A FEIRA DE 1968
Nesta sequência de apresentações de velhos nacos do meu Chouto Antigo relativos a extractos retirados da correspondência recebida durante a minha permanência em Angola por ocasião da minha comissão na Guerra Colonial deixo hoje a 3ª pérola dessas narrações.
Conhecedor da minha paixão pela terra natal e sabedor de quanto apreciava as notícias das ocorrências locais, o meu solicito pai como já o confessei noutras situações anteriores, tudo me narrou durante esses mais de dois anos de ausência forçada nas terras africanas.
Desta vez e em aerograma datado de 1/7/1968, cujo extracto aí deixo, é descrita a passagem da Feira de S. Pedro nos dias anteriores, o seu ambiente e as suas incidências onde sobressai a evidente decadência na frequência de visitantes, a inevitável referência à falta da energia electrica e sobretudo a actividade fraudulenta dos vendedores da “banha da cobra” que então se aproveitavam da ingenuidade dos incautos locais para se apropriarem de proveitos ilícitos.
Imaginando a dificuldade na leitura da caligrafia deixo a “tradução”:
“ É hoje 2ª feira, escrevo-te para te dizer que assim se passou a feira, sem nada de especial a registar, a não ser um grande calor que andamos para morrer. Na feira, mesmo na hora de mais movimento pouca gente se via porque era impossível lá andar. Os feirantes dizem que fizeram algum negócio mas foi só rente à noite e ontem, domingo. Se tivessemos electricidade à noite alguma coisa faziam, assim paciência. No dia da feira pouca gente aqui veio para casa porque da Parreira, Marianos, Ulme e Chamusca não vieram à feira. De onde veio alguém foi do Semideiro e ainda foi o que valeu. Não veio carrossel, umas barraquitas de jogos e mais nada. Mas a feira é sempre jeitosa e ainda tinha muitos feirantes, muitas barracas de fatos feitos, etc. Mas tudo muito sossegado porque não havia qualquer música. Ontem é que estiveram os propagandistas a dar navalhas, sabonetes, etc. As pessoas iam recebendo todas contentes, eles por vezes diziam “agora é vendido”, recebiam o dinheiro e depois voltavam a restitui-lo, até que caíram com 100$00 para um xaile que pode valer 20 ou 30$00, julgavam que eles voltavam a dar os 100$00 mas enganaram-se. Eles foram entretendo a malta a dar-lhe uns sabonetes enquanto outros arrumavam a mercadoria no carro e depois piraram-se. A malta ainda lhes quis cercar o carro mas eles meteram para baixo para embalarem o carro mais rápido e depois passaram para cima em grande velocidade a dizer adeus com a mão.”
E é assim, por vezes dando volta à velha correspondência de meu saudoso pai, saboreando estarrecido estas deliciosas narrações e “alimentando-me” de algum passado, que vivo muitos dos dias de hoje…
E gosto!
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