domingo, 3 de dezembro de 2017

"MAUS FÍGADOS" - RECAUCHUTAGEM - DIA 20


OS COMPANHEIROS E… CALDEIRADA DE ACHIGÃS!...

Neste meu internamento em Curry Cabral e fora os danados dos dias e noites passados nos “Cuidados Intermédios”, tenho estado sempre na mesma cama num quarto de quatro doentes.

Quando cheguei e ainda antes da cirurgia, já não recordo bem quem encontrei aqui. Lembro-me apenas de um companheiro, rapaz de quarentas, alfacinha, que ia ser intervencionado a algo que lhe surgiu no fígado. Foi para a cirurgia logo de seguida e, por eu ter permanecido aqueles dias nos “Cuidados”, só o voltei a ver quando aqui cheguei à enfermaria mas, estava ele de saída, com alta.

Tive também um brasileiro, de que já falei quando contei o episódio da… torradeira… Pouco falava o brasuca e só dormia dia e noite, certamente por via da forte medicação que recebia. Tinha a pele de um amarelo vivo que nem ocre, algo impressionante para a vista, tanto mais que estava amputado de uma perna, mas não coisa de agora. Fazia hemodiálise quase diária e, para agravar a já triste situação, tinha também sido operado à língua, embora não aqui, segundo julgo saber e tinha dificuldade em comer, beber e expressa-se, estando portanto com um quadro clínico muito complicado. Há 3 dias foi levado para os “Cuidados Intensivos” e nada mais de concreto soubemos…

Na cama ao lado do brasileiro Márcio esteve José Roque, de 63 anos, residente na Marinha Grande, que diariamente recebia a visita da esposa e filha que lhe traziam as coisinhas de que ele mais gostava de ingerir, como sopa caseira, uvas, etc. Tratavam-no como muito carinho e paciência mas o senhor queixava-se muito de falta de ar e desesperava. Chegou a impedir-nos de dormir e praguejava muito, algumas vezes com palavrões à mistura. Pedia muito – ouvi várias vezes… : “Deixem-me morrer, porra!” . Um dia chegou um médico com a sua equipa, correram a cortina mas, da minha cama pude acompanhar o sentá-lo na cama, administrar-lhe uma anestesia local e tirar-lhe líquido de um pulmão. O nosso companheiro ficou bem mais aliviado e, quando a esposa chegou pela hora de almoço, ficou contente por o ver menos aflito. Comeu o que a senhora lhe trouxe mas, subitamente, teve uma grave crise. Aplicaram-lhe de imediato uma máscara de oxigénio e seguiu daqui para o Bloco para sofrer uma cirurgia, segundo disseram. Soubemos que passou depois para os “Cuidado Intensivos”, que esteve por lá talvez um dia ou umas horas e… “apagou-se”. Ficamos tristes!...

E, para último guardei o meu amigo José Jacinto Gonçalves, alentejano puro, de uma aldeia junto a Aljustrel, que veio para a cama onde estava o alfacinha.  Fala bem, bem, com o sotaque dos alentejanos, tanto ele como a esposa que diariamente, com estadia em casa de irmã na Bobadela o visita e, com ambos,  tanto eu quanto a Tense temos conversado bastante e constituímos já uma boa amizade. Ele, por ainda não ter sido operado (pâncreas) ajudou-me quando cheguei abalado dos “Cuidados” e, nestes últimos dias, sou eu, já bem melhor que o procuro auxiliar em qualquer dificuldade da sua grande cirurgia. O amigo Zé levou um considerável golpe de vários centímetros em feitio de “L” invertido no peito e abdómen. Nos primeiros dias do pós-operatório esteve algo malzinho mas, agora já vai estando muito melhor, embora ainda não esteja a ingerir comida sólida.

E foi assim que eu e a Tense ganhamos mais dois amigos! Modestos, cativantes, bons conversadores, muito educados e super-simpáticos! Gostamos muito de os conhecer!

E é uma amizade e uma simpatia que já nos fez aprazar na Aldeia Nova, onde moram, confeccionada pela esposa Madalena - que ele já me confidenciou que cozinha muito bem! -, uma bem alentejana e certamente deliciosa “Caldeirada de Achigãs”!

- Com “hortelã da ribeira"? – perguntei.

Ao que a senhora me retorquiu:

- Claro! E que temos lá no nosso quintal.

E eu que adoro “caldeirada de achigãs”, prato tipicamente alentejano!...

E, já que falo em comida,  deixo como “ornamento” uma imagem da “lareira” montada na sala de refeitório e, uma outra do jantar de hoje, que estava bom mas que, em nada por nada, poderia rivalizar com uma bem alentejana “caldeirada de achigãs”…

Uuuunh!!!

Já estou a sentir-lhe o cheirinho…

2 comentários:

Roberto Menks disse...

Caro Victor Azevedo, me impressiona o espírito jovial e divertido, que deliberadamente cria essa narrativa, de de um cenário que seria de pouca inspiração, para nos brindar com um texto que traduz bem as agruras de um hospital, enquanto convalece-te! Desejo-lhe que em muito breve esteja na normalidade da saúde!

Victor Azevedo disse...

Muito obrigado, caro Roberto!
Obrigado pelo comentário e pelas tuas amáveis palavras!
O ânimo, naquela situação, foi o que consegui arranjar no meu espírito tendo em conta que se não fosse assim os dias seriam bem mais desagradáveis. Assim, procurei esquecer o receio e a tristeza e vivi a coisa talvez de forma menos desagradável.
Obrigado e um forte abraço daqui para o Maranhão!