As agências de notícias dando-nos
conta que se cumprem hoje 50 anos sobre a criação e chegada às nossas vidas da
cassete áudio!
Curiosa e interessante esta efeméride
que inevitavelmente me provoca umas quantas recordações, para além de, em certa
forma me surpreender, já que, tendo eu adquirido em 1967 um gravador portátil
que as usava como a grande novidade da época, não fazia agora ideia que tivesse
chegado ao atrasado e fechado Portugal de Salazar só e apenas quatro anos
depois de ser lançada nos mercados nos grandes e importantes países do mundo. Antes,
eram os grandes gravadores de bobines de fita que muitas vezes se enrolava e
embrulhava a provocar nos utilizadores verdadeiros ataques de nervos pelos
registos que se estragavam e perdiam…
Chegou então a Portugal em 1967 - só 4
anos depois de ser lançada! – e, eu, como grande maluco por estas coisas das
novas tecnologias, tratei de imediatamente comprar um gravador portátil que as
usava. Perante a recriminação do meu falecido pai que achava e bem que o
dinheiro se devia poupar, eu avancei para a compra e, hoje, sobretudo hoje, não
estou arrependido pela razão que vou contar.
Estava naquele mês de Setembro de 1967
prestes a embarcar para a guerra de Angola e o Estado entregava a cada
mobilizado antes da partida uma não muito grande verba mas, mesmo assim algo
que ainda dava jeito para umas “festas”… Era assim como que uma pequena guloseima
que nos ofereciam para tentar amenizar e adoçar os tempos amargos que se
aproximavam…
As verbas eram atribuídas a cada homem
consoante o seu posto militar, indo da mais baixa no caso do soldado raso, até à
mais alta, ao oficial superior do quadro. No meu caso, como furriel e se a
memória não me falha, julgo que recebi por volta de dez mil escudos, qualquer
coisa como mais ou menos cinquenta euros na moeda de hoje e tratei logo de os “esturrar”
– como o meu pai dizia na época – adquirindo, creio que mais ou menos por sete
mil escudos o dito gravador, grande novidade naquela época.
O meu pai era vendedor de várias
aparelhos e máquinas que à época iam aparecendo e melhorando o nível de vida e
o bem-estar de cada cidadão e, neste caso, era agente de uma casa de Lisboa de
aparelhos de rádio e outros para uso no e para o lar. Ele tinha recebido os
catálogos onde o gravador era anunciado como a grande novidade e, eu, recebido
o dinheirinho do governo, tratei de avançar para Lisboa para o comprar. Creio
que não esperei que ele o encomendasse e avancei mesmo pessoalmente para a
viagem ao stand da empresa (Olavo Cruz, Ldª) que, ao tempo, ficava ali junto à
Praça das Flores.
O gravador, sendo portátil, não era tão
pequeno quanto isso se olharmos para os portáteis que se lhe seguiram mas,
mesmo assim, não era tão grande quanto se possa imaginar. Mediria
aproximadamente talvez uns 35 centímetros por 25, com 8 ou 10 de espessura e foi
um sucesso na aldeia! Funcionava a pilhas (6, grandes e redondas) e também a
energia electrica, coisa que no Chouto não tínhamos ainda. Usei-o logo para
gravar as vozes de meus pais, avós e tias e mesmo de figuras típicas da terra
que à data ali viviam e até mesmo o canto de aves que ao tempo o meu pai possuía
em grandes gaiolas no quintal. Tenho por exemplo o registo duma simpática
gralha que logo de manhã nos saudava com um amigo “Olá!”. O meu pai,
pacientemente tinha-a ensinado…
E tenho tudo isso onde? Exactamente
numa cassete que na altura adquiri, de que deixo aí a imagem e que me acompanhou
em Angola na guerra, do Leste ao Norte daquela terra. Saudosista como sou teria
de levar para aquelas distantes paragens e naqueles difíceis dias as vozes dos
meus familiares queridos e, na verdade, muitas vezes aqueles registos me
mataram as saudades. Foi disso e também das várias musicas que então estavam na
berra e que eu ia ali ouvindo repetidamente com a intensidade que de imagina…
Recordo-me que tinha gravado o “San.
Francisco” de Scott McKenzie e o meu
velho amigo e companheiro diário de guerra Joel Costa que na data cantava e
ainda canta no Coro do S. Carlos, sempre pedia para o reproduzir… Quantas
centenas, se não milhares de vezes, a cassete nos ofereceu o San Francisco? Um
número inimaginável…Inimaginável!...
O gravador e a cassete foi e andou por
Angola na guerra e voltaram intactos e foi-me de um proveito fantástico e, já
no regresso a Portugal, usei-o mesmo várias vezes em reportagens para o então “Jornal
da Chamusca”. Foi ele, por exemplo, que me gravou a então minha ida à bruxa que
já aqui descrevi. Como não o podia utilizar à vista da senhora, usei-o oculto numa
velha pasta do meu pai e, ligando-o antes de sair do carro para a “consulta”,
nunca larguei a pasta e, por exemplo, na dita “consulta” que ocorreu comigo
sentado numa cadeira, coloquei a pasta no colo, com o prato com água e alguns
pingos de azeite encima e foi assim que captei as trapalhadas que a senhora ia
dizendo sobre o azeite que não se “escangalhava”…… Lembro-me da impaciência que
sentia antes de verificar se a gravação tinha ficado em bom estado… Logo depois
da partida da casa da bruxa parei o carro e mandei pulos de contente quando
comprovei que a gravação estava impecável. Deixo aí também a foto onde seguro a pasta com o gravador oculto.
Tive o simpático gravador comigo até
ao dia 6 de Maio de 1974. Nesse dia um desgraçado assaltou-me o apartamento
onde vivia e, para além de outros objectos “limpou-mo” bem como umas quantas
cassetes que estariam junto mas, felizmente esta, a 1ª e para mim muito mais
valiosa, talvez porque estivesse fora do lote, ele não roubou. Tenho-a comigo e
tem para mim um valor imenso, como é de imaginar.
Nela tenho as vozes dos meus queridos antepassados
já falecidos e mais umas quantas recordações da minha aldeia, como as vozes do
Isca, do Tainhas e do Venâncio, figuras típicas do Chouto daquela época e de
cujos registos fiz uma recente edição que publiquei na net e que me deu
particular satisfação!
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