A ENTRADA, O PROVEITO, A SAÍDA
Vivíamos a 2ª metade da década de 70 do século passado… Casado poucos anos antes; um filho para criar; ordenado pequeno e mal pago – entregas a prestações, feitas sempre nos meses seguintes em empresa prestes a fechar portas -; renda da casa, água, luz, gás, etc,etc e a coisa não era muito promissora, não…
Decidi então, para fazer mais uns “cobres”, inscrever-me como Assistente do “Circulo de Leitores”, designação simpática dada pela editora aos seus vendedores de livros de porta em porta. Bem, em boa verdade, devíamos apenas contactar os sócios inscritos no Circulo mas, francamente, eu mandava isso “ás urtigas” e, como ganhava à comissão e importante era vender muito para ver mais“algum” remanescente, vendia livros, discos (LPs de vinil) e depois até serviços de pique-nique em plástico inquebrável, a todos os clientes com que tropeçava nos meus trajectos diários, sempre entre as 19 e 21,30 horas, ocasião em que encontrava em casa os sócios vindos dos empregos.
É desse trajecto e de várias e patuscas histórias então vividas que resolvo fazer umas narrações, sendo que, dada a sua extensão, vou redigir duas crónicas, deixando já nesta imagens dos troféus recebidos, narrando também o que foi o bom êxito da minha missão e sendo que, na próxima crónica, divulgarei umas quantas patuscas cenas então ocorridas.
Tinha um pouco mais de 400 sócios a visitar cada trimestre, em cujo término prestava contas e, para desempenhar com eficácia o trabalho, havia que, nesses 3 meses, visitar várias vezes as mesmas pessoas. Primeiro, entregar a revista em mão para que o sócio escolhesse o que pretendia – podendo deixar as revistas nas caixas do correio eu fazia questão de as entregar em mão, não só porque assim era serviço mais personalizado e cortês como porque logo na ocasião tentava influenciar o “cliente” no sentido de requisitar esta ou aquela obra mais carota para que a minha comissão subisse… - depois, passados uns dias, ia levantar o pedido escrito num postalinho que vinha anexo à revista e depois, mais à frente, procedia à entrega das obras.
Muitos, pagavam logo no todo mas, outros, faziam-no em prestações e outros marcavam os pagamentos para quando mais lhes convinha. Neste últimos casos, forçavam-me a voltar às portas quantas vezes as necessárias…
Como é bom de ver tudo isto implicava uma boa organização de ficheiros e agenda e, sobretudo, num assinalável esforço físico de subidas e descidas de escadas de prédios porque muitos não tinham elevador e, em determinada altura, por via do “verão quente” de 75 e do período agitado vivido que se seguiu e da muita doideira reinante, não havia condomínios nos prédios e, os que tinham ascensores, logo que avariavam tarde e más horas eram reparados. E tinha muitos sócios bem acima dos 4ºs andares…
Foram 4 anos assim e, mercê do esforço e dedicação, quando o Circulo resolveu começar a fazer classificação dos melhores Assistentes aqui o “je” sacou em 1979 o 34º lugar e, logo depois, no ano seguinte, um excelente 11º! Isto, num universo de várias centenas de Assistentes em todo o país! Um êxito bem interessante, acho!
Em cerimónias bonitas, com jantares a condizer (numa delas, sem que saiba porquê, convidaram-me para a mesa da direcção e fiquei ao lado do administrador da empresa!), foram entregues os respectivos troféus tendo este vaidoso rapaz recebido os de que aí deixa imagens.
No meu 4º e último ano de Assistente já não me esforcei tanto e não obstante os lamentos de muitos sócios, já habituados aos nossos sempre cordiais contactos, abandonei a “pasta”. Já andava algo cansado e, como também já tinha iniciado a minha actividade na construção civil, deixei o cargo.
Surgiu então um familiar de uns meus vizinhos (por razões óbvias designo-o aqui por um suposto Rui Vitória) que pretendia ganhar algum dinheiro e apresentei-o ao Circulo passando-lhe o cargo.
Dada a afectividade existente entre mim e os sócios (chegava a petiscar, tomar “Portos” e até ver a novela “Gabriela” em casa de muitos) foi-me aconselhado pela empresa e pedido pelo próprio, que fizesse a transição e as apresentações aos sócios, ensinando-lhe as minhas tecnicas de venda e aconselhando o novel Assistente na melhor forma de desempenhar eficazmente as suas naturais pretensões de boas vendas.
Foi o que fiz de muito boa vontade… O amigo Rui Vitória (suposto nome, repito) acompanhou-me durante uns bons pares de serões em visitas a todos os sócios e instruí-o das melhores formas de lidar com a,b,c, etc, dando-lhe conta dos gostos e preferências de muitos deles Mas a recomendação e conselho muito especial era principalmente uma: Ser: cortês, educado e diligente com todos porque isso seria meio caminho para ter bons resultados. Nunca criar atritos e usando o velho lema “o cliente tem sempre razão” contornar com inteligência e cortesia as complicações surgidas.
Ouvido e entendido tudo bem pelo amigo Rui, partimos para as visitas/apresentações mas, para meu desalento, muito cedo tive que o chamar a atenção e aconselhar a alterar a maneira como estava a processar-se a sua estreia…
Em boa verdade ainda esperei mais de uma ou duas vezes mas, depois da 3ª ou 4ª tive de intervir…
Acontecia que, feitas as apresentações e no final da inevitável conversinha, eu despedia-me com afectividade dos sócios amigos e, o nosso amigo Rui, apertando gentilmente a mão às senhoras, despedia-se desta forma:
- Rui Vitória para a servir!
Ouvida umas quantas vezes a “oferta”, tive de lhe dizer:
- Amigo Rui, que seja cortês, está bem mas… não exagere, tá?.
Para a servir???...
Eh! Eh!
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