Fosse eu supersticioso e, por certo, depois
de hoje, começaria a olhar para o dia da Consoada como tempo de me trazer
notícias tristes…
Na verdade, como se já não bastasse de
para mim sempre ficar marcado este dia a partir do ano de 1978, data em que faleceu
o meu pai e que a partir daí me força a sempre consoar com essa triste
lembrança, quis o acaso que hoje também viesse a saber do falecimento do amigo
Carvalho, um velho companheiro de pesca e de copos, que me deixa muita saudade.
Foi por acaso que o telefone me trouxe hoje a notícia desta morte, ocorrida já, segundo julgo, há mais de dois
meses.
Neste período estive por mais de uma vez
na Castanheira do Ribatejo, onde vivia o “velho Carvalho”, não calhei a vê-lo –
e pelos vistos nem podia… - e ninguém me transmitiu esta infausta notícia… Se
soubesse da sua morte ou, até mesmo, se ela em tempo oportuno me tivesse sido
comunicada, forçosamente ter-me-ia deslocado de propósito para o acompanhar à
sua última morada.
Tinha pelo Carvalho particular estima
e guardo dele boas recordações, não só dos muitos momentos em que o procurava
para petiscarmos e tomarmos um copo, como sobretudo pelos muitos anos em que foi
meu companheiro de pesca ao achigã no Ribatejo e Alentejo. Com um outro
camarada, ao longo de mais de dez anos, percorremos muitos milhares de kms
pelos caminhos ribatejanos e alentejanos em busca dos “boca grande” e guardo
desse período belas lições de companheirismo e convivência com este já saudoso
amigo.
Era um homem que conhecia “tudo e
todos”, de convivência muito agradável, respeitoso, que sabia estar e sempre
foi um soberbo companheiro, quer nessas viagens, quer sobretudo à mesa de
restaurantes e tascas onde sempre foi um colega absolutamente exemplar! Aí
o convívio era perfeito e, verdade seja dita, mesmo não vivendo desafogado economicamente,
nunca, nunca por nunca ser, vi o amigo Carvalho a esquivar-se a contribuir com
a sua parte na despesa, quando não avançava ele mesmo para o pagamento da
conta, numa voluntariedade que naturalmente sempre era combatida… Carvalho
nunca, nunca se “encostou”! Carvalho foi sempre um companheiro exemplar!
Por isso e não só, eu gostava dele!. Por
isso e não só o procurava já depois de se aposentar e passar os seus dias
entre os cafés da Castanheira e a sua casa, para viajarmos um pouco (Carregado,
Cartaxo, Alenquer, Alhandra, etc) e bebermos uns copos. Copos que, pelos
vistos, não lhe fizeram muito mal dado que acabou por partir já perto da bonita
idade dos 90… Oitentas e tais de uma vida muito vivida!
Naturalmente guardo do Carvalho
deliciosos e inesquecíveis momentos de convivência – deixo aqui uma foto em que
ele saúda o fotografo por ocasião de um belo convívio na hora do almoço, junto
a uma barragem no Ribatejo – e lembro-me por exemplo das vezes em que se
lembrava de levar pequenos “mimos” e os preparava junto às represas, debaixo de
uma azinheira. Uma vez, perto de Avis, quando cheguei para almoçar, pensando
que ia saborear o meu petisco que levara de casa, deparei-me com o amigo
Carvalho fazendo brasas entre duas pedras e preparando-se para assar, espetado
num pau, um bom naco de toucinho, bem alto, só temperado com sal grosso, cortado
aos gomos e só seguro pelo coirato. Que delícia aquele petisco me soube, apertado entre o fresquíssimo
pão alentejano que comprávamos em Mora, na própria padaria onde era cozido, com
o dia ainda a raiar! Uma maravilha que repetiu outras vezes e que jamais
esquecerei!
Para além destas facetas que sempre
recordarei e do muito que aprendi com ele na arte de pescar os achigãs –
Carvalho pescava muito bem, fruto da sua larga experiência! - outro detalhe do
seu comportamento que sempre me impressionou, foi a forma amistosa como convivia
com os seus empregados. Num ou outro caso – estou a lembrar-me por exemplo de
um deficiente mental (Grácio, de seu nome) que para ele trabalhava e que o “velho
Carvalho” sempre tratou como um filho… Carvalho ralhava-lhe e premiava-o como
se filho fosse! Um espanto!
Mais um exemplo: Numa ocasião em que vínhamos
de umas cervejas na direcção do prédio em cujos apartamentos as suas
funcionárias executavam as limpezas finais, o amigo Carvalho pergunta-me, sem
ela ouvir: “Não se importa que ela tome banho ali numa banheira?” Claro que não
me importava e, lesto, o amigo puxou da carteira, tirou uma nota, deu-a à
rapariga, dizendo: “Toma, compra um sabonete e toma banho”. E vi-o ter estes
gestos, gratificantes e amigos, tantas vezes!...
Não mais degustarei os tordos estufados
que anualmente fazia questão de comprar a um amigo caçador e tinha gosto em
convidar-me para os saborearmos com um bom vinho tinto que ele também muito
apreciava… (Comprava os tordos, mandava o Grácio depená-los e ele mesmo os
preparava muito bem com cebola e alho num tacho que depois levava para o café,
para degustar com os amigos, como em Janeiro de 2008, ocasião registada na foto ao lado.).
E pronto, o Carvalho, utilizando uma
expressão que ele muito usava, “apagou-se”! “Apagou-se” e deixou-nos mais sós e
mais tristes! É a chamada “lei da vida” que, como sabemos, nos deixa sempre
muito abalados quando ocorre com quem estimamos…
Ficam estas palavras em sua homenagem
e como sentido agradecimento pelos gratificantes tempos que comigo conviveu e
pelo muito que me ensinou!
Que descanse em paz!
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