No Carnaval inevitável se torna a este escriba lembrar-se do saudoso vizinho e amigo Mestre Arlindo Texugo, tempos recuados alfaiate de profissão no Chouto, sua aldeia natal, onde chegou, vindo da freguesia vizinha de Vale de Cavalos (Chamusca) por volta do ano de 1940 e já aqui lembrado em anterior crónica.
Homem bom, sempre bem disposto, afável e amigo de tudo e de todos, não obstante a vida dolorosa de muitos achaques físicos e que, na verdade, foi bem difícil se não mesmo madrasta, o sr. Arlindo, como era tratado na época, vivia em permanente bom humor e, chegado o Carnaval, era inevitável que teria de arranjar forma de, sozinho ou acompanhado, viver a quadra com alegria, proporcionando aos que o cercavam momentos hilariantes e saudáveis de humor e alegria.
Uma situação criada por Mestre Arlindo, aí por volta dos anos 60 do século passado, teria então o nosso amigo os seus 50 anos e que ficou na memória do autor destas linhas, foi vivida pelo Arlindo e pelo igualmente seu colega de profissão e ex-aprendiz Acácio Varela e então já estabelecido, também ele pessoa bem humorada, extremamente educada e amiga do seu amigo e que fazia com Arlindo uma parceria belíssima em cenas de “partidinhas” de Carnaval e alegria.
E, naquele já distante ano da década de 60, de que brincadeira se haveria de lembrar a nossa parelha de bons malandros?
Sem que se conheça a autoria do criativo brincalhão, foi construido em madeira um carrinho de bebé onde Arlindo, porque de físico mais reduzido que Acácio se meteu vestidinho a rigor como se criancinha fosse, onde nem a toca, de muitos folhos faltava e que, de chucha na boca, “chorava” que nem bebé contrariado e travesso. Conduzia e empurrava o carrinho Acácio, “criada”, igualmente trajando a rigor, de saia, avental, salto alto e onde também não era esquecida a toca de ama de companhia.
A “criada” convidava as pessoas a abeirassem-se e conhecerem a pequena criancinha e sugeria mesmo ao curioso ou curiosa visitante que levantasse a roupinha que cobria o bebé para testemunhar, vendo a pilinha, como era menino…
Curioso, o incauto levantava o cobertor e, aí, a chorosa criança tinha entre as pernas uma bisnaga de borracha com água que, apertada, esguichava e encharcava a cara do curioso intruso.
Era a inevitável risada!... A inevitável risada e o ficar na memória de divertimento são e cavalheiro dos nossos brincalhões Arlindo e Acácio.
Mas as “travessuras” carnavalescas de Mestre Arlindo não se ficavam por aqui não e, ficou para sempre na lembrança deste escriba, uma outra em que ele procurava usar a ingenuidade das incautas crianças que todos os dias brincavam em grande algazarra, alegres e felizes, no largo fronteiro à sua casa/alfaiataria para criar uma situação assaz hilariante e inofensiva…
Mestre Arlindo, debaixo dos ralhos e reprimendas da sua boa e saudosa Rosa, de voz doce e amiga, companheira de toda a vida, embrulhava cuidadosamente um pesado tijolo em rijo papel e, chegando à porta, olhava a criançada na rua e, de boa lembrança deste escriba, chamou numa das ocasiões o pequeno loirito e inocente filho da então Regente Escolar, recém chegada à aldeia:
- Franklin? Oh Franklin, fazes um favor ao sr. Arlindo?
- Sim! - respondia de imediato o incauto miúdo.
- Levas esta encomenda ao sr. “Joaquim Alfaiate”, que precisa dela? É a pedra de afiar as agulhas.
Inocente e bem mandada a criança içava o pesado embrulho até cima e, suportando nos frágeis ombritos a incomoda encomenda, aí seguia lesta e obediente até à alfaiataria de Joaquim, distante da de Arlindo aí coisa de 200 metros, noutra rua da aldeia.
É então que, chegado a “Joaquim Alfaiate”, certamente cansadito e farto de carregar o embrulho aos ombros, ouvia deste:
- Oh Franklin, leva por favor de novo ao sr. Arlindo a pedra de afiar as agulhas porque eu afinal já afiei as minhas.
E lá voltava a inocente criancinha até à alfaiataria do Sr. Arlindo devolvendo-lhe a “encomenda” perante o riso contido do malandreco Arlindo, debaixo da condenação da doce Rosa...
Coisas… Coisas inofensivas, de humor eventualmente fácil mas talvez inteligente e benéfico, que ajudou a criar e formar a juventude de outros tempos...
Sem maldades.
Sem astúcia e artimanhas.
O “mundo” que nos criou.
O Mundo de então…
NOTA – Acompanham estas linhas uma foto de Mestre Arlindo, talvez do ano de 1943 (a única que o autor possui em arquivo) e uma outra (de 1993) de Dª Rosa, a fiel e doce companheira de sempre do saudoso brincalhão, vizinho e amigo.
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