sábado, 29 de setembro de 2018

PELO S. MIGUEL...


O calendário diz-nos que hoje é Dia de S. Miguel e isso leva-me a recordar que era neste dia do ano que, em tempos recuados, quando a minha terra natal fervilhava de actividade agrícola e económica, com uma população activa bem mais que o triplo da actual, tinha de concretizar-se o pagamento das rendas em géneros e moeda aos proprietários dos terrenos arrendados.

E, falando disso, impossível não me vir à memória a figura de meus avós maternos, Gregório Alves e Maria do Rosário - a “Ti Maria Arroteadora” - que, com suas 4 filhas – então jovens, saudáveis e robustas -  e demais familiares (genros) e outros seus colaboradores contratados (boieiros, pastores e demais trabalhadores agrícolas) num grande esforço físico retiravam do Casal do Anafe do Meio, que haviam arrendado ao seu proprietário, um Oficial de Marinha que vivia na distante Lisboa e que, chegado ao S. Miguel, bem aguardava pelo pagamento da contratada renda anual.

E, quanto trabalho era necessário, quanta labuta era precisa, quanto suor era vertido diária e continuamente, semana a semana, mês a mês, suportando o frio e a chuva dos difíceis invernos ou o Sol e o calor dos quentes verões para que, chegados ao dia de S. Miguel a Gregório Alves e Maria “Arroteadora”não faltassem as notas e os géneros (arroz, trigo, milho) necessários para liquidar o árdua renda?… Muitos! Imensos! Inúmeros!

Deste grande poço, que se vislumbra ao fundo e de outro mais à direita não visível na 1ª foto que junto, muita água foi retirada para rega da várzea, que em parte se vê e que agora e há muito está “a monte” e inculta, afinal como toda a propriedade, várzea que então sempre anual e alternadamente era cultivada com searas de arroz, milho, tomate, pimentos, etc e que, sendo terreno fértil e bem tratado, muito produzia.

E, na velha e abandonada eira, aí na 2ª foto - posteriormente cimentada e morada mas lembro-me dela de terra batida… -, quantos moios de trigo, de milho, de centeio e cevada não foram debulhados e ensacados?... Quantos alqueires de cereais e quantos litros de feijão frade dali saíram?

Quantas descamisadas, diurnas e noturnas, nela se fizeram? Eventualmente, no decorrer do descamisar do milho que sempre juntava muita e alegre malta jovem, quantos namoricos não se iniciaram e alimentaram neste pequeno recinto hoje ao abandono? 

E, quantas sonecas, este que estas teclas aqui bate no teclado do moderno computador, enquanto criança nos anos 40 e 50 do século passado, não dormiu nas quentes noites de Verão ali em cima dos montes das camisas de milho, vendo e admirando as estranhas e cintilantes luzinhas no escuro horizonte distante?

Oh, como me lembro de tudo isso e como tanto aprecio e admiro a árdua labuta braçal agrícola de meus avós e sua família - “ao nascer do sol já estavamos lá em cima, no cabeço, para atarmos o pão”, contava minha mãe - para das terras retirarem o sustento para viver, quando não subsistir, em pobres anos de colheitas mas onde diariamente não poderiam faltar as couves, o feijão e as batatas para lhes fornecerem as necessárias forças físicas para que com elas pudessem laborar e produzir para dessa forma poder pagar a renda ao sr. tenente da marinha.

Quanto esforço? Quanto sofrimento?

Quanta incerteza? Quanta ansiedade?

Para que nada faltasse ... no S. Miguel...

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