sexta-feira, 13 de setembro de 2013

A CASSETE - QUANTAS MEMÓRIAS?


As agências de notícias dando-nos conta que se cumprem hoje 50 anos sobre a criação e chegada às nossas vidas da cassete áudio!
Curiosa e interessante esta efeméride que inevitavelmente me provoca umas quantas recordações, para além de, em certa forma me surpreender, já que, tendo eu adquirido em 1967 um gravador portátil que as usava como a grande novidade da época, não fazia agora ideia que tivesse chegado ao atrasado e fechado Portugal de Salazar só e apenas quatro anos depois de ser lançada nos mercados nos grandes e importantes países do mundo. Antes, eram os grandes gravadores de bobines de fita que muitas vezes se enrolava e embrulhava a provocar nos utilizadores verdadeiros ataques de nervos pelos registos que se estragavam e perdiam…
Chegou então a Portugal em 1967 - só 4 anos depois de ser lançada! – e, eu, como grande maluco por estas coisas das novas tecnologias, tratei de imediatamente comprar um gravador portátil que as usava. Perante a recriminação do meu falecido pai que achava e bem que o dinheiro se devia poupar, eu avancei para a compra e, hoje, sobretudo hoje, não estou arrependido pela razão que vou contar.
Estava naquele mês de Setembro de 1967 prestes a embarcar para a guerra de Angola e o Estado entregava a cada mobilizado antes da partida uma não muito grande verba mas, mesmo assim algo que ainda dava jeito para umas “festas”… Era assim como que uma pequena guloseima que nos ofereciam para tentar amenizar e adoçar os tempos amargos que se aproximavam…
As verbas eram atribuídas a cada homem consoante o seu posto militar, indo da mais baixa no caso do soldado raso, até à mais alta, ao oficial superior do quadro. No meu caso, como furriel e se a memória não me falha, julgo que recebi por volta de dez mil escudos, qualquer coisa como mais ou menos cinquenta euros na moeda de hoje e tratei logo de os “esturrar” – como o meu pai dizia na época – adquirindo, creio que mais ou menos por sete mil escudos o dito gravador, grande novidade naquela época.
O meu pai era vendedor de várias aparelhos e máquinas que à época iam aparecendo e melhorando o nível de vida e o bem-estar de cada cidadão e, neste caso, era agente de uma casa de Lisboa de aparelhos de rádio e outros para uso no e para o lar. Ele tinha recebido os catálogos onde o gravador era anunciado como a grande novidade e, eu, recebido o dinheirinho do governo, tratei de avançar para Lisboa para o comprar. Creio que não esperei que ele o encomendasse e avancei mesmo pessoalmente para a viagem ao stand da empresa (Olavo Cruz, Ldª) que, ao tempo, ficava ali junto à Praça das Flores.
O gravador, sendo portátil, não era tão pequeno quanto isso se olharmos para os portáteis que se lhe seguiram mas, mesmo assim, não era tão grande quanto se possa imaginar. Mediria aproximadamente talvez uns 35 centímetros por 25, com 8 ou 10 de espessura e foi um sucesso na aldeia! Funcionava a pilhas (6, grandes e redondas) e também a energia electrica, coisa que no Chouto não tínhamos ainda. Usei-o logo para gravar as vozes de meus pais, avós e tias e mesmo de figuras típicas da terra que à data ali viviam e até mesmo o canto de aves que ao tempo o meu pai possuía em grandes gaiolas no quintal. Tenho por exemplo o registo duma simpática gralha que logo de manhã nos saudava com um amigo “Olá!”. O meu pai, pacientemente tinha-a ensinado…
E tenho tudo isso onde? Exactamente numa cassete que na altura adquiri, de que deixo aí a imagem e que me acompanhou em Angola na guerra, do Leste ao Norte daquela terra. Saudosista como sou teria de levar para aquelas distantes paragens e naqueles difíceis dias as vozes dos meus familiares queridos e, na verdade, muitas vezes aqueles registos me mataram as saudades. Foi disso e também das várias musicas que então estavam na berra e que eu ia ali ouvindo repetidamente com a intensidade que de imagina…
Recordo-me que tinha gravado o “San. Francisco” de Scott McKenzie  e o meu velho amigo e companheiro diário de guerra Joel Costa que na data cantava e ainda canta no Coro do S. Carlos, sempre pedia para o reproduzir… Quantas centenas, se não milhares de vezes, a cassete nos ofereceu o San Francisco? Um número inimaginável…Inimaginável!...
O gravador e a cassete foi e andou por Angola na guerra e voltaram intactos e foi-me de um proveito fantástico e, já no regresso a Portugal, usei-o mesmo várias vezes em reportagens para o então “Jornal da Chamusca”. Foi ele, por exemplo, que me gravou a então minha ida à bruxa que já aqui descrevi. Como não o podia utilizar à vista da senhora, usei-o oculto numa velha pasta do meu pai e, ligando-o antes de sair do carro para a “consulta”, nunca larguei a pasta e, por exemplo, na dita “consulta” que ocorreu comigo sentado numa cadeira, coloquei a pasta no colo, com o prato com água e alguns pingos de azeite encima e foi assim que captei as trapalhadas que a senhora ia dizendo sobre o azeite que não se “escangalhava”…… Lembro-me da impaciência que sentia antes de verificar se a gravação tinha ficado em bom estado… Logo depois da partida da casa da bruxa parei o carro e mandei pulos de contente quando comprovei que a gravação estava impecável. Deixo aí também a foto onde seguro a pasta com o gravador oculto.
Tive o simpático gravador comigo até ao dia 6 de Maio de 1974. Nesse dia um desgraçado assaltou-me o apartamento onde vivia e, para além de outros objectos “limpou-mo” bem como umas quantas cassetes que estariam junto mas, felizmente esta, a 1ª e para mim muito mais valiosa, talvez porque estivesse fora do lote, ele não roubou. Tenho-a comigo e tem para mim um valor imenso, como é de imaginar.
Nela tenho as vozes dos meus queridos antepassados já falecidos e mais umas quantas recordações da minha aldeia, como as vozes do Isca, do Tainhas e do Venâncio, figuras típicas do Chouto daquela época e de cujos registos fiz uma recente edição que publiquei na net e que me deu particular satisfação!

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