Foi neste dia do mês, há já 43 anos, exactamente
a 7 de Dezembro de 1969 que, embarcando em Luanda, no paquete Império, tive um
dos dias mais felizes da minha vida! Era o início do fim da minha participação –
“comissão”, como então se chamava à nossa participação forçada… - na então dura
e perigosa guerra naquele território angolano então português e, sendo o início
do fim daquela dura etapa da vida de um pacato cidadão, será natural que esse
acontecimento entre na sua vida como uma data marcante, apenas suplantada pelo
desembarque em terra firme, em Lisboa, dez dias depois, a 17 de Dezembro de
1969!
Lembro-me que quando tive notícia que
o Império já estava atracado no porto, esperando o nosso embarque, tive de ir
ver com os meus próprios olhos. Fui a Luanda e, exultando de felicidade, registei
mesmo em foto a tão normal e vulgar vista mas que, para mim, era das mais lindas
paisagens! O gigante barquinho que me levaria a casa estava ali, submisso,
imóvel e acolhedor, esperando pela minha entrada… Coisa linda! Fica aí o
retrato que bati naquela data.
Na ida tinha viajado no Niassa e o
regresso aconteceu no Império, sem dúvida um paquete muito melhor que o
primeiro e, curiosamente, ambas as viagens ficariam marcadas por insólitos e
inesperados acontecimentos particularmente desagradáveis para muitos militares
mas em cujo número felizmente não me inclui…
Na ida, no Niassa e como consequência
das péssimas condições em que os soldados eram transportados e alimentados, a
meio do trajecto, os rapazes, em número de algumas centenas, sofreram um
intoxicação alimentar e a aflição foi muito grande. Os homens viajavam amontoados
que nem gado nos porões do barco onde tinham sido instalados os beliches de
duas camas. A ventilação, apenas resultante da grande abertura central por onde
se fazia a carga e descarga de mercadorias, era quase nula e, se a isso
adicionarmos o muito calor, as poucas instalações sanitárias e, alguns dos
jovens, porque oriundos de meios rurais e estamos a falar do Portugal dos
distantes anos 60, como poucos hábitos de higiene, pode imaginar-se o ambiente e os
odores naqueles porões… Coisa inadmissível
para transportar seres humanos, duvidando que, nos dias de hoje, fosse possível
fazer igual transporte de homens naquelas condições. Pois, a juntar a essa
deplorável situação, ainda acabaram por fornecer aos rapazes alimentação menos
própria que lhes provocou uma intoxicação deveras preocupante.
Como as condições em que viajavam eram
as descritas, de forma alguma os pobres homens poderiam permanecer ali deitados, a
vomitar e a gemer. Houve que os distribuir pelos corredores que davam acesso
aos camarotes de oficiais e sargentos, bem como a outras partes do paquete,
como acessos a enfermarias, salões, etc, etc. Foi
um verdadeiro pandemónio e o alarme foi grande chegando a pensar-se em
atracarmos na Guiné/Bissau para debelar a situação… Aconteceu que, felizmente
pela boa constituição do rapazes ou porque a intoxicação não atingiu maiores
proporções, o próprio organismo dos soldados encarregou-se de melhorar todo
aquele problema e, ao fim de 2/3 dias, a coisa voltaria ao normal. Mas foi
muito preocupante e os rapazes sofreram bastante.
Então, oficialmente, o que saiu sobre
as origens do mal estar dos homens foi que não tinham “aguentado” a passagem do
equador… Isso mesmo, à boa maneira do antigamente de encobrir as verdades… Como
se esse suposto e ridículo "diagnóstico" só atingisse o organismo dos soldados e
deixasse imune oficias e sargentos… Ridículo.
Entretanto, enquanto os pobres
soldados viajavam e comiam assim, oficiais e sargentos viviam instalados em
optimas condições e alimentavam-se magnificamente. Instalados em camarotes de
quatro lugares, com ar condicionado e casa de banho própria e fazendo as
refeições em belíssimos salões, comíamos excelentemente e eramos servidos por
tripulantes fardados a rigor e com a maior deferência. Deixo também aí uma foto
no Império que o comprova mas, no Niassa, foi idêntico. Esta era a verdade de
então e importa que se diga para que se saiba.
Portanto, esta foi a situação ocorrida
na viajem de ida no Niassa e, depois, no regresso no Império nada disso
aconteceu felizmente mas, todavia, um acontecimento posterior e de que só agora,
aqui pela net, 43 anos depois, tive conhecimento, marcou também essa viajem.
O Império atracou connosco no dia
17/12/1969 e esteve ali, no cais de Alcântara até 5/1/1970, data em que voltou
a zarpar com mais um carregamento de tropas, desta vez para Moçambique.
Aconteceu que neste período de estadia no cais e certamente beneficiando de
algum provável período de menor vigia por causa das festas de Natal e Ano Novo,
alguém instalou numa dependência, por debaixo da Casa das Máquinas, um engenho
explosivo.
O rebentamento ocorreu a 9, quatro dias
depois da partida e provocou um rombo no casco que de imediato resultou na inundação de toda a zona,
atingindo a Casa das Máquinas provocando a paragem de toda a maquinaria e
consequente falta de energia no paquete. Fecharam de imediato as portas mas
chegou a recear-se que elas não aguentassem a pressão. O barco adornou e o caos
ficou instalado. Não havia energia, as camaras frigoríficas deixaram estragar
os alimentos e os mesmos foram atirados ao mar por não se suportar o cheiro. Chegaram
a queimar cordas e tábuas das escadas para fazer fogo e fritarem farinha para
alimentar toda aquela gente. Dentro do barco, por falta de ventilação e luz não
se podia dormir e conseguiram apenas pôr em funcionamento um gerador para luzes
de presença e comunicações.
Imagine-se então a aflição e o caos em
toda aquela gente até chegar um rebocador grego que levou o paquete adornado
até Cabo Verde. Em Portugal a Emissora Nacional, noticiava oficialmente que o
Império estava parado no alto mar com uma avaria nas máquinas…
A viajem da tropa foi então reatada
quando chegou o Niassa enviado de Lisboa transportando os militares para Moçambique.
O Império seria depois rebocado para
Lisboa e daí seguiria para a Escócia onde foi reparado durante 9 meses, data
em que voltou ao serviço da tropa e do seu transporte para África, resultando
deste episódio portanto que, a minha viajem nele, foi a última antes do
atentado sofrido.
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