Da minha varanda, numa das muitas noites quentes que vamos sentindo, vi-o aproximar-se ao fundo da rua…
De passo curtinho mas sempre
apressado, aquela figura meã mas aparentemente rija, certamente bem calejada
pelas agruras da vida é, pelo menos à vista muito ágil e já me é familiar de há
muito por bastas vezes por aqui o ver passar. Carrega sempre uns sacos de
plástico nas mãos e/ou às costas e também sempre se faz acompanhar de uma
pequena vara que muito o ajuda na sua difícil missão de remexer o lixo.
Se não diariamente, pelo
menos com muita regularidade, ele aqui é visto a remexer e tirar dos
contentores os restos, as migalhas – porventura algo talvez pré-podres e azedas…
- que os outros não quiseram e deitaram fora mas que, pelos vistos, lhe servem
e ajudam a sobreviver, a si e aos seus…
Tempos atrás tinha a sua
missão mais facilidade (se é que há facilidade no remexer do lixo e daí tirar o
sustento…) porque os contentores, então constituídos por grandes caixas com
rodas eram móveis, caixas que ele movia um pouco para debaixo do candeeiro de
iluminação pública e, levantando a enorme tampa, ficava com fácil e bem visível
acesso a todo o seu interior mas, ultimamente, a autarquia fê-los substituir
por outros bem maiores, escuros e de tampa mais pequena, tornando-lhe mais
difícil a operação. Estão meio enterrados no solo e, de orifício pequeno e
forrados no seu interior com um enorme saco de plástico preto, de noite nada se
vislumbra no seu interior.
Vi-o então aproximar-se
apressado e ágil de um dos grandes contentores e rapidamente levantar a pequena
tampa e olhar para o interior onde, estou em crer, estava um escuro de breu…
De imediato meteu a mão ao
bolso e, quando eu esperava ver surgir a clássica e velha lanterna de grandes e
dispendiosas pilhas, eis que o nosso homem empunha um telemóvel de onde logo
faz brotar um bem útil e gratificante foco de luz.
Precipita-se então de cabeça
no interior do depósito e, ficando apenas com as pernas de fora, penduradas, é assim,
naquela difícil posição que remexe o lixo e escolhe o que eventualmente lhe
interessa. Logo sai para guardar o parco haver e, ainda empunhando na mão
esquerda o precioso telemóvel, parte para outra busca, outra recolha de algo
que outros deitaram fora e que a ele lhe serve.
Uma vida certamente muito
difícil e desagradável mas que ao nosso amigo se torna obrigatória por opção ou
por absoluta necessidade mas que, todavia, porventura, agora já se lhe
apresenta menos pesada e dispendiosa porque deixou de gastar dinheiro em pilhas
electricas para a lanterna de bolso… Usando o telemóvel fala para a família quando
necessita e usufrui da sua luz nesta sua difícil labuta.
Nova tecnologia: menos
dispendiosa, mais leve e mais prática.
Coisas dos nossos tempos…
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