quarta-feira, 27 de março de 2019

ZÉ AZEVEDO E O "RESPONSO"


«No creo en brujas, pero que las hay, las hay» e, esta frase, tida como saída da Galiza e generalizada a todos os nossos vizinhos espanhóis e sobejamente conhecida e também usada em português por todos nós aquém fronteiras, penso que pode bem aplicar-se ao facto de saber rezar o chamado “responso”, mas não o assumir publicamente, por parte do meu saudoso pai.

Na realidade, embora ele nem em casa jamais o tivesse assumido, ali entendíamos que ele sabia rezar o “responso” e na aldeia e até mesmo na região envolvente, era do conhecimento público esse seu predicado.

Talvez por ser pessoa que gostasse muito de ler – recordo-me, por exemplo, de o ver ler “Os Miseráveis”, de Victor Hugo nos 5 volumes que lhe levei, sendo ainda sem dúvida o adulto que mais frequentava a Biblioteca Itinerante da Gulbenkian que visitava a aldeia, lendo muitos dos seus livros que sempre requisitava em cada visita – embora não podendo dizer-se que era pessoa muito letrada, porque as suas muitas ocupações do dia a dia não lhe permitiam tempo disponível para  mais leitura, era todavia pessoa que escrevia muito bem tendo em conta a sua escolaridade quando criança e igualmente muito civilizada, sabedora da vida e do harmonioso e respeitoso convívio em sociedade e, porque repudiava e combatia as crenças nas chamadas “benzedouras” que então abundavam na região e também porque em determinada altura da sua vida frequentou um chamado “Curso de Cristandade” era bastante crente e religioso, custar-lhe-ia assumir publicamente que acreditava nas virtudes da reza do “responso”. 

Custar-lhe-ia, custar-lhe ia mas…. pelo sim pelo não rezaria e…. mal não faria. Entendia ele. Ou, pelo menos, entendo eu assim... Eh! Eh!

Na ocasião, quando surgia a solicitação de alguém a quem tinha desaparecido determinado objecto ou coisa, Zé Azevedo ouvia, sorria e ausentava-se para outra dependência da casa, certamente, penso eu, para fazer a reza e regressando pouco tempo depois, dizia: “Bem, vá descansado que talvez apareça...”

Se aparecia ou não, se resultava ou não, confesso que não sei dizer mas que algumas vezes presenciei a cena, lá isso presenciei, o que era prova que a sua “sabedoria” era pública e… reconhecida. Eh! Eh! 

E lembrei exactamente de tudo isto quando, dando uma volta pela imensa correspondência que me enviava para Angola no tempo da guerra e que é um verdadeiro acervo de histórias naquele período do dia a dia do Chouto, minha aldeia natal, narrando-me as ocorrências da terra (trovoadas, cheias, nascimentos, casamentos, baptizados e até a de um seu amigo que “pulou a cerca” antes do casamento – mas com a recomendação de nada eu falar sobre isso na minha correspondência porque minha mãe e minha irmã não sabiam ( !) e só ele conhecia por confissão desse amigo, amigo que por isso ia casar “à pressa”… - mas, portanto, dando uma volta por esses muitas cartas e aerogramas encontrei um, de 4/11/1969, de que aí deixo um seu pedaço onde, a terminar a sua missiva, me fala: “Agora mesmo sem vontade estou a rir (falava assim por eu estar na guerra…). Veio agora um rapaz bater-me à porta ás 10 da noite para eu lhe rezar o responso a uma bicicleta que lhe acaba de desaparecer da porta do Polidoro. Isto dá graça.”

Pois é, meu saudoso amigo, “ No creo en brujas, pero que las hay, las hay”.

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