Vivíamos o ano de 1971 – faz agora 40 anos! - e o seu mês de Março caminhava para o fim, com os meus 26 anos estava na idade da juventude em que se contesta tudo, se ambiciona ter influência e melhorar e mudar o mundo e, eu, escrevendo nos jornais, sendo muito conhecido no meio que me circundava, não fugia à regra…
O extinto e nosso velho “Jornal da Chamusca” tinha nascido um ano antes e eu pertencia aos seus quadros desde a 1ª hora. Tinha “carta branca” para escrever o que queria e sobre que queria e cheguei a fazer algumas reportagens talvez com algum interesse – uma, bem no interior da charneca do concelho da Chamusca, onde as pessoas viviam como que no sistema feudal, ficou-me na memória… - e por esse facto e também pelos muitos espectáculos e festivais que apresentei, em organização do jornal, este escriba era figura bem conhecida da região.
Foi neste quadro que tive conhecimento nesse mês de Março de 1971 que no interior da minha freguesia, num casal (povoado) perto do Chouto, tinha “caído”, vinda não sei donde, uma “benzedoura”, ou bruxa, como é mais vulgarmente conhecida.
Os seus “dons” depressa se espalharam pela zona e a freguesia à curandeira ia aumentando ao mesmo ritmo, ia eu sabendo depois, quanto os problemas que a senhora ia criando nos lares entre os esposos já que, segundo se dizia, ela apontava com frequência, ás queixas das “pacientes”, o motivo ter origem na existência de supostas amantes…
Claro que a situação começava a deteriorar-se nas respectivas casas e daí começar a falar-se em separações era um pequeno passo…
Foi neste quadro que este maluco rapaz de 26 anos, pensando que seria impossível conseguir uma entrevista para o jornal com clientes ou “benzedora”, resolveu actuar. Como fazer? Ora pois, isso mesmo: Ir solicitar uma “consulta” à prendada senhora...
Pensei no assunto e de imediato pu-lo em prática tendo o cuidado de tudo fazer com o maior sigilo para que a senhora, com a inesperada chegada da minha pessoa nada soubesse (só me esqueci – não há crime perfeito… - que as vizinhas dela conheciam-me e aconteceu que uma delas, enquanto eu estava na “consulta”, abeirou-se do João da Cruz Galucho – meu saudoso companheiro desta aventura! – que estava sorrateiramente dentro do meu automóvel com a missão de tirar fotos “à sucapa” – e interpelou-o “Que veio ele aqui fazer? Ele não é destas coisas… Veio para fazer barulho!...” Mas felizmente não passou disto e não lhe deu para ir interromper a “sessão” o que daria uma bronca bem complicada…
Pois então muni-me de um velho e pesado gravador portátil (no tempo não havia coisa mais pequena…) que tinha comprado cinco anos antes com o dinheirito que recebi da mobilização para a guerra (recebíamos assim como que um rebuçadito…) meti-o dentro de um velha pasta de cabedal do meu pai (pode ver-se na foto) e, depois de convencer o saudoso amigo João da Cruz e instruí-lo sobre o funcionamento da velhinha kodak, pedi-lhe que nunca saísse do carro e, dali, sem ser visto, captasse o que pudesse, se possível eu com a senhora, que atrairia para perto da viatura.
Não vou aqui descrever detalhadamente toda a sessão que me impressionou fortemente e me fez interrogar de como era possível alguém acreditar numa pobre daquelas, mulher profundamente inculta – rústica, analfabeta! – num português absolutamente arcaico e primitivo e, muito, muito ignorante.
Para que o meu trabalho produzisse o efeito que pretendia – escândalo e como que um choque nas pessoas que acreditavam naquilo – eu teria que apresentar á bruxa elementos falsos, para provar que ela não possuía qualquer dom fora do comum… Assim, para além de lhe fornecer um nome falso, disse-lhe que era Caixeiro Viajante, que era casado e que me dava muito mal com a minha mulher. Tudo ao contrário da realidade da minha vida e que as pessoas bem conheciam.
Jamais me esquecerei daquela cena! Sentado numa cadeira, com a pasta com o gravador no colo, uma mesa com velas acesas e cheia de fotos de homens, mulheres, crianças e sobretudo militares de camuflado vestido (no tribunal depois veria também alguns frascos com sapos, rãs, cobras, etc. mas ali não me recordo de os ter visto…), 2 ou 3 crianças de 6,7 anos a assistirem, ela com um prato com água onde deixava cair umas gotas de azeite e depois fazia a sua análise ao comportamento do azeite na água…
Rezava uns “Pai Nosso” e umas “Avé Maria” e dizia que o meu azeite se “escangalhava” todo e acabou por me “receitar”, coisa que logo me forneceu, um “pó d’atrair”. Isto mesmo: A senhora receitou-me “pó d’atrair” que deveria colocar aos pouquinhos debaixo do travesseiro na cama, espalhar também um pouquinho pelos lençóis e, em viagem, se escrevesse à esposa, deveria meter também dentro do envelope…
Depois da aventura e de imediato, logo ali a 500 metros parei o carro para comprovar se o gravador tinha gravado e, tinha. Saltei de entusiasmo e só não sabia se as fotos do João estariam bem, coisa que só se saberia depois da revelação (o digital nem se sonhava com ele…).
Depois, depois foi a bronca quando a reportagem saiu no “Jornal da Chamusca”! Algumas pessoas sentiram-se atraiçoadas, outras gozadas e, muitas, ofendidas. Essa não era a minha intenção, devo confessar, porque só pretendi demonstrar que tudo aquilo era uma trapalhada sem jeito, uma falta de cultura e até mesmo uma vigarice.
O jornal foi queimado na praça pública - imagine-se a cena!... - e o pobre do João da Cruz ainda sofreu algumas ofensas e numa das vezes teve de bater em retirada para não sofrer as consequências... Devo todavia confessar que a mim e a minha família nada nos aconteceu e ninguém me abordou fosse como fosse. Só fui a tribunal...
Passados uns dias da bronca sair no jornal, recebi uma convocatória e fui ao Tribunal da Golegã. Já lá tinham todos os objectos que a bruxa tinha para as suas práticas – foi lá que vi os tais frascos com os animaizinhos dentro – e limitei-me a confirmar a autoria da totalidade da reportagem e mandaram-me embora.
Da bruxa saberia posteriormente que foi convidada pelas autoridades a desaparecer dali e, possivelmente, deve ter montado “banca” noutra zona…
Agora que se completam 40 anos sobre esta aventura – foi uma aventura e não foi pequena!… - registo aqui a efeméride que na data provocou grande bronca na região.
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