Grande apaixonado por tudo o que é comunicação social – comecei a escrever, ou melhor, a fazer “arremedos" de notícias relativas à minha terra, tinha os meus verdinhos 15 anos de idade – um dia sonhei e decidi tentar a possibilidade de entrar na rádio como locutor.
Porque tinha receio que as pessoas à minha volta considerassem demasiada presunção aquela ambição, não disse nada a ninguém e tratei de tudo no maior dos sigilos. Ainda hoje muito poucas pessoas do meu relacionamento conhecerão esta faceta da minha vida… Sé é que as há...
Entrei então em contacto com a Rádio Ribatejo que, a par da oficial Emissora Nacional, era na época a estação mais ouvida na região e foi marcada a prestação da necessária prova.
No dia aprazado, vestido com o habitual fatinho e gravata que, com os meus 21 anos sempre usava na época (era empregado de escritório na Fábrica de Papel de Ulme) e pedida aí a dispensa de trabalho usando uma qualquer mentira, saí de casa no Chouto sem contar nadinha à família e, montado na frágil motoreta que usava para me deslocar (nas subidas mais acentuadas, para vencer o percurso, tinha de a auxiliar com os pedais!...) avancei para Santarém que dista cerca de 40 kms.
Lembro-me que atravessavamos o Outono e o dia estava meio encoberto mas sem prometer chuva mas, aí tive logo uma má surpresa: a meio do trajecto, talvez por volta de Vale de Cavalos, largou-se mesmo a chover. Uma danada de uma chuva miudinha (a “molha-tolos”) e recordo-me que na Estrada do Campo, entre Alpiarça e a Tapada, tive mesmo que encostar e abrigar-me debaixo da copa de uma árvore. Mas eu tinha hora marcada para a entrevista/prova e tive mesmo de avançar à chuva para Santarém…
Cheguei junto aos estúdios da Rádio Ribatejo, que funcionavam numa avenida que dá acesso às Portas do Sol, que nem um pintainho saído de um lago…
Deixei a motoreta no passeio em frente (na época ninguém roubava nada!) e segui para a prova.
Fui recebido pelo Capitão Jaime Varela Santos, pessoa muito educada e cavalheira, que foi o fundador e era o corpo e a alma da Rádio Ribatejo na altura. Pedi-lhe desculpa pelo meu deplorável aspecto que ele bem entendeu e relevou.
Avançamos então para a prova conduzida por ele próprio. Lembro-me que consistiu na leitura de texto/noticiário feito em português, francês e inglês e também na leitura de um ou dois anúncios. Por fim seguiu-se uma entrevista, feita por ele, que envolvia assuntos de cultura geral e regional.
Terminada a minha prestação, ouvi com agrado o veredito do capº Varela Santos:
- Esteve bem e quero que volte. A sua voz é modelável.(Naquele tempo dava-se muito importância à voz, ao seu timbre, à sua colocação. Hoje, até já ouvimos e vemos gagos a fazer apresentações de programas na rádio e na televisão…)
- A sua voz é modelável.
Falou assim o capº., usando exactamente esta expressão que jamais esqueci e que me deixou feliz até mais não.
Bom, mas depois aconteceu que, nas curvas da vida, tudo se foi…
Dois meses passados sobre esta carta assentei praça, na tropa, claro, nas Caldas da Rainha porque, por azar, puseram-me em Infantaria. Se me tivessem dado Cavalaria estaria aqui um locutor… Assentaria praça em Santarém e a minha frequência/formação de rádio seria certamente uma realidade.
Mas o que aconteceu foi bem mais diferente: Depois de Caldas, Tavira e depois, durante mais ano e meio até embarcar para a guerra, estive colocado em Abrantes.
50 anos atrás, sem as facilidades de transporte, estradas e comunicações que hoje temos e passados quase 4 anos da tropa, com namoro, casamento e residência em Lisboa, esfumou-se todo o projecto e morreu o locutor. Que, na verdade, nem chegou a nascer...
Hoje sinto pena e reconheço que, avançando nele, teria vivido uma vida totalmente diferente da que vivi mas, em boa verdade, teria feito na vida o que sempre gostei e me apaixonou e apaixona ainda hoje: a comunicação social a rádio e a tv (e agora a net) mas, também muito a escrita, os jornais, as revistas, os livros.
Teria de certeza sido uma vida muito e muito diferente da vivida mas, nas encruzilhadas das vidas, muitas vezes seguimos pelos caminhos que menos esperamos e queremos.
Foi o que me aconteceu.
E, agora já é tarde para recomeçar…
NOTA - Nas minhas velharias, para além da cópia da carta que anexo, ainda não encontrei qualquer outro documento ou registo que me fale desta prova para locutor, pelo que é o único que aqui posso deixar.
É uma cópia de uma carta que enviei ao Cap. Varela Santos de felicitações pela passagem do 15º aniversário da Rádio Ribatejo e onde faço alusão ao “meu grande desejo de iniciar a minha preparação para locutor”.
Enfim… as coisas que a gente sonha quando é jovem…
quarta-feira, 2 de agosto de 2017
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