domingo, 8 de maio de 2022

BODAS DE OURO

… DE UM DIA HORRÍVEL A UM FESTEJO INÓLVIDÁVEL

Emoções fortes - muitos fortes! - no tocante aos festejos comemorativos das Bodas de Ouro do meu casório com a Tense a que, só hoje, por motivos de problemas de saúde, aqui posso fazer referência.

Foram dois dias de agitada actividade e, se em boa verdade, na sexta-feira, 6, data da efeméride, aparte as muitas felicitações recebidas, há a destacar o jantar em família (noivos, filhos, nora e neto) e o inevitável bolo de aniversário com a consequente taça de espumante, outro tanto não aconteceu no sábado, dia seguinte, escolhido pelos filhotes e nora para fazer idêntica comemoração num restaurante.

A minha noite de sexta para sábado foi mais que desagradável com o retorno da crise super-dolorosa de inflamação intestinal que tinha forçado dias antes a ida às Urgências do Hospital Lusíadas seguida de tratamento durante dias e que a falta de dores e outros sintomas levava a imaginar que estivesse curada. Mas não estava…

A noite e a manhã de 7 foram mais que desagradáveis e isso adicionado à preocupação de saber que à noite tinha a comemoração no restaurante com um número, ainda que restrito de familiares (pensávamos nós…) fez com que novamente avançasse para nova entrada nas mesmas Urgências Hospitalares.

Foi então que tive a sorte de ser observado por uma médica, pareceu-me que originária do Leste Europeu que, face ao meu pedido para que me indicasse qualquer medicamento que aliviasse com rapidez as dores/cólicas de que padecia, a Srª Drª teve a perspicácia e o saber de imediatamente me mandar infiltrar medicação de combate às dores, para além de diversas análises ao sangue e urina e, após isso, dose dupla de antibióticos a tomar por 8 dias.

A infiltração foi como que milagrosa e foi de certo a que salvou a grande festa/surpresa preparada e oferecida por nossos filhos e nora, de forma totalmente sigilosa para os noivos, num restaurante na zona de Sintra e que reuniu várias dezenas de familiares, com alguns vindos de distantes localidades do país. 

Com passagem por casa, levados pela filhota, para os noivos mudarem de roupa, foi a ida quase directa do hospital para o restaurante e, chegados lá, a surpresa super-agradável e muito feliz, com palmas e “vivas!” espontâneas, emocionantes e sinceras, absolutamente fantásticas, emotivas e, sobretudo, muito, muito gratificantes!

A noiva parecia uma “Madalena arrependida” e o noivo, se bem que muito abalado física e psicologicamente e, ainda que meio-drogado, também não pode mesmo assim evitar que as “lanternas” disso se expressassem… E o coração sentiu e reagiu batendo forte como não me recordo de alguma vez ter acontecido. Foi emocionante de mais!

Foi super, super-emotivo e gratificante, a que há que juntar as muitas e valiosas prendas/ofertas que passaram a ornamentar a nossa casa e interrogo-me como foi possível manter de tanta gente o sigilo da comemoração já que, adultos seriam perto de 4 dezenas e com alguns dos quais contactei pessoalmente, mais de uma vez, durante os dias que antecederam o maravilhoso festejo!...

Um forte e muito sentido agradecimento para o Nuno, para a Joana, para a Sofia, para o Rafael que, de certo, igualmente trabalhou na “partida” aos avós e também um muito especial obrigado para tantos e tantos familiares que fizeram o favor de marcar presença, que tornaram os festejos verdadeiramente inolvidáveis e… que eu quase, quase estive para inviabilizar!

NOTA FINAL - Anexas fotos do "Bolo da Noiva" e seu corte para partilha.

sábado, 16 de abril de 2022

OS PIRILAMPOS DE MINHA SAUDADE

Eram uma atracção interessante nas noites de Verão do meu Chouto natal nos idos tempos da minha infância e juventude.

De Junho a Setembro sempre tivemos muito calor na aldeia e, à noite, aproveitando um pouco a temperatura mais amena, tínhamos por hábito juntarmo-nos às portas de uns e outros, sentados na calçada de seixos redondos e aí passarmos uns bons pedaços do serão contando inocentes histórias, anedotas, adivinhas e, vamos lá, relatando ditos e mexericos que, no Chouto, como em cada boa aldeia portuguesa, sempre abundavam.

Não havia luz electrica e as noites, a não ser que tivéssemos a ajuda do luar, eram mais ou menos escuras mas, como já estávamos habituados, a escuridão não era problema de maior.

Problema de maior eram as danadas das melgas…

Como junto à aldeia se cultivava então muito arroz (Anafes, Mercador, Vale da Bezerra) as chatas das melgas abundavam e… incomodavam de mais! Picavam a valer as desgraçadas e, quando sentíamos uma ou outra pousar-nos nos braços, na cara, nas orelhas, no pescoço, tentávamos liquida-la com um valente estalo mas, vezes sem conta, a bicha pressentia a nossa intenção e… batíamo-nos a nós próprios… Valentes estalos dávamos e... levávamos!…


Mas tínhamos nas noites escuras mais outras simpáticas criaturas esvoaçando e que,  piscando luz, sempre eram motivo de atenção e atracção: Os pirilampos, os vaga-lumes ou, como lhes chamávamos então, os “caga-lume”.

Pois os simpáticos pirilampos, vitimas dos pesticidas, do crescimento urbano e também na nossa região dos pântanos e águas estagnadas que diminuíram, têm tendência em desaparecer. Pouco a pouco vão-se extinguindo. Pouco a pouco vamos deixando de os ver.

Anos atrás vi um ou outro na Beira Alta numa noite de Verão mas, de então para cá, não mais me visitaram…

É certo que moro na cidade e a iluminação pública impede o seu vislumbre na noite mas, pelo que tenho conversado com outras pessoas e pelo que encontrei agora num jornal, os vaga-lume estão mesmo a desaparecer...

Pena!... Tudo acaba, caramba!...

Tenho saudades dos "caga-lume" do Chouto.

terça-feira, 5 de abril de 2022

FÍGADO - AGRADECIDO, DE NOVO EM CASA!

Foram 27 horas. Apenas 27 horitas de internamento para realizar a Quimioembolização!

Bom atendimento de enfermagem, médicos, pessoal auxiliar e recebendo de todos uma boa vontade e um sorriso dignos da maior gratidão e, mais uma vez, só tenho de dizer bem do Serviço Nacional de Saúde (SNS). 

Tendo entrado ontem pelas 7,30 h. no hospital e iniciado de imediato os preparativos indispensáveis, uma hora depois estava a ser levado do quarto para os serviços de Radiologia e, muito curto tempo decorrido o procedimento de Quimioembolização teve início.

Pouco mais sei porque, face aos meus queixumes de dores sentidas com a introdução do catecter na artéria, a Senhora Doutora que fez o favor de me aturar, pôs-me a “dormir” e só acordei 2 horas depois já de novo no quarto. 

Sem dores, bem disposto e, de certo, com o início do caminho de me ver livre de mais um nódulo dos que, teimosamente vão surgindo na minha pecinha das “iscas”, saí hoje 27 horas volvidas pelo meu pé e com a agradável companhia de uma Auxiliar – Cátia, de seu nome - que, pegando-me na maleta e pedindo que lhe desse o braço, fez questão de me acompanhar à porta de saída do hospital, como deixo aí documentado em foto.
 

E, pronto, agora, resta aguardar mais umas semanas para que, cortado o “alimento” (sangue) ao indesejável hóspede do meu figadozinho, o danado seque e deixe de preocupar.

Tudo saberes e evoluções da ciência criada ao longo dos tempos pelos muitos homens e mulheres que gastaram dias e noites das suas vidas a estudar, a aprender, a criar produtos e métodos para prolongar vidas e manter a saúde e o bem-estar de outros seres humanos.

E, eles sim, como bastas vezes o tenho escrito, eles são os verdadeiros Senhores Doutores da nossa sociedade e assim sempre os trato, com admiração, estima e, sobretudo, muita gratidão! 

Graças a eles e ao que estudaram e aprenderam, com muitos fazendo da sua profissão um verdadeiro sacerdócio, o ser humano vive hoje melhor, por mais anos e, de certo sofre menos.

E, não obstante tudo isto, seguramente, muito mal remunerados no nosso país no SNS.

Honra lhes seja feita!

BEM HAJAM! 

domingo, 3 de abril de 2022

FÍGADO – A “RECAUCHUTAGEM” VI VAI ACONTECER

E aí vou eu amanhã bem cedinho e pela 6ª vez para a “oficina” para mais uma intervenção a realizar pouco tempo depois da chegada para, no dizer dos senhores doutores, eliminar um restinho de um “brinco” que ficou da última “visita” de Dezembro passado.

Vou em 6 “recauchutagens” e, sendo bem pouco agradáveis, há que ter coragem e esperança que a coisa não vá a pior porque, nas palavras do amigo doutor que há quase 5 anos me acompanha, indo assim é sinal que vamos tendo remédio para a maleita porque, mau será se algo surgir em que a solução já não exista. E, pensando assim, cá vou prosseguindo...

Uma vez que serei intervencionado cedinho no dia da entrada e se tudo decorrer consoante o previsto, é bem provável que seja de curta duração a estadia, coisa de poucas horas, que me agrada e desejo, claro.

E, pronto, - creio que me repito mas como é o que sinto… - “vamos em frente que atrás vez gente”.

sexta-feira, 11 de março de 2022

A CAMINHA E O "VASO DE NOITE"

Que os eventuais leitores me perdoem o inestético da imagem ora apresentada para melhor nos fazer recuar aos tempos antigos – ainda que em muitos casos não sejam tão antigos e tão recuados quanto isso… - para trazer à memória outras realidades e outras vivências de dias e vidas de muito trabalho, pouco usufruto financeiro, grandes dificuldades económicas e, por isso, tempos muito difíceis mas, ao encontrar esta sugestiva foto numa viagem feita pela net, achei oportuno trazê-la para o meu blogue, para as minhas crónicas, para as minhas memórias de infância e juventude na pobre aldeia.

A cama de casal, de madeira já de muito uso, quando não, noutros casos de ferro, encostada à parede (sinal de que o quartito era mesmo… quartito…); a roupa pobre e fraca para aquecer os corpos; o penico (também, então, pudicamente conhecido por “vaso de noite”…) debaixo e ao fundo do leito, dizem-nos que não havia o “luxo” da casa de banho na residência e que, tão pouco, a mesinha de cabeceira fazia parte do mobiliário…

Era a realidade de outrora.

Era o mínimo que era permitido para quem tinha parcos recursos económicos.

Era o sacrifício e a vida de pobre...

Que me desculpem a deselegância da imagem mas, ela, fez-me recordar o pobre quartinho (?) de telha vã, de passagem para outro iguais cantinhos das filhas, com pobres cortinas de pano fazendo de portas; de piso de cimento frio, desagradável e doentio; de camita encostada à parede e, ver aí, o modestíssimo e pobre quartinho (?) dos meus avós maternos, Gregório e Maria, no Casal do Anafe do Meio, no meu Chouto natal.

Outros tempos e outras realidades em que o viver era, de facto, sobreviver...

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

INVASÃO DA UCRÂNIA - IGNÓBIL E INADMISSÍVEL!

IGNÓBIL E INADMISSÍVEL!

E, na verdade, não encontro melhores palavras para classificar o acontecido no leste europeu na madrugada de ontem com a invasão da Ucrânia pelas forças militares da sua vizinha Rússia.

Pensar que tudo isto é possível no século XXI deixa todo o mundo incrédulo e revoltado segundo acredito e as primeiras reacções já começam a registar-se nada me admirando que em curto espaço de tempo venham a chover condenações de todo o lado, de norte a sul de leste a oeste.


Ninguém poderá ficar indiferente a tamanha afronta a um estado livre e independente que, embora sendo mais fraco militarmente, é sujeito a tal ultraje e nada me admirará que o conflito venha a arrastar-se e sobretudo a alargar-se a outras terras e outros povos justamente indignados com esta decisão de Putin que, ou me engano muito, ou ficará na história pelas mais horríveis razões.

Embora não tendo razão porque a Ucrânia é um pais independente e soberano e por isso com o pleno direito de pretender a adesão à União Europeia e à NATO, antes da invasão entendia a apreensão da Rússia por não gostar de ter fronteiras com um mundo e um sistema de vida que não deseja no seu território mas, se isso a desgosta, de forma alguma dará para invadir e aniquilar o seu vizinho de forma violenta e criminosa. Mas, segundo parece, voltamos ao tempo das “conquistas” e do “quero posso e mando”. Muito, muito triste!

Veremos com tudo vai evoluir porque os ucranianos prometem resistir e, se bem julgo, as suas baixas serão enormes face ao muito poderoso arsenal bélico russo sendo previsível adivinhar que, para além da destruição material acontecerão muitos milhares de vitimas.

No momento em que escrevo sucedem-se as condenações mundiais à aviltante invasão sendo que, todavia na nossa terra, assistimos à incrível posição dos comunistas que não conseguem condenar a invasão de Putin no que será certamente uma enorme excepção mundial. 

Devo confessar que esta posição do PCP pouco me admira porque, efectivamente, lembro-me que já em 1968, quando da criminosa invasão da Checoslováquia pelas tropas da então URSS e Pacto de Varsóvia também Cunhal e o partido tal crime apoiaram. 

E, se em 1940 tivemos um louco que quis dominar o mundo, será que a história se repete?

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

ANTIGO COMBATENTE - CHEGOU A INSÍGNIA

Depois do cartão de Antigo Combatente que era acompanhado da referência às pequenas benesses concedidas e de que aqui já dei conta, chegou no passado dia 28 a insígnia oferecida aos que manifestaram desejo de a receber, como foi o meu caso. 

E se, na situação do cartão e das benesses, embora achando estas escassas ainda assim mostrei-me agradecido e compreensivo, já neste caso da insígnia não estou tanto assim…


Na verdade penso que bem poderiam tê-la personalizado com o nome do militar e, mesmo a carta que a acompanhava, extensa, de frente e verso preenchidos, bem redigida, cortês, reconhecedora e agradecida do sacrifício exigido pela Nação ao ex. Combatente, bem poderia ter sido datada e sobretudo inserir o nome do destinatário, coisa que não fizeram. A Secretária de Estado de Recursos Humanos e Antigos Combatentes escreveu-a, assinou-a mandou imprimi-la e... siga… Sem data e sem destinatário. Igual para todos.

E quanto à insígnia a coisa foi igualzinha: mandaram fazer uma pequenina miniatura da parte superior do monumento aos Antigos Combatentes, de Belém, meteram-no no pequeno estojo e, siga… Se é verdade que de tão pequena o nome do militar ali não caberia, bem poderiam ter criado uma pequena placa para ser colocada no estojo, junto à insígnia, com o nome do homenageado e, assim, personalizada, a lembrança teria um outro significado e mais valor.

Reconheço que se despenderiam com isso mais uns euros mas, há tanto dinheiro que se gasta mal gasto e, com mais uns eurositos tinham feito obra personalizada e com outro valor estimativo.

Pena, pena tenho ainda que tenham demorado tantos anos  a prestar este pequeno reconhecimento aos jovens que entre 1961 e 1974 consumiram os melhores anos da sua juventude numa estúpida e inglória guerra que se via à partida que sempre seria perdida mas que a casmurrice de um governante, com o seu “orgulhosamente sós”, a isso obrigou.

Mas, nunca esquecer: se muitos, apesar de perderem os seus melhores anos voltaram, 9 mil deixaram as suas vidas inglória e tristemente, a favor de interesses de meia dúzia…

Vou agora juntar a carta e a insígnia aos demais pertences que guardo respeitantes à minha forçada participação na guerra e pode ser que um dia, mais tarde, quando esta carcaça já for pó os meus descendentes os encontrem e por eles fiquem a saber que entre 67 e 69 do século XX tiveram um sacrificado antepassado que lutou e arriscou a vida em terras de Angola numa guerra sem sentido, estúpida e inglória. Como todas.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

E… SEGUE-SE A VI “RECAUCHUTAGEM”!

A informação, por parte do médico que sabiamente me segue, chegou ontem ao início da noite via telefone e, dura como as anteriores, não obstante dar conta que, felizmente, não haviam surgido novos “adereços” neste sofrido fígado, acontecia que do anterior tratamento (alcoolização) ainda se detectavam pequenos restos da lesão intervencionada, que tinham de ser eliminados. 


Partirei assim muito em breve para o 6º internamento, segundo espero de duração de 2,3 dias na esperança que tudo fique limpo, se possível por largo tempo, desta danada maleita que há mais de 4 anos me força a estas preocupações e a estes sofrimentos.

E quem me diria que, quando há 5 décadas visitava no então Hospital  do Rego por duas ou três vezes o meu saudoso amigo Mestre Arlindo, alfaiate na minha terra, que ali sofreu várias intervenções cirúrgicas, ali voltaria eu para, chegada a minha vez, se bem que em instalações muito remodeladas umas e construídas outras, ali recorrer aos seus prestimosos serviços para poder viver mais uns tempos…

Com a notícia de ontem, porque gostava que tudo estivesse ok fiquei chateado, como é bom de imaginar mas também temos de ver as coisas pela positiva lembrando que, pelo menos por enquanto a pecinha não ganhou novos “brincos”. Valha-me isso!

Por isso, vamos a nova “recauchutagem” porque, como dizíamos na nunca esquecida guerra de Angola de há 50 anos: “Vamos em frente, que atrás vem gente!”

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

AS ELEIÇÕES E A FEIRA DO CHOUTO

É assim e não há volta a dar: A velha memória do usado septuagenário, vendo cenas actuais do dia-a-dia, continuamente vai despertar, ao seu antes adormecido arquivo encefálico, episódios passados…

Ainda há poucos dias, a propósito da saudosa série televisiva  “Bonanza” recuei e recordei aqui o saudoso “Café do Ilídio” na minha velha aldeia, onde a seguíamos entusiasmos e fiéis no início da década de 60 e, agora mesmo, assistindo nas televisões e vendo e ouvindo caravanas e arruadas, ouço e observo na minha rua de cidade, como de certo acontece em muitas ruas e vielas de outras cidades, vilas e aldeias do meu país, as comitivas partidárias fazendo propaganda em potentes e modernos sistemas sonoros, procurando fazer valer as suas ideias políticas e atrair para o seu universo partidário as votações no acto eleitoral que se aproxima e, foi como que numa associação de ideias que o chip da  minha velha memória foi puxado atrás e vi a velhinha Feira do Chouto de outros tempos, na idade da minha meninice e juventude, nas décadas 50 e 60 do século passado…

Sem energia electrica na aldeia, os feirantes vendedores de quinquilharias, que se deslocavam de várias localidades do país para ali procederem às suas vendas, faziam-se ouvir usando garganta e pulmões em grande gritaria, formando uma vozearia infernal.


Sobressaía dos demais o que mais alto pudesse apregoar o conteúdo da sua bancada:

- Ó freguês olhe esta enxada! Veja este sacho como é leve e útil para a sua hortinha! E esta manta, de cores sóbrias, fofa e quentinha para o próximo Inverno? E este brinquedo de madeira para o seu netinho entreter-se enquanto você cava a seara?

Por vezes a coisa azedava entre eles e havia escaramuças valentes em que A se queixava que B lhe roubava a clientela e o barulho avolumava-se, havia insultos e ofensas mútuas em larga escala, mas a feira prosseguia.

Os tempos correram ano atrás de ano e, numa determinada feira, inesperadamente, surgiram dois ou três novos feirantes que, vendo negócio fácil e rentável, de lucro garantido no Chouto, decidiram também montar barraca e banca.

Eram mais jovens que os nossos velhos conhecidos e, se bem que os produtos fossem de idêntica qualidade, os novos feirantes apresentavam-nos em banca de modos diferentes e mais atrativos, fazendo novos pregões e nova vozearia:

- Ó amigo, olhe aqui esta enxada e este sacho agora já encavados? E esta manta, listada, não de tons escuros e sombrios, mas de cores garridas e bonitas, felpuda e quentinha? E este moderno e colorido brinquedo de latão, que não se quebra facilmente, como os frágeis de madeira?

E para melhor transformação, com outra roupagem, surgiu também uma nova barraca de retratos “à la minuto” onde, ao contrário da do vizinho com o velho fundo estático e morto de fachada de casa mal desenhada, em frente da qual a família posava estática e solene, o jovem fotografo oferecia agora o cenário de um carro descapotável com duas ou três reentrâncias nas quais os clientes colocavam os rostos alegres e felizes e até mesmo um outro ainda mais animado, com um grande toiro preto onde a rapaziada como que pegava de caras, de cernelha ou de rabo o bicho, dando uma feliz ideia de força, movimento e vida.

E, para modernizar ainda mais a feira, até mesmo, não muito distante da corpulenta e já velha conhecida senhora que durante anos habitualmente ali nos vendia no habitual encalorado dia de S. Pedro um grande copo de água fresquinha, retirada do sempre húmido e bem resguardado cântaro de barro surgiu, a partir de determinado ano, a jovem mulher que, a idêntica e fresca água, adicionava uma colher de capilé, que tornava o líquido mais colorido, adocicado e mais agradável ao paladar.

- Olha o capilé fresquinho! - pregoava bem alto e zangavam-se as senhoras sentadas à sombra da fachada da padaria local, gritando e vociferando à vez, na feira que prosseguia…

Prosseguia entre gritaria de propaganda e ralhos, sempre com muita frequência de visitantes e, ao fim do segundo e último dia de festa, caída a noite e retirados que fossem os clientes para suas residências nos povoados vizinhos, a feira terminava. Terminava mas não sem que antes, nas traseiras das barracas já meio-desmontadas, iluminados por moderno petromax, os feirantes - excluindo um ou outro mais quezilento e radical… -, esquecidos de insultos, ofensas e zangas públicas do dia, em redor de um grande tacho de caldeirada de borrego com batatas, ali mesmo confeccionada, confraternizassem, saboreassem em comum a boa jantarada, bebessem uns bons tintos, fizessem juras de amizade eterna e partissem de bolsos cheios de notas e com a solene promessa de, dado o bom negócio feito, no ano seguinte tornarem pelo S. Pedro ao Chouto para realizarem nova feira, com idênticos produtos, novos e velhos, com as mesmas discussões, idênticas ofensas públicas e igual gritaria, onde se fariam melhor ouvir e mais clientela teriam e dela lucrariam, os que mais pulmão tivessem e os que melhor soubessem laurear os seus produtos.

E é assim e não há volta a dar: A velha memória do usado septuagenário, vendo cenas actuais do dia-a-dia, continuamente vai despertar, ao seu antes adormecido arquivo encefálico, episódios passados…

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

O "BONANZA" E O "CAFÉ DO ILÍDIO"

Dizem os livros e, por experiência própria confirmo que, há medida que o ser humano vai mudando as folhas no calendário da sua vida e os anos começam a carregar os ombros já envelhecidos, no dia-a-dia e quando nas curvas da vida lhe surgem imagens, músicas, fotos, objectos, etc. as suas memórias como que começam a descarregar vivências há muito passadas com elas relacionados e com pormenores rememorados aos mais pequenos detalhes que chega impressionar como estavam ocultos e esquecidos e, como que por milagre voltam à tona, vivas e frescas, como se vividas no dia anterior.

Diziam-me isso em tempos idos os antepassados e, hoje, chegada a minha hora, isso comprovo amiudadas vezes (ainda outro dia aqui escrevi como uma velha e abandonada piteira, que vi em jardim, me fez recuar aos dias de meninice na aldeia quando, juntamente com outros companheiros de aventuras, usávamos sentados nas partes mais grossas das suas folhas e improvisávamos um escorrega no pequeno declive de um barreiro da localidade) e, agora, navegando pela moderna net, “tropeçando” no genérico da música e imagem (que aí deixo) do famoso “Bonanza”, “western” norte-americano cujos episódios atenta e fielmente acompanhava quando rapaz e sempre com tão numerosa companhia em todos os serões de sábado, no início da década de 60 do século passado, no “Café do Ilídio” da nossa pequena aldeia, esquecida e abandonada pelos poderes e onde nada acontecia.

A aldeia não tinha energia electrica (ainda haveria de aguardar por esse melhoramento uns sofridos anos…) mas, nesse saudoso café, tínhamos luz e… televisão!

Herdando nos finais dos anos 50 do século passado uma propriedade rústica na freguesia, Ilídio Pratas, de seu nome próprio e apelido, homem sério, correcto, de bem com todos e que há muito é saudade, decidiu vendê-la investindo o produto dessa alienação num moderno e vistoso café que, entendia, fazia falta na aldeia naquela época com bastante actividade económica e social, reflexos da freguesia então muito povoada e com uma azafama de produção agrícola e serviços nunca antes vividos e jamais repetidos.

Um modesto café, que se distinguia da meia dúzia de tabernas bem afreguesadas porque, além de ali se beber menos vinho, estava equipado com 3 ou 4 mesas com simples bancos de pinho em seu redor e também porque no Inverno o freguês podia aquecer a garganta e o estômago com um cafezinho de cafeteira sempre em cima de velhinho fogareiro de torcida redonda, alimentado a petróleo, era o que a população da aldeia tinha para cavaquear nos fins de dia e aos domingos, na época único dia de descanso semanal.

Ilídio resolve então apostar num moderno café e, tomando de renda um espaço de antigo comércio integrado no edifício da padaria local, transforma radicalmente o seu visual.

Entre as duas portas de rua cria uma montra envidraçada, pinta de cores modernas fachada e interior do espaço e equipa o novel estabelecimento de boas e vistosas prateleiras, balcão envidraçado, mesas e cadeiras de estética moderna e bonita. Para que nada faltasse, adquire uma máquina de café da melhor marca no mercado e equipa todo o estabelecimento e até com um ponto de luz (globo) para a rua, com uma necessária instalação electrica fornecida a todo o espaço por um gerador que instala no quintal. (A foto junta foi tirada na rua, em 1962, frente à fachada do novo café, curtos anos passados sobre sua abertura.)
 

Apostado em colocar ao serviço da população algo completo e único, no café que titulou de “Central” mas que depressa se tornaria para sempre conhecido como “Café do Ilídio”, termina o seu importante investimento com a compra de um televisor, objecto jamais visto na terra, tanto mais que a televisão em Portugal nascera não há muitos anos e, sendo uma dispendiosa novidade, existia em vilas e cidades somente em lares mais abastados e nas colectividades locais, onde as pessoas acorriam para passar os serões deliciados com as notícias e programas do pequeno aparelho.

Na minha aldeia, pronto e aberto ao público, o moderno café, depressa tornou-se atracção não só dos residentes locais como até de moradores de freguesias e povoados vizinhos que o visitavam e frequentavam com agrado.

E, foi aí, no “Café do Ilídio” que “todo o mundo” masculino (o sector feminino nem em sonhos poderia frequentar cafés sem que, no mínimo, a “atrevida” fosse classificada de “estouvada”, “oferecida”, “sem vergonha”, etc…) e, homens, rapazes e mesmo crianças, aos sábados à noite enchiam até à porta a sala para assistirem, com paixão, aos episódios do “Bonanza”. E não era apenas assistência da aldeia, não… Dos Casais e povoados vizinhos, alguns a kms de distância, deslocavam-se ao Chouto apaixonados fans das aventuras da série americana com o pai Ben e os seus 3 filhos, Adam, Hoss e Little Joe que, ajudando o seu amigo Xerife na cidade, destemidos, impunham a ordem, sempre privilegiando os valores morais, as causa justas e a verdade.

Western de sucesso ímpar em todo o mundo, a força e a moral de que pai e filhos eram portadores, vibrava e forçava à assistência desses muitos episódios e, este hoje septuagenário, que bastas vezes beneficia do velho “ficheiro” craniano quando, no percurso dos dias, “tropeça” em algo que a tempos passados o faz recuar, bem recorda o enorme prazer e entusiasmo, que nem no exercício de uma autêntica religião, o levava irresistivelmente nos serões de sábado a juntar-se aos seus conterrâneos nas noites escuras da sua esquecida e isolada aldeia, frente a um televisor alimentado de corrente electrica vinda, como que por milagre, de um pequeno, portátil e tão prestável gerador.

Tão reais, tão apaixonantes, tão viciantes e gostosos foram esses serões do “Bonanza” que ainda hoje são bem recordados e, de certo, não só por este usado escriba, autor destas linhas, como por muitos dos seus companheiros de então, entusiastas apaixonados de uma boa e viril coboiada que nunca perdiam no sempre lembrado “Café do Ilídio”.

sábado, 25 de dezembro de 2021

NATAL 2021 - DE NOVO O CONVÍVIO CERCEADO

Este é o 2º Natal que vivemos de convívio restrito e resumido ao resguardo do lar de cada um por via desta terrível pandemia Covid 19 que teima em nos incomodar e que, alastrada por todo o globo terrestre, traz doença, sofrimento e morte.

Foi mais uma quadra natalícia em que cada um viveu no recato de suas casas e onde naturalmente eu e minha família mais chegada nos incluímos. 

Longe vão os tempos das grandes reuniões e convívios familiares quando nos juntávamos em vasto número com avós, pais, filhos e netos, num fraterno e amigo ambiente…


Hoje, novamente e pelo 2º ano, aqui ficamos por casa resumidos a 3 elementos e se isso já foi triste, mais triste ainda se nos apresentam os tempos futuros dado que não se vê, nem de perto, nem de longe, o término desta malfadada epidemia.

Ainda assim e como é de tradição fizemos os doces, os fritos, o bacalhau na Consoada e o Cabrito no Almoço de Natal e, também e para finalizar, como é nosso hábito, ao jantar degustamos a Açorda, dos restos do pão, das couves e do bacalhau. 

Esta Açorda, cuja foto do tachinho de hoje ao jantar aí fica, é um hábito que vem desde os tempos de minha sogra na Beira Alta e cai sempre muitíssimo bem. Saborosa e desenjoativa a Açorda de pão, couves e bacalhau, é sempre uma maravilha!

E pronto, agora resta esperar pelo fim destes tempos complicados e demasiado difíceis que atravessamos mas que temo demorem muito, muito tempo a ver o seu término. 

A não ser, segundo o meu modestíssimo ponto de vista, que os grandes dirigentes mundiais se consciencializem que o fim da pandemia só será possível acontecer, em tempo ainda que demorado, quando se tornar obrigatória a nível mundial a vacinação nos países ditos modernos e, não olhando a despesas, se vacine todo o continente africano, de norte a sul, fazendo igual tratamento nos países pobres da América Latina e do Oriente.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

17 DE DEZEMBRO DE 1969 - ÚNICO E INOLVIDÁVEL!


Penso que os homens, tal como as nações que, afinal, são constituídas por homens, durante as suas vidas e a sua história, vivem e muito bem comemorando datas marcantes da sua existência mas, em contrapartida, olvidam outras ou, se quisermos melhor, deixam esquecidas no tempo datas porventura não tão importantes mas ainda assim bem relevantes de suas vidas.

E, assim, se na realidade do caso das nações temos por exemplo o esquecimento a que foi votada em Portugal a data de 25 de Novembro de 1975 que, depois da desordem e bagunça no percurso verificado entre o 25 de Abril de 1974 e essa data fez recolher os militares aos quartéis, evitando uma provável guerra civil e colocou o país nos carris da democracia, também eu, pessoalmente, embora sempre todos os anos lembre quão importante foi na minha vida o dia já tão distante de 17 de Dezembro de 1969, a verdade é que não o comemoro minimamente que seja.


Nessa muito importante data, vindo de Angola, após 26 meses de dura e temível guerra que, somados a mais ano e meio de serviço militar obrigatório antes da mobilização dá um total de quase 4 anos roubados à mocidade de um pacato e inofensivo rapaz de vinte anos de idade, desembarquei no Cais da Rocha, em Lisboa e vi-me livre para todo o sempre das fardas, da disciplina e ordem militares, dos temores da guerra e das mil privações resultante duma agressiva e mortífera guerra subversiva em terras e ambientes estranhos e hostis, quando não fatais.

Ver-me livre de tudo aquilo, já o escrevi mais vezes, constituiu para mim o dia mais feliz da minha vida! E já casei, fui pai e avô!… Tudo datas muitíssimo importantes e felizes mas, como a daquele dia, em que pus pé em terra e vi-me livre daquele imenso inferno, não conseguiram ser mais.

E, se este facto já seria sobejamente importante para assim considerar esse desembarque e esse dia, quis as circunstâncias da vida que ao desembarque ainda se associasse ocorrência igualmente da maior relevância na minha vida e que foi o dia do conhecimento pessoal daquela que viria a ser a minha fiel e dedicada esposa, a mãe de meus filhos e a companheira para os restantes dias da minha vida!

Julgo que é uma história interessante, curiosa, bonita mesmo e bem verdadeira que aqui deixo, narrada para o fim dos tempos:
Na guerra, no distante e inóspito leste angolano, a milhares de kms de Portugal e quase sem comunicações (as cartas demoravam vários dias e até semanas a chegar) e após o término de um namoro na então chamada Metrópole, este jovem rapazinho pensou em arranjar uma “Madrinha de Guerra”. (Assim eram tituladas as moças que ficavam em Portugal e que pelos mais diversos motivos aceitavam trocar correspondência com os militares em combate nas diversas frentes de guerra africana.)

Em conversa com um soldado foi-me dado o endereço de uma jovem da sua aldeia que, segundo ele, tinha feito alguns estudos secundários e seria suposto estar indicada para comigo travarmos correspondência e debatermos ideias.

Chamava-se Rosa e, como ele e a grande maioria dos soldados que me acompanhavam, vivia numa pequena aldeia no nosso Minho. Trocamos meia dúzia de cartas mas, coitada, a pequena era muito limitada em português tendo por isso alguma dificuldade de expressão e, por via disso, tinha muito poucas ideias e argumentação… “No domingo fui a Braga à festa, que estava muito animada”; “No sábado fui à feira em Barcelos, que estava muito boa”. E abordar ou discutir para além disso: zero.

Nem me recordo como e quem terminou as correspondências… Não obstante a simpatia da moça, não dava...

É então que, no decorrer de uma das diversas conversas de camarata em grupo de furriéis, com brincadeiras e piadas que toda a rapaziada nova sempre usava, eu pergunto a um deles, totalmente na brincadeira, se não tinha nenhuma irmã que eventualmente quisesse ser minha “madrinha de guerra” e tive como resposta:
- Por acaso até tenho.
- E estudou, claro…
- Sim. Tem o 5º ano.
- Ó pá, escreve-lhe a perguntar se me podes dar o seu endereço, pode ser?

E foi a partir daí que, desde a 1ª troca de correspondência, tudo foi acontecendo muito naturalmente. Extensas cartas de parte a parte; muitos debates de ideias; muitos pontos em comum; trocas de fotografias; a aproximação sentimental em aumento progressivo e… o namoro iniciou-se. Naturalmente ele surgiu...

Decorrido ano e meio faltava então o conhecimento pessoal que aconteceu no dia do desembarque e essa situação também regista um episódio bem curioso: No barco, em alto-mar, recebi um telegrama da também ansiosa namorada que me informava: ”Meu dístico será balão.” e, eu, ia todo feliz pensando que seria fácil localizá-la.

Bem me enganei!... Eram às centenas os balões exibidos pelos milhares de pessoas que aguardavam no terraço do edifício e no piso térreo do cais o desembarque dos militares. Brancos, amarelos, vermelhos, azuis, verdes, etc todos de igual formato redondo tradicional dos balões e, aí, este ansioso rapaz ficou às aranhas sem saber onde encontrar a sua amada…

Resolvi então procurar o dístico previamente acordado com meu pai com a palavra “Chouto”, nome da minha aldeia e que indicava a localização da família e amigos e, é bem reparando que vejo, ali pertinho deles, um balão diferente de todos os outros… Não era redondo, não. Era comprido, verde e em formato de… lagarta!…

Só podia ser a minha apaixonada, não tinha dúvidas e não mais tirei os olhos daquela lagarta e daquela imagem que ainda hoje guardo bem viva na memória! (Pena sinto que, talvez como consequência das emoções na hora sentidas, não tenha clicado bem as fotos que aqui deixo mas que, mesmo assim, apesar de tão má qualidade, merecem ficar para a minha história de vida.)

E, depois, foi o que se imagina,,, A felicidade imensa e inenarrável de, livre pisar terra firme e ao fim de mais de 2 anos de sofrimentos, incertezas, receios e medos, abraçar e beijar os que me eram queridos e os amigos que marcaram presença no cais, foi inimaginável!

E, assim, pelos factos narrados, dá para avaliar a enorme importância na minha vida do dia 17 de Dezembro de 1969.

Uma data que, reconheço, deveria celebrar condignamente todos os anos mas que, vá lá saber porquê, ficou esquecida no tempo, sendo verdade que anualmente bem a recordo ainda que não a festeje publicamente. Porquê? Nem sei explicar.
Mas foi um dia único! Um dia inolvidável! Um dia que jamais se repetirá!

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

A V "RECAUCHUTAGEM" E OS AVANÇOS DA MEDICINA

Nestas minhas crónicas ao longo dos tempos, relativamente aos tratamentos ao doente fígado de que tenho beneficiado, tenho vindo aqui a salientar o quanto verifico os avanços da ciência e, neste caso da medicina, de tal forma me tenho admirado com os métodos e eficiência desses modernos procedimentos.

Foi assim com a Laparoscopia e as Quimioembolizações e foi agora com a Alcoolização, método que, como os outros me admirou sobremaneira.

Foi seu executante um jovem médico de 33 anos, cujo nome não divulgo por motivos óbvios, muito dialogante e simpático e que, antes e na hora, teve a amabilidade de elucidar-me sobre o método e a forma com iria ser processado.


Assim, enquanto a Quimioembolização consiste em depositar no tumor a químio necessária e que é levada até lá por um finíssimo cateter introduzido na virilha na artéria adequada, a Alcoolização é feita com mais precisão com uma fina e comprida agulha entrada na pele abaixo das costelas e que vai direitinha ao tumor onde deposita álcool para a sua queima e consequente eliminação.

Informou-me antes do procedimento o jovem doutor que só sentiria uma leve dor na picada da agulha e sua introdução levando ali a necessária anestesia local e que, depois, para a deposição do álcool, porque então aí uma acão bem mais dolorosa, “pomo-lo a dormir”, no dizer das suas amáveis palavras.

E foi exactamente o que aconteceu: no procedimento mais doloroso fui sedado por alguns minutos, nada senti e, quando o efeito da sedação se foi, da mesma forma nada senti, de tal forma que, passadas 24 horas, saía do hospital pelo meu pé e retornaria à minha residência. 

Considero um espanto estes métodos de tratamento de maleitas tão graves e penso que se os nossas antepassados, que já cá não estão, vissem a evolução da ciência e da medicina, custar-lhes-ia acreditar com tal foi possível em tão curto espaço de tempo.

Um doente entrar num hospital para sofrer a eliminação de um tumor no fígado, num procedimento que não levou uma hora, ter 22 horas de repouso e sair, pelo seu pé, sem dores, 46 horas passadas de transpor a porta de entrada, acho que é motivo de pasmo, de regozijo e agradecimento muito grande aos homens e mulheres – eles sim, doutores, como tenho escrito – que queimaram horas e horas, dias e noites de estudos e experiências para que outros homens vivam cada vez com mais saúde, melhor bem-estar e, sobretudo, mais anos de vida.

Bem-hajam!

Bem-hajam os senhores doutores que nos curam e nos salvam!


NOTA FINAL – Ao contrário de alguns que dizem mal do SNS, este escriba, como já o fez anteriormente, continua a não ter razão de queixa (e pelo que vê e ouve à sua volta nos internamentos, outros assim também pensam) e, dos médicos à enfermagem (que se farta de trabalhar!) e até aos Auxiliares todos são incansáveis, atenciosos e educados! Na foto uma simpática Auxiliar de Enfermagem que me acompanhou até à porta de saída do Hospital Curry Cabral (Lisboa) onde fui, mais uma vez bem, muito bem cuidado.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

A V "RECAUCHUTAGEM" ESTÁ AÍ!


 E, com esta, que terá início com o internamento amanhã e a Alcoolização no dia seguinte (15), serão 5 as intervenções nesta doentinha “pecinha das iscas” que teima em fazer crescer “brincos” que os senhores doutores vão, com a ajuda da ciência, por enquanto eliminando.

Primeiro 1 Laparoscopia, depois 3 Quimioembolizações e, desta vez, será a Alcoolização.

Com, umas menos, outras mais dolorosas, lá vou percorrendo o difícil caminho que, no dizer do meu médico assistente, assim continuará em bem enquanto houver tratamento porque, quando algo surgir em que falte a cura…

Acaba-se a “licença” e, era uma vez…

Mas, ainda que disso convencido e preparado, há que andar em frente, utilizando a ciência e o saber dos homens para, como bastas vezes se dizia na minha juventude na minha terra, “acordar todos os dias com os dedos dos pés a mexer...”


quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

VIVER (MUITO) POBRE

Penso que vermos uma imagem, como a que retirei da net, de alguém desconhecido
mas que nos mostra ser uma mulher carregando para casa um braçado de lenha seca, podendo parecer algo estranho para os citadinos jovens de hoje, ela não é de todo minimamente invulgar para quem, como eu, nasceu e cresceu numa aldeia.

Na verdade, em tempos que não distam dos actuais tanto quanto isso, nas aldeias de Portugal era vulgar, familiar, assistirmos a pessoas que faziam fogueiras nas lareiras de suas casas para seu aquecimento e confecção dos alimentos, em muitos casos porque havia que poupar no gasto do petróleo do velho e rudimentar fogareiro e tanto mais que o moderno gaz em garrafa ainda não havia chegado.

Falo do que bem me recordo, nos mais recuados anos da minha infância e juventude nas décadas de 40 a 70 do século passado na minha aldeia Natal, pequena e pobre, ali no extremo da fronteira sul do Ribatejo com o Alentejo.

O Chouto (Chamusca), encravado no meio de grandes propriedades agrícolas e onde a quase totalidade dos seus habitantes não possuía um metro quadrado de terreno, médio ou pequeno que fosse, que pudesse cultivar e daí retirar alguns bens para ajuda da alimentação, vivia quase exclusivamente da agricultura latifundiária e, para além dos que conseguiam um serviço permanente nas grandes propriedades, onde usufruíam duma escassa remuneração mas, ainda assim, garantida semanal ou mensalmente, beneficiavam todavia de casa gratuita e de um espaço para horta onde cultivavam muitos alimentos para seu consumo.

Mas, e os outros? Os que não tinham trabalho certo viviam da pobre e curta jorna em oferta e procura para pequenos trabalhos em quintais, hortas, searas, etc, feita nas tardes de domingos nas tabernas da aldeia onde eram procurados. Era aí a chamada "Praça da Jorna" da minha terra.

Acontecia por isso que, como algumas poucas excepções de comerciantes e pequenas profissões (pedreiros, carpinteiros, alfaiates, sapateiros) todas as casas da restante população eram realmente muito pobres, frias, inóspitas e de fraquíssimas condições de habitabilidade.

Lembro-me de muitas casas de telha vã, com cortinas em vez de portas interiores, janelas exteriores de taipais de madeira sem vidros e, até uma ou outra, bem me recordo, de piso em… terra batida, que o escasso dinheirito não chegava para adquirir cimento para as cimentar.

Ainda relacionado com a habitação e pensando naquela que os trabalhadores tinham nas grandes propriedades e, sendo verdade que a maioria dos lavradores a forneciam gratuitamente, numa reportagem que fiz para o “Jornal da Chamusca”, em 1973, encontrei e por incrível que pareça, uma triste realidade: o trabalhador, não obstante o parco salário e géneros (mantas anuais e cereais), construía ou mandava construir a casa e, se deixasse a propriedade, a casa era do patrão…

Por tudo isto, nessas recuadas épocas, vivia-se pobre, muito pobremente e tínhamos muitas crianças que andavam descalças pelas ruas térreas e empedradas, usavam velhas calcitas remendadas várias vezes e já herdadas de irmãos mais velhos e que, descalças, iam para a escola, algumas percorrendo assim, de Verão e de Inverno, sem calçado, largas distâncias desde as suas residências em povoados em redor da aldeia até à escola primária e, de certo, quantas e quantas vezes de estômagos vazios.

Recordo-me ainda que, na década de 50, a Cáritas Portuguesa (penso que o fez directamente, a Cáritas, porque não estou a imaginar Salazar e o seu governo, com a sua política autoritária, sobranceira e de isolamento mundial, tomar essa iniciativa...) conseguiu junto dos EUA umas grandes e importantes ofertas de muitas toneladas de leite em pó e queijo enlatados para ajudar a matar a fome dos portugueses. A Cáritas, como organização de cariz religioso, entregou às dioceses católicas a missão da sua distribuição que, por sua vez a passaram para os párocos e, estes, nas localidades onde não residiam e porque melhores conhecedores da pobreza nas suas terras, a cidadãos dessas terras. Na minha aldeia e porque bem conhecedor da realidade local, foi solicitado a meu pai que o fizesse e bem me recordo de situações de pobreza que meu pai nos contava à mesa e dos problemas de consciência que sentia para o fazer equitativamente não querendo ser injusto para quem quer que fosse, beneficiando alguém num eventual prejuízo de um seu vizinho. Era muito difícil não surgir um ou outro reparo e bem me recordo como o meu saudoso progenitor se sentia penalizado quando lhe soava que tinha oferecido a A mais um pedaço de queijo do que a B, mais uns gramas de leite a um que a outro.

Mas, tão bem quando foi possível, tudo foi distribuído várias vezes durante uns anitos (numa das vezes, para maior auxílio, chegaram também roupas ainda em excelente estado, ou até mesmo sem qualquer uso detectável) e não tenho dúvida que muitas crianças e adultos beneficiaram dessa graciosa alimentação e a todos ajudou a crescer, a viver e a minorar o seu  sofrimento do dia a dia. Sim, porque a quem vive e sobrevive do quase nada, quem nada tem para pôr na mesa na hora de alimentar os filhos, tudo o que lhe vem, escasso que seja, sempre é bem-vindo e sabe-se lá com que gratidão é recebido...

Enfim, a crónica já vai longa mas achei-a necessária para registar para a posteridade as dificuldades económicas vividas e sentidas por larguíssima percentagem da população portuguesa, aqui com a minha terra em particular, sobretudo naqueles recuados anos do pós-guerra e seguintes, quando a recuperação industrial, comercial, económica e financeira acontecia aceleradamente por toda a Europa mas onde em Portugal tal não sucedia em virtude da opção neutral e isolacionista de Salazar que nos livrou de muitas mortes na guerra, consoladora realidade, mas onde igual recuperação infelizmente não aconteceu por via da sua política de “orgulhosamente sós”...

domingo, 28 de novembro de 2021

TIA BEATRIZ FARIA 100 ANOS

Se hoje fosse viva, a minha doce e saudosa Tia Beatriz festejaria – festejaríamos todos! - o seu bem merecedor centenário natalício mas, quis o destino e as leis da vida que, depois de uma árdua existência de trabalho nos campos e na agricultura, de boa esposa e mãe de 1ª, se finasse em 2016, a uns escassos 5 anos de atingir os de certo ansiados 100 anos.

Porque sempre vi na Tia Beatriz um encanto de familiar e amiga e ainda porque foi o último elo familiar em linha recta que me ligava à querida e saudosa ascendência materna que se quebrou, senti sobremaneira quando nos deixou em Agosto de 2016 e não pude deixar de o registar em escrito no meu blogue. http://victor-azevedo.blogspot.com/2016/08/tia-beatriz-quebrou-se-o-ultimo-laco.html

Guardo da Tia Beatriz as melhores e mais gratas recordações que, ainda que pareça incrível, vêm desde o meu tempo de criança, com escassos anos de vida, quando ela e as outras suas irmãs solteiras, que me viram nascer e crescer, me disputavam para com elas dormir nas noites em que ficava em casa de meus avós no Anafe do Meio, um casal com residência e labuta dela e dos seus pais, que mantinham toda a área a produzir muitos e variados cereais e produtos agrícolas e, hoje, é um local irreconhecível que, para além de nem casario possuir, estar totalmente coberto de eucaliptos e mato.

De sorriso aberto, cordialidade e franqueza de trato iguaizinhos às das suas outras 3 irmãs, era um regalo falar e ouvi-la e, para além de um delicioso registo áudio feito em cassete em 1967, tenho em arquivo, no meu blogue, a narração de um diálogo com ela travado na Feira de S. Pedro da minha terra, em 2004, quando se jogava no país o Europeu de Futebol e havia a “doença” do hastear da Bandeira Nacional.

A Tia Beatriz que, de certo, durante toda a sua vida jamais se interessara por futebol, acompanhava em 2004 a carreira da nossa selecção e aspirava ter uma bandeira para hastear na sua residência, no Gaviãozinho de Cima. Naquela ocasião e não as encontrando à venda na feira, manifestou-me o seu desejo e, passados escassos dias, pelo correio, receberia a bandeira e logo pediu ao seu amado marido, Tio Chico, que a hasteasse. Isso comprovei e registei em foto numa visita posterior e todas essas deliciosas ocorrência aqui deixo registadas para a posteridade.

E, nesta data em que bem poderíamos festejar o seu centenário, não o podendo fazer, curvo-me respeitosamente em sua memória, grato, saudoso e reconhecido  pelos gratificantes instantes e dias que me proporcionou de são, saudável e bonito convívio!

terça-feira, 23 de novembro de 2021

AS "RECAUCHUTAGENS" QUE NÃO TÊM FIM...


Pois é… parecem não ter fim as minhas tituladas “recauchutagem” e ainda hoje regressei da 4ª (fica aí uma imagem da minha chegada a casa captada pelo atrevido do meu filho) e já me espera a 4ª no próximo mês…

Desta vez eram 2 nódulos a eliminar pela costumada químioembolização mas, um deles, por estar muito próximo do intestino, a srª drª , sabedora e experiente, entendeu aconselhável fazer-lhe um procedimento diferente à base álcool (alcoolização), este já com anestesia-geral por ser demasiado doloroso para uma simples anestesia local.

A ciência e o conhecimento dos homens e das mulheres que gastam horas infindas a estudá-la e exercê-la, tem evoluindo muito, felizmente e, até eu, no curto espaço destes 4 anos que frequento hospitais o comprovo a toda a hora.

Por exemplo, no que se refere às quimioembolizações, encontro provas evidentes dessa evolução. Enquanto na 1ª, há 3 anos tive de permanecer durante 12 horas com a perna direita estendida sem a encolher e com um enorme peso (2, 3 kgs) na zona da introdução e funcionamento do cateter para evitar um provável hematoma (que, mesmo assim surgiu, bem negro e grandote…), ontem, 3 anos passados, nada disso foi preciso e a perna ainda que tivesse de permanecer estendida 4 horas, é muito mais curto espaço de tempo e um criado a apropriado adesivo, a que 2 em 2 horas, por 3 ou 4 vezes, uma enfermeira aspirava o ar, resolveu o problema e com magnífico resultado porque não surgiu o mais pequeno hematoma.

Outro facto que melhorou muito foi o período de internamente. Há 3 anos foi de 45 horas, enquanto agora foram umas escassas 26 horitas!

Tudo factos que nos comprovam como, com o estudo e saber dos homens e mulheres, a humanidade consegue em muitos casos salvar vidas e na generalidade proporcionar a todos nós um melhor bem-estar e um prolongamento das nossas vidas.

E, eles sim, eles são os verdadeiros e únicos doutores no verdadeiro significado da palavra a merecerem esse tratamento educado, respeitoso e admirativo!

Doutores, únicos e verdadeiros doutores, são os médicos, que queimam horas, dias e noites das suas vidas no estudo e na sabedoria e que nos tratam das maleitas e suas dores e de nós cuidam, proporcionando-nos um menor sofrimento e um significativo bem-estar!



terça-feira, 2 de novembro de 2021

FIZ 77! FAREI NOVA CAPICUA?

Fiz hoje a capicua do 7, que o mesmo é dizer que atingi os 77 de idade e agora ocorre-me perguntar a mim mesmo se conseguirei fazer a do 8?

Gostava, francamente, de chegar aos 88 mas, a julgar pelas danadas das maleitas que me apoquentam, onde sobressai a sofrida figadeira, imagino que tal não será nada provável. O fígado é uma das principais peças do nosso organismo – se não mesmo a principal… - e, quando ele se estraga, como o desta velha carcaça, tudo se complica muito.

Fiz a comemoração aqui em casa no seio e companhia da família mais chegada e tudo decorreu lindamente desde a refeição, com um tintinho pequenino da Cartuxa, ao soprar as velas de um lindo e delicioso bolo de chocolate, “molhado” com um nadinha de espumante que, pela sua fraquinha graduação alcoólica, não fez qualquer estrago na pecinha das iscas.

Igualmente não faltou, no registo para a posteridade, a tradicional foto com o meu neto Rafael que, com os seus 15 anos já está bem mais alto que o avô que, valha a verdade que se diga, embora não seja exactamente anão, também não cresceu muito. E parece que começa a encolher com o peso dos anos... Eh! Eh!

E, pronto, agora resta fazer por no próximo ano festejar mais um aninho e assim progressivamente ir tentando aproximar-me o mais possível da capicua dos 8.

Se isso conseguir, aqui darei conta.   




 


quinta-feira, 28 de outubro de 2021

ANTIGO COMBATENTE - CHEGOU O CARTÃO!


Diz o nosso povo que “vale mais tarde que nunca” e nisso penso e concordo a propósito da emissão do “Cartão de Antigo Combatente” - “Titulo de Reconhecimento da Nação” (que recebi há 2 dias) e das (poucas) regalias que o mesmo proporciona aos que, como eu, combateram forçados nas danadas das guerras de África.

Depois de há meia dúzia de anos atrás os governantes atribuírem a cada antigo combatente um Subsídio Anual de 150€, agora, com o cartão, surgem mais uma pequenas benesses em que a mais significativa é sem dúvida a gratuitidade de alguns transportes públicos.

Sendo de juntar a isto o não pagamento de Taxas Moderadoras nos serviços de saúde e igual dispensa de pagamento nas visitas a museus, vê-se como envergonhadas são as pequeninas regalias mas que, mesmo assim, devo confessar, aprecio e agradeço.

Pena que só agora, meio século passado sobre tão horrível período da nossa história elas surjam porque, entretanto, muitos foram os ex-combatentes que partiram e delas não beneficiaram…

Mas, enfim, tarde mas é um pequenina recompensa para quem, forçadamente, perdeu os melhores anos da sua mocidade, para além e sobretudo de ter arriscado a própria existência.

No meu caso – e depois de ano e meio por cá como militar antes da mobilização – foram 26 meses de muito esforço e sacrifício para além do risco vivido dia a dia naquelas paragens.

Escolhi duas imagens para melhor descrever e ilustrar esse difícil tempo de fome, sede, frio e medo. Medo sim porque, em certas circunstâncias só não sentiria medo quem fosse inconsciente ou irresponsável... Na 1ª, à direita, temos a ementa da pobre Ração de Combate que, durante 14 meses em muitas ocasiões me matou a fome no inóspito e longínquo leste angolano. À excepção do Leite com Chocolate, nada daquilo era comestível, pelo menos para o meu paladar. Mas comi quase sempre porque a fome apertava e, em alternativa, fora do quartel, como andei vários meses, só o... capim…

A imagem, à esquerda, diz-nos como foi diferente a estadia de mais 12 meses finais a uma centena de kms a Norte de Luanda. Aí, para além permanecermos em guarda a instalações (culturas e fabricas transformadoras) de grandes fazendas (cana de açúcar, bananas e palma) continuámos a sair e a fazer escoltas e patrulhamentos mas, sobretudo no caso das primeiras, feitas de Unimog e sempre em estradas asfaltadas, afastando-nos assim muito do perigo das minas. Mas, tanto numa zona, como noutra, a inseparável e fiel G3, jamais era esquecida ou ficava distante… E, em ambas as áreas ela passava a noite à beirinha da cama… A zona era muito menos perigosa do que a do leste mas, mesmo assim, havia que não facilitar...

Enfim, passou-se e, se no meu caso, felizmente aqui estou para recordar e eventualmente beneficiar algo das pequenas benesses agora anunciadas, outros infelizmente essa sorte não tiveram…

E, desses, pouco ou nada reza a história...


segunda-feira, 11 de outubro de 2021

"CARTAS DA GUERRA"

Quis o acaso que, hoje, já no começo do dia (pelas 2,30 h), quando se completam 54 anos sobre a minha partida para a guerra, terminasse a leitura do livro “Cartas da Guerra”, de António Lobo Antunes que li numa penada, tal o interesse que me despertou.

E li numa penada porque, ao contrário de outras escritas dele, que li e que não me entusiasmaram, esta, tratando-se da publicação em livro, feita pelas suas filhas satisfazendo uma vontade da sua falecida mãe para que isso assim acontecesse depois da sua morte, contendo as cartas (aerogramas) escritas pelo escritor à então sua recente esposa, grávida na Metrópole, onde Lobo Antunes, (embora reduzindo a menos de um décimo os dramas e dificuldades vividas na guerra, como aliás também eu o fazia na correspondência que redigia…) descreve com realismo e saber a guerra vivida no leste angolano.

Li com vivo interesse as suas narrações, não só pela qualidade da escrita – excelente! - como também porque menciona lugares, paisagens, situações, costumes dos nativos, povoações, viagens e picadas, num rol de referências que me são familiares porque, embora 3 anos antes, também estive naquele longínquo leste angolano tendo ali permanecido mais de um ano a escassos 300/400 kms (o que para Angola é já ali…) na zona do Cazombo/Lumbala (Lobo Antunes sofreu as “passas do Algarve” um pouco a sul na área de Gago Coutinho onde, já no meu tempo, sabíamos haver “porrada de criar bicho”... ).

Foram lidas num sopro as mais de 400 páginas da edição e no final fiquei com pena de chegar à última tão depressa...

Belíssimo testemunho de uma vivência pessoal e idêntica a de muitos outros milhares de jovens portugueses que, na flor da vida, sofreram e em muitos casos perderam o melhor de si mesmos – a vida – por uma inglória causa que desde a 1ª hora se sentia estar perdida para que outros – uma escassíssima minoria de grandes proprietários de gigantescas fazendas com milhões de rendimento – abocanhassem mais e mais fortuna…