quarta-feira, 10 de abril de 2019

O "ESCORREGA" DA MINHA INFÂNCIA



Dizem os livros e eu confirmo: Quando a idade avança para números já consideráveis, encontramos um livro, um caderno ou um jornal, tropessamos numa caixa, numa árvore ou numa planta, sentimos um determinado paladar, etc.. etc. e, inevitavelmente, chegam-nos à memória cenas e situações vividas e passadas na nossa infância e juventude que não sabemos bem onde andavam, por antes não serem sentidas.

Ultimamente tenho experimentado essas gratificantes situações e, a piteira de que aí deixo foto, é o mais recente exemplo. 

Vi-a num terreno adjacente à Casa de Saúde onde minha irmã recupera de grave maleita e ela fez-me recuar às brincadeiras de infância na minha aldeia natal e aqui estou a rememorar aquele que era, nem mais nem menos, o meu “escorrega” de criança no “barreiro” então existente num terreno de ervas e sobreiros e que é hoje local de boas e bonitas vivendas dos meus conterrâneos e que assinalo na outra foto aérea da aldeia com um rectângulo amarelo


Os coloridos, bonitos e seguros “escorregas” de crianças que, felizmente, tanto divertem e entusiasmam os nossos miúdos de hoje, estavam ainda a léguas de chegar e, nos finais de 40 e princípios de 50 do século passado, as folhas da piteira e o local de onde se retirava saibro para a construção, que chamavamos de “barreiro” era um preferido local de divertimento. O nosso “escorrega” teria um desnível de talvez 3/4 metros e um decline de 5 ou 6 de extensão, sendo o “estrado” de saibro com uma ou outra “assassina” pedra misturada.

Havia por ali meia dúzia de piteiras da espécie da fotografada, mas de maiores dimensões (talvez muito perto do dobro dessa) e cortavamos as folhas bem junto ao solo porque assim o “escorrega” ficava mais comprido e o “assento”, por as folhas mais abaixo serem mais grossas e “carnudas”, ficava assim mais confortável e mais sólido.Tínhamos naturalmente o cuidado de lhe cortar os agressivos picos das pontas e laterais das folhas e, posto isto, estava preparada a brincadeira.

Colocada a folha da piteira entre as pernas, com a parte mais grossa como assento do rabo, e passada que estava entre as pernas, segurava-mo-la firme pela ponta da folha junto ao peito com as duas mãos e… aí íamos nós, declive abaixo.

Segura que não estivesse bem a piteira, desarmava-se o “engenho” e, aí ia o rapaz desgovernado rampa abaixo às cambalhotas…

Quando isso ocorria - e acontecia vezes de mais! -, era garantida a esfoladela de joelhos, pernas ou cotovelos e a corrida para casa, ali bem perto, em choro convulsivo, para o pai, depois de inevitável e irado “ralhanço”, usar o então milagroso “mercurocromo” que deixava tudo mais vermelho e ainda mais assustador para o aflito petiz acidentado.

Chorávamos hoje mas, amanhã, lá estávamos de novo!… Ora, pois!..

Eram meus colegas nestas aventuras, que me lembre, os irmãos Fernando e Manuel Carvalho, o António Rainha, o João “da Calistra”, os irmãos Manuel e Tomé Dinis, entre outros a que a minha memória agora não chega…

E deve ter sido por aí, mais metro, menos metro, que o Fernando Carvalho – muito reguila era o gajo quando criança!…- me partiu a cabeça com o fundo podre de uma panela…

O gajo pegou no fundo ferrugento da panela que por ali estava abandonado, atirou-o ao ar e o danado, como os modernos “boomerangues” voltou para nós e não encontrou melhor local para aterrar que não fosse a minha pequena cabecita garantindo assim forte “lenho” na minha tola. E, sorte, sorte do Victor, que o fundo a descer deverá ter planado porque, se tivesse caído na vertical, talvez o rapaz não estivesse aqui para contar…

E, como resultado final, aí estão os pais das duas partes a discutir em tremenda convulsão e, quando António Carvalho e Zé Azevedo mutuamente discordavam, a faísca era garantida…

E o choroso Victor a sangrar, de cabeça partida...

2 comentários:

Suzana Pratas disse...

Adoro estas histórias! Olhe que também já me vai ocorrendo rememorar momentos de infância. E viajo muito nessas memórias. Entendo perfeitamente o carinho com que relata as suas...
Favor continuar... ;-)

Victor Azevedo disse...

Muito obrigado, Suzana!
E, olha, se queres um conselho, escreve. Vai escrevendo e guardando e um dia acharás um delícia rever e recordar.
Iniciei o blogue e tenho guardados desde 2003 umas quantas centenas de textos que gosto de reler e que, publicados, daria para vários livros. São de muito reduzido ou mesmo nenhum valor literário mas isso é o que menos me importa.
Obrigado!