Final do dia muito triste o de ontem com a bruta e fria
notícia da morte do prof. Mário Moniz Pereira.
É verdade que já tinha 95 anos de idade e também adivinhavamos
que a sua saúde seria algo precária mas, como sabemos, a morte de alguém que
estimamos sempre na hora nos surpreende.
Um homem íntegro e ímpar na vida e sobretudo no atletismo e
no desporto português, a ele ficamos a dever os vários campeões olímpicos e
mundiais que fabricou no seu Sporting e que doou ao nosso país com brilhantes e
inesquecíveis comportamentos em tantas provas nacionais e internacionais!
“Senhor atletismo” e “fazedor de campeões” lhe chamaram e,
em boa verdade, os títulos estão bem aplicados.
Saíram das suas mãos campeões de atletismo como Manuel de
Oliveira, Aniceto Simões, Armando Aldegalega, Carlos Lopes, Fernando Mamede, os
irmãos Castros e, tantos, tantos outros que não atingiram tal estrelado mas
tiveram comportamento brilhante nas pistas portuguesas e internacionais em
muitas e diversas ocasiões.
Para além disto o prof. Moniz Pereira foi um mestre de
elevadíssimo valor não só neste campo mas igualmente no campo musical. Criou
canções e musicas para Amália e muitos outros artistas nacionais que ainda hoje
são recordadas e famosas. Era, efectivamente, um homem de rara sensibilidade!
Mas tem uma faceta da vida deste nosso professor de que sou
testemunha e que aqui quero e devo registar por a mesma demonstrar bem a sua
integridade e a sua honestidade de procedimentos que sabemos ser de toda uma
vida que dedicou ao atletismo e ao Sporting Clube de Portugal. Acho que devo
contar, porque acho que é sempre bom sabermos e conhecermos com quem
convivemos.
Tentando ser conciso, conto, então:
Estavamos em 1984 no mês de Setembro e o país e naturalmente
o Sporting e Moniz Pereira ainda festejavam o saboroso e inédito triunfo de
Carlos Lopes na Maratona de Los Angeles no mês anterior. O ambiente era de
euforia e logicamente o Sporting tentava reforçar cada vez mais a sua hegemonia
nacional no confronto directo com o rival Benfica.
Na data eu tinha na Chamusca – e tenho ainda, felizmente! – um jovem
afilhado de 18 anos (a quem infelizmente nunca dispensei a atenção merecida… Mas
isso são contas doutro “rosário” pessoal que ele conhece bem e que um dia deverei
aqui abordar …) que se destacava com muito êxito no atletismo, primeiro como Juvenil e nessa
data já na categoria de Júnior, como Campeão Nacional em diversas categorias
que praticava. Mas o Vítor Malaquias, de seu nome, sobressaía sobretudo no
Salto em Altura, de que era Campeão Nacional no seu escalão!
Acontece então que o seu treinador, sendo benfiquista e
conhecendo o valor do atleta, o tenta colocar no clube do seu coração.
Eu sou alertado para a situação – já não me recordo bem por
quem… - e, de imediato, contacto o Vítor e o pai Chico Pedro com quem tinha e
tenho excelente relacionamento e falo-lhes na hipótese de ouvirmos o interesse
do nosso Sporting (eu sabia que tanto o Vítor quanto o pai eram grandes adeptos
do clube de Alvalade) na contratação do jovem Vítor.
Lembro-me que ficaram admirados com a minha sugestão –
talvez não acreditassem… - mas deram-me “carta-branca” para avançar.
Abordei então com brevidade o professor Moniz Pereira que
era a alma forte do atletismo leonino, numa abordagem que me foi fácil, não só
porque ele era pessoa extremamente afável e acessível, mas também porque lhe
falei da minha “costela” leonina por influência do meu padrinho António Cerqueira,
entretanto falecido, durante muitos anos dirigente da casa e também da minha
madrinha Ricardina que, na data, ainda era viva e por vezes frequentava Alvalade e que
ele bem conhecia. Isso também facilitou o contacto, acho…
O professor conhecia de nome, muito bem, o jovem Vítor
Malaquias e logo se manifestou interessado no contacto ficando ali acertado que,
para evitar mais deslocações do Vítor e do pai a Lisboa, no dia que
tivessem marcada a entrevista no Benfica, viriam um pouco mais cedo para Lisboa
e passariam por Alvalade para falarem com ele. E assim aconteceu…
No dia aprazado o Vítor, o pai Chico Pedro e eu estávamos à
porta do velhinho Estádio de Alvalade onde fomos recebidos muito bem pelo nosso
professor no seu gabinete.
A entrevista decorreu muito bem, como seria de esperar e
recordo-me que o que mais me admirou de imediato foi como Moniz Pereira
conhecia de memória, sem consultar qualquer apontamento, todas as marcas do
Vítor Malaquias nas diversas disciplinas de atletismo que praticava. Se a memória
não me falha, só tinha dúvida numa qualquer que pediu ao Vítor para o
esclarecer… Confesso que fiquei admirado!
O professor manifestou todo o interesse no ingresso do
atleta no Sporting, apresentou-lhe as condições que o clube lhe poderia
oferecer (pagamento de deslocações, alojamento e equipamentos e ainda um subsídio
que, todavia, que me lembre, não quantificou ali. Eu não me recordo que ele
tenha referido o seu valor… Um dia deste hei-de perguntar ao Vítor ou ao Chico…)
E que aconteceu depois? Bem, aí o meu maior espanto, num
espanto que atesta bem a honestidade de processos e o desportivismo de Moniz
Pereira, um verdadeiro senhor, com todas as letras!...
Quando seria de esperar que colocasse à frente do atleta e
do pai um contrato para assinarem (na época, a disputa e o “roubo” de atletas entre
Sporting e Benfica e vice- versa era o “pão nosso de cada dia”…) Moniz Pereira
remata assim:
“Ouviram as condições do Sporting. Vão à entrevista com o
Benfica, ouçam o que eles vos oferecem e depois façam a vossa opção. O Sporting
está interessado mas devem ouvir o Benfica porque a ele vêm destinados.”
Assim, desta maneira frontal, honesta e 100% desportiva,
procedeu o grande prof. Mário Moniz Pereira! Um grande senhor! Nunca mais esqueci esta sua decisão!
Resta acrescentar que o Vítor e o Chico foram à entrevista
no Benfica – eu aí já não os acompanhei, como é óbvio… - onde creio que também
esteve o seu treinador da Chamusca - e regressaram a Alvalade onde assinaram um
contrato e o campeão Vítor Malaquias passou a ser atleta do Sporting Clube de
Portugal!
(Para além da lógica imagem do já saudoso prof. Moniz
Pereira, deixo também uns recortes do “Jornal
da Chamusca” da época onde a notícia da transferência é dada em 1ª página e
onde Vítor Malaquias dá conta da minha influência no seu inesperado “desvio” da
Luz para Alvalade. Fiquei satisfeito e feliz com o sucesso da minha intervenção no caso, claro!
E não era de ficar?...)
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