terça-feira, 27 de outubro de 2020

GUERRA COLONIAL - O ISOLAMENTO

Na sequência das toscas crónicas que venho alinhavando neste blogue sobre as experiências e vivências observadas e sentidas na guerra colonial que vivi, resolvo abordar desta vez o tema do isolamento sofrido por muitos militares em tão distantes e inóspitas paragens e que, segundo me parece, tem sido algo secundarizado quando se fala nas consequências psicológicas resultantes da participação na guerra, nomeadamente no tão falado “stress pós-traumático” e, todavia, segundo o meu ponto de vista que é fruto da experiência vivida e sentida, o mesmo talvez seja necessário considerar em dose, se não muito elevada, pelo menos considerável.

Pessoalmente não senti, nem proximamente nem mesmo distante no tempo essas consequências que muitos dos meus antigos camaradas participantes na guerra experimentaram e mesmo hoje ainda sentem nalguns casos demasiado evidentes, mas sei de alguns que, não o sofrendo em dose elevada, mesmo assim todos os dias, ainda agora, passados tantos anos, têm de falar na guerra e nos diversos episódios vividos e sentidos. Inadvertidamente, as suas conversas sempre resvalam para uma ou outra situação vivida na sua comissão de serviço...

Não sofri, nem felizmente sofro dessas perturbações mas recordo-me de um susto que senti dias após o regresso à minha aldeia quando, sentado à lareira, que tinha em aquecimento uma panela de ferro com água, a minha mãe destapando-a e os pingos da tampa caindo nas cinzas do borralho provocando o inevitável som “puf!, puf!” eu, que estava meio absorvido em qualquer pensamento, escutando os ditos cujos como “tau!, tau!” e, “ouvindo” o som de uma arma automática a disparar, dei um salto no banco onde me sentava. À interrogação/surpresa de minha mãe: “O que foi?...”, respondi-lhe de imediato, desvalorizando: “Nada! Nada!”.

E, também bem me lembro quando, mesmo depois de regressar e durante muitos e muitos meses, todas as noites – todas a noites! - sonhava com a guerra… Anos, diariamente, a ter sonhos relacionados com aqueles maus dias vividos, até que, sem que me apercebesse, assim tivesse deixasse de sonhar. Um dia, um belo dia, lembrei-me que tinham terminado esses sonhos de guerra... Porquê, não sei mas... talvez porque, como diz o nosso povo: “o tempo tudo cura”…

Todavia, o nosso isolamento naquelas terras “no cú de Judas”, vizinhas das denominadas “Terras do Fim do Mundo”, junto à fronteira com a Zâmbia – na ida demoramos uma semana inteira a fazer a deslocação de Luanda até ao destino! -, foi mesmo mais sentido nesse primeiro ano que ali permanecemos do que no tempo restante, já que, na segunda metade da comissão, instalados a cerca de uma centena de kms da capital angolana, com estadia em várias fazendas (de cana de açúcar, de bananas, de palmares, etc) e viagens frequentes a Luanda, o isolamento foi muito menos experimentado.

Mas, no Leste, durante 14 meses, esse grande isolamento aconteceu mesmo e todos o tentamos evitar usando as mais diversas distracções como desporto, música, leituras, escrita, etc.. Nada dado a música, (de ouvido que nem calhau…) pratiquei algum desporto (futebol e voleibol) e, sobretudo, para além da leitura (familiares e amigos enviavam-me alguns jornais e revistas), a escrita para muitos saudosos correspondentes na então chamada Metrópole, ocupava-me bastante tempo. Eram tantos os correspondentes que criei uma lista (cuja imagem aí deixo, onde falta a referência ao meu pai por me escrever amiudadas vezes), prática, eficiente e fácil, com uns símbolos que colocava à frente do respectivo nome e, assim, numa rápida observação, via se lhe devia carta ou aerograma (fica também a imagem deste famoso meio de comunicação escrita) ou se aguardava resposta do respectivo amigo… (Na época tirei a foto que aí deixo com a chegada de uma pequena aeronave que regularmente nos levava os sacos do correio naquelas distantes paragens.)

Ah, ainda sobre a lista adoptada com o rol dos correspondentes, devo referir que para as namoradas – que também me ocuparam algum tempo (perdido – infelizmente!… -  nos primeiros meses mas… isso são contas de outro rosário...), como é óbvio essas anotações não eram necessárias…

Mas – há sempre um “mas”… -. se é verdade que o isolamento a que fui sujeito não me provocou perturbações de maior, outro tanto não posso dizer de uma outra faceta experimentada com esse afastamento da civilização… Refiro-me à saudade imensa que, ao longo dos meses fui sentindo, de ver, de ver uma mulher… branca... Aconteceu de facto e, sem que isso tenha minimamente que ver com qualquer espécie de racismo, xenofobia, ou algo semelhante, num sentimento que não experimento na minha maneira de encarar o mundo que me rodeia, francamente. Mas que também não sei bem explicar, também confesso. Mas, racismo, não! Francamente. 

A falta registada por estar durante tanto tempo sem olhar as feições, o físico, a beleza, o riso de uma mulher branca, mexeu com a minha “caixinha dos pirolitos”, de verdade.

Em Lumbala, só me recordo de, branca, ver uma ou duas vezes, porque poucas vezes saía de casa, a esposa, baixinha e magrinha, do Chefe de Posto local e, no Chilombo. de mulher branca, só tinha a companheira do pequeno comerciante local que, certamente existia, mas de quem nem já me recordo…

Rapaz novo, saudável, ágil, de sangue na guelra – tinha na época 23 anos! - “artista” que sempre apreciou sobremaneira o sexo oposto, admirou e alimentou o olhar e o espírito com a beleza ímpar e gostosa das beldades desse seu tempo, passar meses e meses sem ver uma “branca”, foi por demais complicado.

Tão complicado que, quando, 10 meses passados no mato, este rapaz vai de férias a Luanda e, na sua primeira paragem o voo do “Noratlas” aterra no Luso, a 1º cidade da rota e o nosso jovem percorre a pé uma das suas ruas, vislumbra pela sua ampla montra, dentro de uma livraria, uma jovem moça branca – branquinha! Linda!- que, nas suas estantes arrumava uns livros ou coisa no género, o sôfrego e “castrado” moço pousa os cotovelos no varão que no exterior protege o grande vidro da montra, fica especado de “lanternas” fixas nas curvas da jovem moça, na face bonita, nos  cuidados e bonitos cabelos loiros e, ficando assim abstrato de tudo, de tudo e de todos à sua volta, deliciando-se com a "paisagem", só alguns bons e largos momentos passados “acorda” dessa sua “hipnose”, interrogando-se meio “zonzo” do "totiço": “É pá! Que se passa contigo, Victor?”…

Eh..., aconteceu mesmo assim, numa estranha situação que ainda hoje, tantos anos passados, está bem viva na minha memória. 

Danada de guerra!... 


quarta-feira, 14 de outubro de 2020

VINTE ANOS PASSADOS, OUTRAS CATARATAS...


Pois é… depois de há 20 anos – completam-se mais exactamente no próximo domingo, 18 – ter visitado com prazer e algum espanto as Cataratas Submersas no Rio Nilo, de que deixo aí foto ao lado, eis que, ontem, sou confrontado com as consequências de umas outras, bem mais inconvenientes e chatas, porque nas minhas duas “lanternas” faciais…

Há já mais de um ano que os médicos haviam alertado para inevitabilidade da sua remoção mas, a velha “istória” do “deixa andar”, do “pode ser que não seja bem assim”, fez com que a intervenção se tornasse inevitável face à muita deterioração da visão e, ontem, a operação aconteceu mesmo no Hospital da Luz (Oeiras). 

Entre os preparativos e a cirurgia, que me parece já corriqueira e algo fácil para os especialistas – os que, como sempre digo, merecem na realidade ser considerados de “doutores”, porque nos cuidam e curam das maleitas e tantas vezes nos salvam as vidas! - e demorou coisa e uma horita.

Para além da remoção da catarata foi-me implantada um lente intraocular, idêntica à da imagem ao lado e as dores da cirurgia foram nulas, ou quase.

E a verdade é que, chegado a casa e retirado o penso que me tornava um sósia de Camões, fiquei verdadeiramente pasmado com o resultado obtido: via espantosamente bem do olho esquerdo operado! Tudo claríssimo, tudo incrivelmente branco e os objectos de formas definidas como, francamente, nunca me lembro de ter visto.

Fiquei parvo com os resultados obtidos e não imaginava que o mundo fosse assim, de formas tão definidas, coloridas e fantásticamente luminoso. Lindo! Lindo!

Mas há um senão… Um senão e nada pequeno: prevejo que vou ter séria confusão na minha “caixinha dos pirolitos” durante o período que mediará esta cirurgia e a próxima ao outro olho  daqui a um mês. Vou andar com a cabeça à roda. Vou, vou...

Verdade que a jovem médica (Mafalda Mota), por sinal bem simpática e comunicativa, já me tinha prevenido que isso aconteceria mas, uma coisa é sabermos e, outra, bem mais desagradável, é sentirmos.

Será um mês bem complicado para o meu “computador craniano”, tanto mais que a minha falta de visão já obrigava ao uso de lentes de graduação elevada e, assim, o problema certamente sentir-se-á em dose maior, mas terei de me adaptar e, tentando contornar a situação o melhor que possa, atingir a desejada data da nova operação – então ao olho direito – com os mínimos inconvenientes que me for possível.

Mas a coisa não vai ser muito fácil e agradável…

Não, não...

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

AGORA NO ALENTEJO, NOVO ENCONTRO DOS VELHOTES...


Na verdade, quando em 2013, no encontro com os velhos amigos de infância, Tó e Zé Manel, ouvi este último falar de um herdade da família no Alentejo eu logo “lancei a escada” para que ele me conseguisse uma pescaria aos achigãs nas represas que eventualmente a propriedade tivesse  e tinha natural esperança que tal fosse possível, ficando à espera que o velho amigo me abordasse para a sua concretização.

Os anos foram passando, ia-me lembrando da situação mas, por uma questão de educação, jamais questionaria o Zé Manel porque não queria que me considerasse atrevido, se não mesmo descarado. 

Não fui nem o sou de todo e, assim, foi com redobrado prazer que dias atrás recebi do meu amigo a abordagem e o contacto esperado para avançarmos para a falada pescaria a que acrescentava também o almoço nas instalações da propriedade. Esta última proposta é que me deixou algo “sem jeito” porque, quando pedi a realização da pescaria, jamais queria incomodar quem quer que fosse e muito menos com a oferta da refeição. Tentei demover o Zé dessa intenção mas não consegui, tanto mais porque já havia decidido isso com a esposa. Foi acertada a data e o nosso desejado encontro e pescaria aconteceu hoje na herdade situada ali juntinho a Vendas Novas.

Foi também, claro, o Tó, velho companheiro de aventuras infantis que se fez acompanhar da esposa Ercília e, assim, à mesa do almoço com a Drª Graça, esposa do Zé Manel, ficou o ambiente bem mais leve, agradável e, evidente, bem mais bonito.

Saí de casa pelas 6,30 horas, ainda o dia estava a nascer e, passando pelo Carregado para tomada do meu cunhado Gilberto, que fez-me companhia, avançamos estrada fora na direcção do Alentejo.

Lá chegados, junto ao portão da herdade aguardava-nos pelas 8 horas o diligente amigo Zé Manel e, feitos os naturais cumprimentos – agora ligeiros, por causa do “bicho”…  - iniciamos a pescaria em 2 das 3 represas e, aí, nos seus desejados e esperados bons resultados que ansiávamos, é que a coisa falhou… Os achigãs não marcaram presença, os danados...

A excepção deu-se comigo que consegui a ferragem de um pequeno rapazinho, coisita aí com menos de ¼ de kg mas que, confesso, me surpreendeu pelo aspecto branco/acinzentado que logo relacionei com o fundo arenoso da represa. Muito branquinho o amigo achigã. Uma represa bem bonita, ainda com bastante água, em vista parcial a imagem que aí deixo.
 
Os restantes companheiros pescadores, Gilberto e Tó – aprendizes os rapazes… ihih – carregaram a “grade” para casa. Mas um deles ainda fez questão de, atrevidamente se fazer fotografar com o troféu, coisa que o grande pescador, que nem eu, minimamente se importou... Como é bem evidente, têm de aprender muito com o craque… ihih

Seguiu-se o almocinho e o convívio, em que recordamos mais um pouco da nossa infância no Bairro do Restelo (onde não faltou a lembrança do triste episódio quando, crianças de 12/13 anos, de calções e meinhas brancas, eu e o Tó fomos detidos na esquadra de Pedrouços, tidos como malfeitores, ladrões de carros, situação que conto aí no blogue noutra crónica e, entre outras recordações, lembramos também a velha, pequena, corcunda e sempre muito irada avó deles dois, a sua incrível tosse e as guerras por demais assanhadas que mantinha a toda a hora com a filha Ricardina, minha madrinha).

O nosso anfitrião ainda teve a amabilidade de nos oferecer mais uma viagem pela herdade e ainda pescamos – ou fizemos por isso, porque nada “deu” de interesse piscatório… - numa 3ª grande e bonita represa e regressamos ao cair da tarde a nossas casas.

É verdade que a pescaria foi fraquíssima, se não mesmo quase nula, mas ficou a bonita e gostosa jornada de convívio e confraternização de amigos, velhos e sinceros, num ambiente saudável e gratificante.

E, sobre os achigãs, paciência… Ficarão a crescer para premiar quem os ferre numa próxima…

NOTA – Para memória futura ficam as imagens dos 3 velhotes; de uma das represas e ainda do craque mais velho, concentrado na sua pesquinha.