Na verdade, sempre que anualmente atingimos o dia 11 de Outubro, inevitavelmente vem-me à memória a mesma data de calendário mas do ano de 1967, dia em que, mobilizado, me meteram num barco (Paquete Niassa) atracado no Cais de Santa Apolónia, em Lisboa, com destino a Angola para aí ir fazer a guerra.
Denominava-se então pomposamente de “mobilização” o acto forçado de irmos combater e, para o caso de não gostarmos do “convite”, só tínhamos a fuga para o estrangeiro como alternativa... E ainda houve muitos que, durante os 13 anos que duraram as guerras em Angola, Guiné e Moçambique, optaram por essa dolorosa alternativa.
A viagem até Luanda, com duração de 11 dias, correu muito bem para os graduados (oficiais e sargentos) alojados em 1ª Classe e Turística respectivamente e tomando as refeições de optima qualidade no excelente restaurante do paquete. Eu (furriel) viajei numa cabina com mais 3 meus camaradas de igual graduação. 1 beliche de 2 camas de cada lado, corredor ao meio e sanitários ao fundo. Os oficiais, porque em 1ª Classe, talvez tivessem mais um pouco de comodidade mas pouco mais seria, penso... Juntávamo-nos e comíamos por igual no mesmo restaurante.
Mas, se nós graduados, viajávamos assim bem instalados e com boa comida, outro tanto não se passava com os pobres soldados que, dormindo em beliches encavalitados uns em cima dos outros nos fundos porões do barco, só viam luz e sol e respiravam algum ar pela abertura existente no seu centro e por onde habitualmente se fariam as cargas e descargas do paquete. Positivamente e na verdadeira acepção da palavra, os nossos soldados viajavam que… nem gado.
A ementa do jantar de despedida no Niassa |
Mas, se isto já era horrível, o cenário ainda se agravou e complicou muito mais quando os nossos pobres soldados, aí pelo meio do viagem, sofreram uma... intoxicação alimentar. Então, foi o caos absoluto! Naquelas condições higiénicas era impossível e desumano ter rapazes ali a rebolarem-se com dores, a vomitarem e a gemerem e até gritarem de aflição e então os responsáveis autorizaram que os pobres-coitados avançassem para as classe 1ª e Turística e, no chão dos corredores, se deitassem tentando aliviar a forte indisposição e os vómitos. Foi o caos completo com os corredores pejados de rapazes que, sem se poderem conter, urinavam, defecavam, vomitavam! Horrível!
O caso foi tão grave e alarmante que os responsáveis chegaram a ponderar alterar e desviar a rota do paquete e atracar na Guine para que em terra se debelasse a situação. Mas, acabou por não ser necessário. Após 2 ou 3 dias em que os soldados estiveram mal, ou por um ou outro comprimido tomado, ou for força da sua juventude e da sua constituição física, robusta e saudável, começaram a registar melhorias de saúde e logo se recompuseram. Felizmente!
Mas foi aflitivo, deveras!
Aflitivo e até revoltante porque, à boa maneira daqueles tempos, o Comando das tropas informou as mesmas que a indisposição resultou da... “travessia da linha do Equador” associada às altas temperaturas que se registavam naqueles dias... Assim mesmo. E comunicaram isso sem rirem… Lembro-me que nós, graduados, rijos e valentes sorrimos… para dentro...
Enfim… coisas daqueles tempos.
E a 22, passados dez dias no mar, lá atracamos em Luanda a que, no caso do meu Batalhão, se somou mais uma semana de camioneta de carga, de novo que nem gado, comboio e novamente camioneta, até atingirmos Cazombo e depois Lumbala no leste angolano, bem juntinho à fronteira com a então Rodésia, hoje Zambia.
E hoje por aqui me fico neste rememorar de um velho e árduo passado naquela malfadada guerra forçada.
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