Na sequência das toscas crónicas que venho alinhavando neste blogue sobre as experiências e vivências observadas e sentidas na guerra colonial que vivi, resolvo abordar desta vez o tema do isolamento sofrido por muitos militares em tão distantes e inóspitas paragens e que, segundo me parece, tem sido algo secundarizado quando se fala nas consequências psicológicas resultantes da participação na guerra, nomeadamente no tão falado “stress pós-traumático” e, todavia, segundo o meu ponto de vista que é fruto da experiência vivida e sentida, o mesmo talvez seja necessário considerar em dose, se não muito elevada, pelo menos considerável.
Não sofri, nem felizmente sofro dessas perturbações mas recordo-me de um susto que senti dias após o regresso à minha aldeia quando, sentado à lareira, que tinha em aquecimento uma panela de ferro com água, a minha mãe destapando-a e os pingos da tampa caindo nas cinzas do borralho provocando o inevitável som “puf!, puf!” eu, que estava meio absorvido em qualquer pensamento, escutando os ditos cujos como “tau!, tau!” e, “ouvindo” o som de uma arma automática a disparar, dei um salto no banco onde me sentava. À interrogação/surpresa de minha mãe: “O que foi?...”, respondi-lhe de imediato, desvalorizando: “Nada! Nada!”.
Todavia, o nosso isolamento naquelas terras “no cú de Judas”, vizinhas das denominadas “Terras do Fim do Mundo”, junto à fronteira com a Zâmbia – na ida demoramos uma semana inteira a fazer a deslocação de Luanda até ao destino! -, foi mesmo mais sentido nesse primeiro ano que ali permanecemos do que no tempo restante, já que, na segunda metade da comissão, instalados a cerca de uma centena de kms da capital angolana, com estadia em várias fazendas (de cana de açúcar, de bananas, de palmares, etc) e viagens frequentes a Luanda, o isolamento foi muito menos experimentado.
Mas, no Leste, durante 14 meses, esse grande isolamento aconteceu mesmo e todos o tentamos evitar usando as mais diversas distracções como desporto, música, leituras, escrita, etc.. Nada dado a música, (de ouvido que nem calhau…) pratiquei algum desporto (futebol e voleibol) e, sobretudo, para além da leitura (familiares e amigos enviavam-me alguns jornais e revistas), a escrita para muitos saudosos correspondentes na então chamada Metrópole, ocupava-me bastante tempo. Eram tantos os correspondentes que criei uma lista (cuja imagem aí deixo, onde falta a referência ao meu pai por me escrever amiudadas vezes), prática, eficiente e fácil, com uns símbolos que colocava à frente do respectivo nome e, assim, numa rápida observação, via se lhe devia carta ou aerograma (fica também a imagem deste famoso meio de comunicação escrita) ou se aguardava resposta do respectivo amigo… (Na época tirei a foto que aí deixo com a chegada de uma pequena aeronave que regularmente nos levava os sacos do correio naquelas distantes paragens.)
Mas – há sempre um “mas”… -. se é verdade que o isolamento a que fui sujeito não me provocou perturbações de maior, outro tanto não posso dizer de uma outra faceta experimentada com esse afastamento da civilização… Refiro-me à saudade imensa que, ao longo dos meses fui sentindo, de ver, de ver uma mulher… branca... Aconteceu de facto e, sem que isso tenha minimamente que ver com qualquer espécie de racismo, xenofobia, ou algo semelhante, num sentimento que não experimento na minha maneira de encarar o mundo que me rodeia, francamente. Mas que também não sei bem explicar, também confesso. Mas, racismo, não! Francamente.
A falta registada por estar durante tanto tempo sem olhar as feições, o físico, a beleza, o riso de uma mulher branca, mexeu com a minha “caixinha dos pirolitos”, de verdade.
Em Lumbala, só me recordo de, branca, ver uma ou duas vezes, porque poucas vezes saía de casa, a esposa, baixinha e magrinha, do Chefe de Posto local e, no Chilombo. de mulher branca, só tinha a companheira do pequeno comerciante local que, certamente existia, mas de quem nem já me recordo…
Rapaz novo, saudável, ágil, de sangue na guelra – tinha na época 23 anos! - “artista” que sempre apreciou sobremaneira o sexo oposto, admirou e alimentou o olhar e o espírito com a beleza ímpar e gostosa das beldades desse seu tempo, passar meses e meses sem ver uma “branca”, foi por demais complicado.
Tão complicado que, quando, 10 meses passados no mato, este rapaz vai de férias a Luanda e, na sua primeira paragem o voo do “Noratlas” aterra no Luso, a 1º cidade da rota e o nosso jovem percorre a pé uma das suas ruas, vislumbra pela sua ampla montra, dentro de uma livraria, uma jovem moça branca – branquinha! Linda!- que, nas suas estantes arrumava uns livros ou coisa no género, o sôfrego e “castrado” moço pousa os cotovelos no varão que no exterior protege o grande vidro da montra, fica especado de “lanternas” fixas nas curvas da jovem moça, na face bonita, nos cuidados e bonitos cabelos loiros e, ficando assim abstrato de tudo, de tudo e de todos à sua volta, deliciando-se com a "paisagem", só alguns bons e largos momentos passados “acorda” dessa sua “hipnose”, interrogando-se meio “zonzo” do "totiço": “É pá! Que se passa contigo, Victor?”…
Eh..., aconteceu mesmo assim, numa estranha situação que ainda hoje, tantos anos passados, está bem viva na minha memória.
Danada de guerra!...