas impediram-me de dispor de tempo e condições para aqui registar a bonita festinha realizada no meu Chouto natal no passado dia 14 na comemoração do 2º aniversário do nosso Grupo CHOUTO -  NOSSA TERRA, NOSSA GENTE ocorrido no dia anterior mas, finalmente, venho fazê-lo aqui hoje com alegria e prazer.

(Primeiro foram uns quantos dias a tratar e editar imagens de fotos e vídeos da bonita jornada para publicação na página do Grupo, depois foi uma viagem ao Norte e outra até aos achigãs e, pelo meio, ainda suportei 2, 3 dias de forte indisposição (náuseas) por via do reforço da medicação, a mando do médico, numa tentativa de minorar ou travar a “simpática” Parkinson, última “aquisição” desta já usada carcaça…)

Decorreu lindamente a festinha, como a do 1º ano celebrada com um almoço no Restaurante Pimenta no Chouto claro, mas a que desta vez se adicionou uma animada sessão de música e canções interpretadas por amigos integrantes do Grupo, de entre os quais sobressaiu a colaboração do amigo Adriano Cruz, o velho “Ervilha” companheiro de brincadeira de criança nas ruas da aldeia que, agora, com a sua muita experiência adquirida com dezenas de anos e centenas de actuações em palcos integrando conjuntos musicais, animou sobre-maneira de arte e saber a nossa festa, dando-lhe um saudado e aplaudido cunho de alegria e até mesmo familiaridade! A amabilidade e saber do nosso Ervilha, para além de ter sido diversificada e alegre, foi mesmo ao valioso detalhe de criar com sabedoria e bairrismo o que chamou de Ode ou Hino do Grupo. Gostei e gostamos muito, seguramente! 

Houve palavrinhas amigas relativas ao Grupo e à comemoração e até mesmo a criação de aplaudidas quadras alusivas, declamadas pela autora Ana Maria Matos, amiga  que, logo de seguida, também teve a amabilidade de oferecer-me um bem sortido conjunto de doces, compotas e licores, rica produção e criação da nossa freguesia, numa gentileza que muito me sensibilizou!  

Nas palavras que proferi salientei o prazer que me dá a manutenção do nosso Grupo e o saudável e amigo ambiente ali criado e mantido, destaquei a transposição que progressivamente vamos fazendo passando da amizade virtual para a real, palpável e pessoal com estes nossos regulares encontros e convívios; disse da minha vontade de prosseguir com o mesmo querer do 1º dia e anunciei um próximo evento a 14 de Dezembro, data em que ali no Chouto voltaremos a encontrar-nos para, no mesmo restaurante, saborearmos um bom e rico Cozido à Portuguesa – as “Couves com Carne” da nossa infância e juventude mas agora mais “compostas e ricas”, como lembrei… - e, como remate desse convívio, visitarmos o magnífico Centro de Acolhimento da nossa terra – chamei-lhe mesmo “hotel de 5 estrelas”! -, desejando Bom Natal aos seus utentes e colaboradores e ofertando-lhes individualmente uma “Cestinha de Natal” contendo algum recheio para a confecção dos fritos e doces da quadra. Com agrado verifiquei que todos os 30 convivas presentes saudaram com entusiasmo esta iniciativa e por todos foi garantida a sua participação. Francamente, fiquei agradecido e… emocionado.

O Grupo, agora já com mais de 6 centenas de aderentes, continua muito participado e até interveniente na causa choutense e, para além das muitas e interessantes publicações de muita e diversa ordem de vários dos seus integrantes, vai provocando a curiosidade e interesse de vários sectores que solicitam a sua colaboração para eventos e enviam mesmo convites para a nossa presença nessas realizações. É interessante e, para mim, que gosto do administrar, tem sido agradável e gratificante.

É verdade que por vezes já me provoca algum trabalho pelas muitas publicações que regularmente são feitas e acarreta algumas preocupações, não tanto como resultado de quezílias ou desencontro de ideias e processos que uma ou outra vez ocorrem mas, sobretudo, porque gosto de manter um bom ambiente, uma boa colaboração e, como o faço com gosto e prazer, não me queixo do trabalho despendido e aqui estou já no 3º ano com o mesma dedicação e vontade do 1º dia, prosseguido a pequena obra que penso ser útil à minha terra natal e às suas gentes amigas.

Faço-o sempre com o mesmo e único espírito: servir!

Ninguém me encomendou o “sermão” - e desde os meus 15 anos de idade que assim é… - mas, nasci assim, apaixonado pela minha terra, pela minha região e pela sua gente e assim terminarei certamente o fim dos meus dias!…

Manias…

NOTA FINAL – Junto aí fotos alusivas à comemoração, com uma imagem do instante do soprar na velinha deste 2º ano, como no 1º por parte dos amigos menos jovens presentes Eduardo Capitão e António da Rosa na companhia do seu neto João Pedro, o mais jovem dos convivas presentes; um instantâneo de Ana Maria Matos na declamação das suas quadras; também uma foto do amigo Adriano durante a sua aplaudida e diversificada actuação; e, finalmente, este rapazinho ostentando a gostosa oferta dos doces choutenses com que foi presenteado.

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

JOSÉ E MARIA, O MENINO, O AGUAMENTO E A CADELA DA "CALISTRA"


José, filho de carpinteiro, aprendia o ofício com o pai quando, subitamente, vê surgirem-lhe complicações pulmonares que o forçam a internamento no hospital da sua Chamusca natal.

Porque a cura demora a chegar, a estadia hospitalar prolonga-se e José aproveita esse período para colher os primeiros e elementares ensinamentos de enfermagem (conhecimentos que viriam a ser-lhe valiosos durante a sua vida futura) e, chegada finalmente a cura, o jovem ouve do médico que o assistiu na maleita o conselho para não prosseguir na profissão de carpinteiro, se queria ter um vida futura duradoura e saudável…

Porque José tinha a 4ª classe de ensino escolar básico - coisa não muito vulgar na época - sabia ler, escrever e fazer contas com desenvoltura, surge a ideia de prosseguir a sua vida laboral como ajudante na mercearia do cunhado Antero, de porta aberta com sucesso no pequeno Chouto, aldeia a várias léguas da sua Chamusca, já na charneca ribatejana, por estrada de muitas curvas, esburacada, poeirenta no Verão e encharcada no Inverno. 

Conversado e acertado o compromisso com a irmã Henriqueta e o cunhado Antero, o nosso jovem deixa então com tristeza a sua sempre amada vila e muda-se para a pequena aldeia, ficando hospedado em casa dos agora seus novos anfitriões.

Depressa se concluiu que José, jovem, inteligente, desempoeirado e desenvolto, tinha jeito e queda para o comércio e por isso o sucesso aconteceu e o jovem comerciante sentia-se bem e feliz com a sua nova vida. Não obstante nunca esquecer a sua amada vila, que visitava sempre que podia, começou a apreciar o ambiente da pequena aldeia, a criar e a alargar amizades e, e deu mesmo inicio a uma abordagem que lhe viria a transformar a vida radicalmente, quando conheceu Maria e tentou uma aproximação...

Maria, jovem e bonita, era a 4ª filha de Gregório e Maria “Arroteadora”, como era conhecida por ter vindo com o marido e as 4 filhas do concelho de Abrantes para arrotearem as terras incultas. Maria, de feições rosadas e bonitas, alegre, ágil e vendendo vida, era analfabeta, labutava com as irmãs e os pais nas terras bravias e no cultivo das searas e hortas da propriedade e com uma beleza que dava nas vistas, era mesmo conhecida nas redondezas por “Maria bonita”.

Todavia, para alguns, ao pé do jovem José, comerciante, inteligente, letrado, astuto e sabedor, Maria não “casava”... Sem saber ler e escrever, inculta, de mãos calejadas pelos cabos das enxadas, das foices ou das forquilhas; de pele tostada pelo árduo sol da charneca, sem cremes ou pinturas das senhoras da vila, parecia a alguns nitidamente um enlace improvável de se concretizar. Parecia mas… não foi!

José aguentou não só as primeiras recusas da “Maria bonita” como também as criticas de familiares e amigos - como poderia ser um jovem e inteligente comerciante, casar com uma rapariga do campo e ainda para mais analfabeta? - mas o jovem insistiu, insistiu e o namoro primeiro e o casamento depois, aconteceram mesmo.

Montaram casa na mesma rua da residência da irmã e da mercearia e casaram em 1943 na Igreja Matriz da amada Chamusca e, algum tempo decorrido José, inteligente e ambicioso, comercialmente “ganha novas asas”: pressente um negócio a nascer, deixa a mercearia do cunhado e estabelece-se por conta própria como vendedor de máquinas de costura, peça então “obrigatória” no enxoval com que os pais gostavam de presentear as filhas casadoiras.

O negócio corria bem, o relacionamento entre José e Maria era excelente e, por via disso eram felizes e, naturalmente, meses passados do enlace, a jovem  esposa engravida. Engravida e, dentro do período normal, dá à luz o seu 1º e bonito rebento, um filho varão. Feliz, José pensa de imediato dar-lhe o nome de Leandro mas Ricardina, vinda da grande Lisboa convidada para madrinha do pequeno e que já havia sido sua madrinha no casamento, opõe-se determinando:

- Leandro nunca, Zé! Victor! Vai chamar-se Victor, que é muito mais bonito! - e o afilhado, embora contrariado, aceita. E o menino é registado como Victor.

Inicia-se então a sua criação normal, bonita e feliz durante um ano e, com o menino crescendo, já com esse aninho de vida, algo surge de triste e preocupante: o pequeno Victor deixa de comer com o apetite habitual; pede e quer tudo para ingerir mas rejeita tudo; começa a surgir pálido e a definhar; os cabelinhos começam a ficar de pé; geme e chora a toda a hora... Maria, angustiada, chora, acha mesmo que o seu adorado filhinho vai morrer...

Profundamente preocupados, Maria, José e seus familiares interrogam-se e José leva o menino ao médico seu amigo na Chamusca que o observa e receita alguns medicamentos que logo são dados ao pequenino na esperança que surja a desejada cura...

Mas a situação mantém-se dia após dia, com o menino sempre na mesma ou mesmo pior. Sem comer, pálido, cabelos em pé, enfezado e os preocupados pais cada vez mais angustiados...

É então que Maria ouve da mãe, das irmãs e das vizinhas: 

- O menino tem “augamento”! O menino está “augado”! Só melhora e fica bom com a “mesinha” para o “augamento”. Faz-lhe a “mesinha”, Maria!

Maria chega a casa e fala a José do conselho da “mesinha” e ouve do jovem marido um rotundo “não”. 

- Mesinhas? Mesinhas??? Gente ignorante! 

José, de outra cultura, nascido e criado na vila, tinha formação bem diferente de Maria, analfabeta, aldeã, mulher do campo... Que ninguém trocasse a ciência e os médicos pelas “mesinhas”e pelas “benzedoras”! Ninguém! (De seu lema e certeza de toda a vida, só uma vez, muitos anos após haveria de abdicar desta convicção quando, face a gravíssima doença da sua Maria lhe adivinhava a morte em virtude dos milhentos médicos e especialistas consultados não lhe atinarem com a doença e consequente remédio e tolerou que alguém levasse uma peça de roupa da esposa para que a “benzedora” lhe indicasse o tratamento).

Mas Maria, não obstante não querer nem poder contrariar José, não desistiu. O menino estava magrinho, definhado, ia morrer e isso desesperava-a. Conversa com a cunhada “mana” Henriqueta, senhora bondosa, extremamente educada e sua preferida confidente. E a “mana” - carinhoso tratamento que sempre usaram entre si - ainda que extremamente religiosa e de cultura igual à do irmão, ouve a confidência da cunhada e acede em ajudá-la na realização da “mesinha” porque, para além de sentir a dor da “mana”, também ela tinha um carinho enlevado e muito especial pelo pequenino sobrinho. Uma condição acertaram mutuamente: José jamais poderia saber da sua “mesinha”!

Dizia a crença que a mãe do aguado bebé deveria pedir as umas quantas vizinhas umas porções de ingredientes para serem cozinhadas e depois o pequeno ingerir. Se a criança comesse toda a papa fabricada excelente mas, se todavia não comesse tudo, nenhum ser vivo deveria ingerir o resto porque… morria.

Maria e Henriqueta fazem a papa às escondidas e dão-na ao pequeno Victor que a ingere colher a colher, até mais não querer, perante o ar embevecido e esperançado das mulheres e deixa um pequeno resto na malga, a que havia que dar o destino final…

Maria, preocupada e curiosa, pergunta a Henriqueta: 

- E agora, mana? Que fazemos ao resto que o menino não quis?

- Olhe, damos à cadela da “Calistra” que todos os dias não me desampara a porta!

E dão o resto da papa à cadela da vizinha Helena, de alcunha “Calistra”.

Maria leva o menino para casa e passadas algumas horas começa a notar no menino  melhorias  de ânimo e aspecto. Aguarda mais um dia e perante uma noite bem descansada da criança, avança lesta e sorridente para casa de Henriqueta, anunciando-lhe feliz:

- Mana, o menino está melhor! Passou bem a noite e ao acordar pediu papa que logo lhe dei, nem lhe digo como, de tão feliz!

Henriqueta, como o irmão sempre descrente e discordante de “mesinhas”, abriu a boca de espanto e, feliz, abraçou-se à cunhada!

- Que bom, mana! Que alegria! Mas tenho de lhe  dizer uma coisa…

- O quê? - pergunta a ansiosa Maria, imaginando algo de menos bom que viesse toldar aquela hora feliz.

- A cadela da “Calistra” morreu! A Ti Helena, pesarosa, veio há pouco aqui dizer-me “Dª Henriqueta, estou muito triste, a minha cadela morreu!”

Maria ia caindo para o lado de espanto mas logo se refez quando Henriqueta lhe lembrou:

- Mana, mas o segredo é só nosso, está bem? Que nem a Ti Helena nem ninguém saiba que demos à cadela a sobra da “mesinha”!

Maria acedeu de bom grado e a “mesinha” foi silenciada durante vários anos para tudo, para todos e também para o marido e, só muito mais tarde no tempo, quando em casa se falava na cura do Victor, entretanto já bem crescido, José ficou a conhecer a “travessura” das mulheres e, aí, contrapôs de imediato:

- Balelas! Crendices! Ignorâncias! O menino curou-se com os remédios do dr. Cumbre, que logo avisou que a cura seria demorada.

Maria e Henriqueta sorriam.

Remédio da farmácia na cura? “Mesinha”? A cada um sua verdade...

Como verdade foi o Victor curar-se!

E, a morte da pobre cadela? De que morreu a cadela da Ti “Calistra”?… 

A cada um sua verdade...


NOTA FINAL – Junto ao texto 4 fotos: Uma do casamento de José e Maria à saída da cerimónia na Igreja Matriz da Chamusca; outra do 2º dia do casamento, com alguns convidados, a madrinha Ricardina sentada na frente, o pai da noiva, as irmãs e alguns namorados destas; uma 3ª de José, em 1950, exibindo as máquinas de costura de que era vendedor; e uma última foto do pequeno Victor, provavelmente com 1 ano de vida, entre as tias maternas Domingas e Luísa.

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

O MEU CHOUTO NATAL DISPENSA A "CAMPANHA"



Na minha aldeia natal, sempre limpa  e impecável, há muitos anos que há o excelente hábito de não deitar “beatas” de cigarro para o chão, pelo que se dispensa essa “campanha de sensibilização”.

Nem beatas, nem papeis pelo chão, nem cartazes de propaganda política afixados sem ser nos locais próprios, nem lixo ou sujidades nas ruas e passeios.

Recordo-me até que, tempos atrás, de visita ao Chouto, impressionado com a limpeza das ruas e num contraste evidente com as da sua aldeia natal na distante Beira Alta,  perguntava-me Tio António Rebelo, velho beirão entretanto falecido, que levei a conhecer a minha terra natal: 
- Victor, na sua terra ninguém fuma?
- Fumam sim, tio. Porquê?
- Tenho estado a reparar e não vejo uma beata no chão!…

Fiquei babado...

(Deixo imagem da capa do jornal “I” de hoje e uma foto do saudoso Tio António quando, em 2005, o levei ao Chouto.)