Quis
o acaso que nestas andanças da net viesse a encontrar um velho companheiro de
estudo da então Escola Industrial e Comercial de Torres Novas e, conversa para
cá, conversa para lá, soube que ele tinha duas fotos daquele nosso período em
Torres Novas. Recebi-as ontem e considero-as duas pérolas muito especiais que
guardarei com particular carinho e que deixo aí com muito gosto num pequeno
trabalho que a propósito me apeteceu fazer.
Com
o Antero Bento, que me ofereceu as fotos e que morava na Carregueira e também
com o Inácio Salgado que, como eu, morava na Chamusca, fazíamos o trajecto de
bicicleta para Torres Novas ida e volta diariamente onde frequentávamos o
Ensino Secundário. Eram cerca de 40 kms diários (eu, aos fim de semana, ainda
tinha mais 40 por causa da ida e da volta ao Chouto…) e, tratando-se de um
esforço ainda considerável, suportávamo-lo mais ou menos com alguma facilidade
porque eramos rapazes novos e pouco nos custava. O mais complicado e, aí sim,
bem desagradável, acontecia no Outono e no Inverno com o frio e sobretudo com a
chuva. Aí, a coisa era bem aborrecida e, como o dinheirito dado pelo meu pai
para a “carreira”, como então chamávamos ao transporte de autocarro da então
empresa Claras, era sempre escasso, bastas vezes fiz a viagem ao frio e à chuva.
Uma mão no guiador da bicicleta e outra com o chapéu de chuva aberto a proteger
o corpo e muitos kms o Victor fez
debaixo de água e vento de e para Torres Novas! Muitos!
Outra
aborrecida complicação que sentíamos nessas viagens e de que me recordo
perfeitamente, acontecia quando se registavam cheias no Tejo e a estrada, junto
à Golegã, ficava submersa porque a cheia galgava o chamado Dique dos Vinte.
Fazíamos então esse trajecto de barco a remos com as bicicletas ao nosso lado
encostadas às laterais do barquito e nós, quase imóveis, sentadinhos em frágeis
tábuas no meio do barco. A viagem demorava cerca de meia hora porque o
barqueiro tinha de a fazer não em linda recta, por causa da corrente junto ao
dique, mas em meia-lua, mais ao largo, onde íamos contornando as copas das
árvores igualmente submersas pelas águas. Chegados ao outro extremo do Dique
dos Vinte era voltar a montar na bicicleta para chegar às aulas ou a casa.
Quanto
aos estudos, ou melhor, aos supostos estudos, devo confessar que fui sempre um
estudante de grau muito baixo e era muito mais um “passeador de livros”… Era. Era
isso, na verdade! Nunca fui um bom estudante, não gostava muito daquilo e
gostava muito mais das garotas… Dedicava-me muito mais a essa faceta, confesso e,
o estudo, era sempre o mínimo indispensável, quando não mesmo o obrigatório.
Fui um desastre completo nesse campo e, naturalmente, ao longo da vida, bem
disso me arrependi. Mas já era tarde…
E,
por falar em estudos, volto às fotos para terminar este apontamento para
referir que estas duas fotografias foram tiradas no ano lectivo de 1961/62 e,
seguramente, em dia que tínhamos aula com a professora Olga, uma terrível
mulher que, se fosse viva e professora, com toda a certeza, pelos métodos que usava, não leccionava. Disso não tenho a mínima dúvida. Vê-se aí que estamos vestidos com
casaco e gravata – dir-se-ia que estávamos num casamento… - e era assim que ela nos obrigava a frequentar
as suas aulas de Fisico-Quimica... Para
as aulas da Olga tinha de ser sempre com casaco e gravata! Na entrada para a
sala de aula ela punha-se à porta, obrigava-nos a entrar em fila indiana e, um
a um de cada vez, ela inspecionava-nos da cabeça aos pés. O problema maior era
sempre o casaco e a gravata. Sem essas duas peças da indumentária nem sequer
entravamos na sala de aula. Hoje é que ela devia fazer essa exigência...
A
Doutora Olga era absolutamente insuportável e até mesmo intratável, dava-se
muito pouco com a restante classe de professores e raramente frequentava a Sala
de Professores. O marido trazia-a do Entroncamento onde moravam, ela seguia
directamente para as aulas e depois levava-a de volta. Num ano lectivo, por
doença, faltou todo um período e não foi substituída e, no segundo e terceiro
período, deu todo o programa. Pode imaginar-se o que sofríamos para conseguir
assimilar aquilo… Os "pontos" dela – o que hoje se chamam testes – não eram
escritos em stencil e distribuídos aos alunos e aconteciam assim: A Olga começava a escrever as perguntas no
extremo superior do quadro preto na parede e ia escrevendo sem parar as
diversas perguntas até ao fundo do quadro e, quando aí chegava, voltava ao cimo,
apagava a 1ª pergunta e a 2ª e assim sucessivamente e continuava a escrever mais e mais
perguntas. Só parava quando o tempo da aula terminava e os alunos tinham de,
apressadamente, ler as perguntas e
responder por escrito. Se não sabiam à 1ª leitura dificilmente tinham tempo
para pensar e voltar atrás para responder melhor…
A
mim, essa sujeita, que já não deve ser viva, pôs-me a alcunha de “Pato Verde” –
eu tinha um casaquito e uma gravata verde e muitas vez os usava - e sempre por
essa alcunha me tratou e, no último ano, teve mesmo o descaramento de me
ameaçar que nunca me passaria em ano algum… Disse-me assim (guardo bem na
memória): “A ti, Pato Verde, nunca te passarei! Aqui tens-me no “Comércio” e, no
“Industrial” na Electricidade e, se fores para o Entroncamento também lá me
apanhas. Só tens uma forma de te livrares de mim: ficas aqui e inscreves-te na “Condição
Feminina”. Às meninas não dou aulas !...” (“Condição Feminina” era um curso de
frequência das miúdas…).
Ameaçou-me
assim a Olga.
Que
a terra lhe seja leve!...
E
esteja lá muito tempo sem o "Pato Verde"!...
EM TEMPO – Antero Bento, o velho companheiro
de jornadas estudantis em Torres Novas, entrou aqui e no meu site e deixou ali uma
mensagem que fez com que verificasse que errei quando neste texto refiro que a
profª. Olga leccionava a disciplina de Físico – Química quando, na verdade, era
de Calculo Comercial. Nem sei como raio fui inventar esta da Físico – Química quando,
no cartão do horário da escola, que ainda guardo, essa disciplina lá não consta…
Coisas de cabeça avariada…
(Clique aqui para ampliar as fotos)