sábado, 2 de maio de 2020

OUTROS TEMPOS, OUTRAS VIDAS...


Eram outros tempos, eram outras vidas, eram outras vivências...
Era o tempo pós-guerra, era o tempo de outras muito duras realidades…
Era o dia-a-dia de privações, de dificuldades, de até fome para muitos…
Era o dia-a-dia da incerteza do dia seguinte, se o trabalho à jorna surgia…
Era o tempo do suor, da dor, do esforço braçal, do sol-a-sol…

Medito em tudo isto ao ver esta foto com “talheres” de outrora e que, hoje, felizmente, já poderão ser peças de museu.

Havia-os em casa de meus avós maternos, no Anafe do Meio, do meu Chouto natal. 

Eu criança e eles adultos, de corpos bem moídos pela árdua labuta agrícola no arroteamento e amanho das terras do senhor marinheiro que em Lisboa recebia pelo S. Miguel a renda dificilmente amealhada e suada durante o ano, sentados em pequenos bancos de assento de palha, idênticos ao da foto junta e ao redor de grande travessa em cima de uma baixinha e curta mesa, com a altura dos banquinhos, todos tirávamos as colheradas ou garfadas do nosso lado na grande malga, usando relíquias iguais a estas da foto que encontrei na net. 

No final, rapada a travessa, o avô Gregório levantava-se, subia os dois degraus de cimento atrás de si, corria a cortina de pano de ramagens que dava acesso ao seu quarto e da avó Maria e, de baixo da cama para estarem mais fresquinhas do calor abrasador do Verão, porque toda a casa era de telha vã, retirava uma grande melancia de que ele era mestre no cultivo. Voltava a sentar-se, punha a melancia no colo entre as pernas e traçava-a em compridas fatias (talhadas, como lhes chamava) que distribuía uma a cada um, deixando o coração (castelo) por ser mais doce, para a rodada final.

Depois, bem, depois todos se levantavam e, homens e mulheres, filhas, genros, boieiros e demais contratados iam para a danada da labuta agrícola e a avó Maria, de pernas arqueadas e saia larga e comprida, pegava na grande malga vazia e nos talheres e procedia à sua lavagem num grande alguidar de barro. A loiça com água e sabão azul e branco e os garfos, iguaizinhos aos da foto, eram demoradamente esfregados com o mesmo sabão azul e branco num esfregão de pano bem forte. Se havia palha de aço, não me recordo mas talvez houvesse. Ou talvez isso fosse uma modernice…

E, no dia seguinte repetia-se a cena…

O mesmo esforço, a mesma labuta, o mesmo sentar em redor da grande malga, os mesmos garfos cinzento escuros e ásperos…

A vida de outros tempos…

A vivência árdua e muito difícil de quem, com tanta dedicação e carinho, nos criou e amou... 

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